Boca Raton, Flórida (EUA) — “A Moy Park é aquela fundação para você construir uma plataforma maior na Europa, e nossa intenção é essa. Quando olhamos cinco anos para frente, a JBS claramente se candidata a ser um player global de alimentos”.
A frase do empresário Wesley Batista, em uma entrevista concedida a este repórter há quase uma década, soa ao mesmo tempo premonitória e atual, uma raridade no mundo da proteína animal brasileira — uma indústria em que os players costumam mudar a estratégia de longo prazo com frequência.
Na busca para ser percebida pelos investidores como um negócio de alimentos que vai bem além das commodities, com mais marcas e valor agregado no portfólio, a JBS pode comemorar um reconhecimento nesta quinta-feira.
Daqui a pouco, os principais executivos da companhia falam a mais de 1 mil analistas reunidos em um resort em Boca Raton, na Flórida. É a primeira vez que uma empresa brasileira participa da tradicional Cagny, a conferência de analistas de consumo de Nova York que ocorre há 70 anos. Para os analistas, é também uma oportunidade para sair do frio de Nova York e ampliar conexões em um ambiente muito mais agradável.
Na edição deste ano, a JBS é a única da América Latina a participar, num evento que reúne gigantes como Coca Cola, PepsiCo, Kraft Heinz, Diageo, Kellogg, General Mills, Hershey e Procter&Gamble, entre outras.
Ao lado de players como esses, a brasileira se conectará a um grupo de analistas — mais ligados ao universo das marcas — que desconhece a trajetória da companhia, apesar de ser a maior indústria de carnes do mundo há praticamente 15 anos.
Listagem em NY
Cativar a plateia em Boca Raton é essencial para entrar definitivamente em uma liga diferente, sendo comparada aos players globais e listados nos mercados desenvolvidos, o que tende a se traduzir em valuation mais parrudo no médio prazo.
Para isso, a listagem das ações na bolsa de Nova York também precisa ser concluída. O processo, iniciado em julho do ano passado, tem sido mais demorado do que o inicialmente esperado. “Estamos trabalhando na listagem para este ano”, disse Gilberto Tomazoni, CEO global da JBS, em entrevista ao The AgriBiz.
Chegar à NYSE, um objetivo que vem sendo perseguido desde 2016, será uma forma de destravar uma nova avenida de crescimento. Com a dupla classe de ações, a JBS poderá captar recursos para M&As de grande porte, preservando a posição de controle da família Batista.
“Temos acionistas de referência que entendem do negócio e estão comprometidos com o longo prazo. Isso é o que importa. Não estamos mirando no trimestre que vem. Eu quero uma base de investidores que esteja comigo para essa jornada”, disse Guilherme Cavalcanti, CFO da JBS, que concedeu a entrevista ao lado de Tomazoni e Wesley Batista Filho, CEO da JBS USA.
Os planos na Europa
A JBS já declarou mais de uma vez que a capacidade de alavancagem permitida pela listagem em Nova York pode permitir um movimento de M&A transformacional, assim como foi a abertura de capital no Brasil, em 2007, que viabilizou a compra da Swift — colosso americano de carne bovina que era maior do que a própria brasileira na época.
“Quando a gente fez o IPO, não sabia que a Swift entraria à venda. Claro que essas coisas dependem de oportunidade, mas assim como não prevíamos a compra da Swift, a listagem aqui nos EUA possibilita fazer coisa transformacional de verdade, e não só uma aquisição complementar”, disse Wesley Filho.
Entre as oportunidades, estão a expansão do negócio de marca e valor agregado no mercado americano, uma obsessão da JBS, mas também a expansão na Europa, intensificando o plano que foi desenhado em 2015, quando a companhia adquiriu a irlandesa Moy Park, uma indústria de carne de frango que pertencia à brasileira Marfrig.
Nos últimos meses, a JBS vem trabalhando na consolidação dos três negócios que detém no Reino Unido: a Moy Park (carne de frango), a Tulip (carne suína) e os ativos de alimentos preparados adquiridos da Kerry. “Tínhamos três empresas e estamos fazendo uma empresa só”, disse Tomazoni.
A reunião dos três negócios no Reino Unido, sob a liderança do brasileiro Ivan Siqueira, é a preparação de uma base para uma expansão maior no Velho Continente, seguindo a trajetória traçada quando Wesley Batista pai era o CEO.
“A Europa é enorme, e o sistema não é consolidado lá, é cheio de oportunidade”, ressaltou Tomazoni. Em paralelo aos negócios no Reino Unido, a JBS também vem construindo uma plataforma de especialidades na Itália (presunto, salame, entre outros).
Com aquisições de negócios familiares nos últimos anos, a JBS já é a terceira maior empresa de charcutaria na Itália. “Nós vamos ter muita oportunidade para frente. Temos negócios ícones de presunto San Danieli, presunto de Parma. É um negócio que nos dará condições de avançar”, disse o CEO global da JBS.
Os ativos na Itália também geram sinergia nos Estados Unidos. Lá, a companhia investiu US$ 200 milhões em uma fábrica no Missouri, depois de um investimento de especialidades italianas e vai usar a marca Principe, originada de uma aquisição na Itália.
Ao que tudo indica, a incursão pela Europa também pode chegar ao mundo dos pescados, um universo que a JBS começou a aprender na Oceania quando adquiriu a produtora de salmão Huon.
“Pescados é um negócio que tem muito para crescer, e não só na Oceania”, disse Tomazoni. Na entrevista, Wesley Filho lembrou que a indústria de salmão da Noruega tem boas margens justamente porque atende basicamente o mercado europeu.
Uma casa de marcas
Aos analistas que acompanham a apresentação nesta quinta-feira, a JBS também vai mostrar como vem conseguindo construir vários cases de marca em várias partes do mundo.
No Brasil, o grande exemplo é a Seara, que foi adquirida em 2013. Desde então, a participação de mercado da companhia só cresceu, passando de 11,7% para 25,8% em alimentos congelados.
A Seara também ganhou espaço no Oriente Médio, um mercado liderado pela rival Sadia. Lá, a JBS está construindo uma fábrica na Arábia Saudita e já possui outras duas unidades de alimentos processados. Em dois anos de atuação, a Seara alcançou uma fatia de 10% do mercado saudita, a terceira principal marca.
Nos EUA, uma das apostas é a Just Bare, a marca de frango sem antibióticos que vem crescendo mais de 60% por ano. Além desses países, México, Reino Unido e Austrália são países onde a estratégia de marca da JBS tem avançado.
Tomazoni já disse mais de uma vez que a companhia quer ter ao menos dez marcas de US$ 1 bilhão em faturamento cada até 2031, mas nunca abriu detalhes de quanto já fatura com marca e valor agregado.
Estima-se que a companhia brasileira já fature mais com alimentos preparados do que a americana Hormel, um ícone americano que faturou US$ 12,1 bilhões e está avaliado em US$ 16,2 bilhões. Globalmente, a JBS fatura mais de US$ 70 bilhões e está avaliada em cerca de US$ 14 bilhões (R$ 49,2 bilhões na bolsa brasileira).
*O jornalista viajou a convite da JBS