Mudanças Climáticas

Agrofloresta, um caminho viável para financiar a descarbonização

Ao gerar receitas com atividade agrícola e créditos de carbono, as agroflorestas podem financiar práticas de restauração para captura de CO2

Financiar a descarbonização do planeta é uma atividade que, em dadas circunstâncias, desafia a lógica do capitalismo —especialmente quando o custo de empreender tal atividade é proibitivo.

Em recente estudo¹ publicado como working paper no National Bureau of Economic Research (NBER), Sergio L. Franklin e Robert S. Pindyck se debruçaram sobre a ambiciosa tentativa de criar uma curva de oferta de captura de CO2 baseada em atividades de reflorestamento.

As conclusões do artigo podem ser interpretadas de diversas maneiras. Uma das interpretações mais pragmáticas é que reflorestar (ou restaurar) custa caro. E a agricultura —especificamente a agrofloresta— pode emergir como uma possível solução com contornos mais capitalistas.

Uma curva de oferta em microeconomia, área em que Robert S. Pindyck se destaca mundialmente, representa a relação entre a quantidade de um bem ou serviço que os produtores estão dispostos a oferecer no mercado e o preço desse bem ou serviço. Essa curva mostra como a quantidade ofertada varia em resposta a mudanças no preço, mantendo-se constantes outros fatores.

Sistema agroflorestal com variedade de culturas incluindo banana, castanha do Pará, cupuaçu, mamão e mandioca | Crédito: Schutterstock

No caso do carbono, os autores do artigo em questão estimam que cerca de um bilhão de toneladas de CO2 poderiam ser removidas via reflorestamento na América do Sul a um custo de US$ 45/tonelada (de CO2). Escalando essa quantia, cerca de 2,5 bilhões de toneladas de CO2 seriam removidas a um custo crescente de até US$ 90/tonelada (de CO2).

A título de curiosidade, créditos de carbono oriundos de atividades de reflorestamento são negociados a preços que oscilam entre US$ 30 e US$ 50/tonelada (de CO2) no mercado voluntário atualmente. Ou seja, os créditos de carbono, isoladamente, não cobrem satisfatoriamente o custo dos estágios iniciais da curva de oferta estimada.

Incentivo econômico

Como incentivar, então, o setor privado a adotar práticas de restauração para captura de CO2? As atividades agroflorestais têm se mostrado uma alternativa economicamente viável.

A agrofloresta é um sistema agrícola que combina elementos da agricultura e de biomas nativos em uma mesma área, buscando integrar a produção de alimentos, fibras, madeira, energia e outros recursos de forma sustentável.

Esse sistema visa imitar os padrões ecológicos observados em ecossistemas naturais, aproveitando os benefícios da diversidade de espécies vegetais e animais para promover a fertilidade do solo, conservar recursos hídricos, aumentar a resiliência do sistema às mudanças climáticas e promover a biodiversidade.

Em artigo publicado em 2019² no periódico Sustainability, um grupo de pesquisadores analisa um total de 4.204 publicações científicas para destacar que o interesse da comunidade científica pela agrofloresta cresceu vertiginosamente nos últimos anos. O tema se mostrou presente em 139 países, englobando 66 assuntos diferentes. Dentre estes assuntos, os autores mostram que, se no início da década de 1990 os tópicos preferidos eram “rotação de culturas” ou “metodologias de podas”, agora fala-se muito mais sobre “sequestro de carbono” e “mudanças climáticas”.

No campo financeiro, a agrofloresta gera receitas tanto pela atividade agrícola, quanto pelos créditos de carbono se houver adicionalidade (se for implementada numa área desmatada há muito tempo, por exemplo). Nesse sentido, essa modalidade de negócios pode constituir uma alternativa econômica para produtores do “agro tradicional” que pode ser particularmente mais compatível com o funding de algumas entidades específicas.

Cada vez mais as instituições financeiras, especialmente as europeias, têm lidado com regulações mais restritivas no âmbito ESG (Environmental, Social, and Governance). É cada vez mais comum que instituições financeiras precisem reportar, de forma transparente, práticas de investimentos sustentáveis e impactos ESG de produtos financeiros. Não somente o aspecto regulatório pesa neste quesito, mas também os critérios da comunidade de investidores parecem cada vez mais atribuir um peso decisivo à sustentabilidade.

Não apenas o setor do agronegócio tradicional deve estar atento à agenda ESG para manter suas fontes de financiamento e clientes internacionais, mas também pode encarar esse escrutínio crescente como uma oportunidade para explorar novos modelos de negócio. Nesse cenário, o mercado de carbono e a agrofloresta emergem como tendências firmemente estabelecidas e promissoras.

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1. A Supply Curve for Forest-Based CO₂ Removal, de Sergio L. Franklin Jr. e Robert S. Pyndick. Publicado em março de 2024 como working paper número 32207 do NBER.

2. Trends and Features of Agroforestry Research Based on Bibliometric Analysis, de Wenjing Liu, Shuaichen Yao, Jingsheng Wang e Moucheng Liu. Publicado em junho de 2019 no periódico Sustainability.