A colheita da soja brasileira está perto de acabar, e embora ainda persista no mercado uma visão de quebra de safra, nossos dados indicam que estamos diante de mais uma grande safra. Não será tão boa quanto poderia ser, devido aos problemas climáticos que prejudicaram principalmente as lavouras precoces, mas ainda assim a produção ficará muito próxima à da temporada passada.
Acontece que muitos passaram os últimos meses acreditando que o mercado de algum modo não estava percebendo uma suposta quebra no Brasil. Não era o nosso caso: os modelos de satélite e nossos roteiros pelo campo mostravam problemas localizados, mas nem de longe as situações catastróficas que povoavam narrativas que rodavam pelo mercado. Quem nelas embarcou ficou esperando que em algum momento os preços começassem a se recuperar da queda que vêm acumulando desde o fim do ano passado.
Não aconteceu. Os preços, infelizmente, permanecem mais baixos do que nos últimos três anos, deixando no campo o ar pesado da frustração. É ruim para a rentabilidade dos produtores e motivo de preocupação para toda a cadeia de fornecedores de insumos, máquinas, crédito e para a economia do agronegócio em geral.
Agora a quebra de safra no Brasil já virou história. Em breve estaremos concentrados nos próximos eventos, em busca de razões para acreditar numa mudança para melhor no cenário de preços.
A primeira delas será a safra americana que está começando a ser plantada. Esse período inicial costuma movimentar o chamado mercado climático. Dados sobre o avanço ou o atraso do plantio e sobre a chuva (ou a falta dela) influenciam diretamente as cotações em Chicago.
Vimos algo semelhante acontecer no plantio da safra brasileira, no último trimestre de 2023. Em quase 20 anos trabalhando com inteligência de mercado, nunca vi uma safra brasileira tão influenciada por narrativas, tanto as especulativas como as legítimas. Dá para entender: vamos concordar que diante da nossa diversidade e superlativos geográficos, é uma tarefa para lá de árdua estimar a safra de soja no Brasil apenas pelas notícias e por aquilo que chega pelas redes sociais.
A vez dos EUA
Meu ponto aqui é que toda a especulação sobre clima e mercado que aconteceram no Brasil será multiplicada para uma outra ordem de grandeza neste começo de safra nos Estados Unidos. Ousaria dizer que teremos uma enxurrada de explanações muito detalhadas do efeito do clima sobre as lavouras americanas —se elas estarão corretas ou não será uma outra questão.
Esse ambiente especulativo pode trazer oportunidades para os produtores brasileiros, mas existe pelo menos uma boa razão para acreditar que a nova safra será marcada pelo menos por maior volatilidade nos preços e, quem sabe, por uma recuperação.
Nas últimas semanas, aumentou o consenso entre os órgãos globais de meteorologia de que estamos iniciando uma fase de transição relativamente rápida do El Niño para o La Niña.
Nos Estados Unidos, a produtividade caiu em 11 safras de soja e em oito de milho nos 19 episódios de La Niña ocorridos nos últimos 40 anos. Quando se consideram apenas as seis ocasiões em que o La Niña foi classificado como de forte intensidade, ocorreram quatro quebras de soja e de milho.
Usando um pouco de dados climáticos e observando a movimentação histórica do preço da soja, podemos observar que em anos de La Niña historicamente houve potencial de aumento de preços muito maior que nos anos de El Niño. Mas veja bem: isso é estatística, não uma previsão. (Clique aqui para acessar dois estudos exclusivos que fizemos em meados do ano passado).
A influência do macro
Fenômenos climáticos e níveis de produtividade à parte, a outra categoria de eventos capazes de alterar os rumos dos preços dos grãos está relacionada à macroeconomia.
Com a valorização do dólar nas últimas semanas, o câmbio no Brasil subiu com mais força —o que, em tese, deixa a nossa soja mais competitiva, abrindo espaço para um avanço das vendas. Mas há muitos outros desdobramentos que precisam ser levados em consideração.
Ao mesmo tempo, crescem as tensões no Oriente Médio e na Ucrânia. Falta fluidez nas rotas de navegação mundo afora, seja pelos conflitos no Mar Negro e no Canal de Suez ou pela seca que reduz o calado e o trânsito de embarcações no Canal do Panamá.
Mais do que nunca, o cenário de incertezas vai exigir atenção redobrada para discernir a informação e descartar os inúmeros ruídos. Os dados são imensamente mais fortes do que qualquer narrativa.