Opinião

As fraudes no diesel precisam de correção estrutural

É preciso ampliar fiscalização para garantir que a entrega do diesel mineral às distribuidoras esteja vinculada à retirada de biodiesel

As adulterações nos combustíveis são um problema histórico, sendo uma delas a mistura de biocombustíveis no produto vendido ao consumidor em teores diferentes do que determina a Lei. Quero discutir um pouco mais o assunto e propor caminhos para eliminar ou, pelo menos, mitigar esses casos.

De fato, quando se analisam os dados nacionais agregados, os desvios parecem pequenos. De acordo com relatório da ANP, 19 distribuidoras serão chamadas a prestar esclarecimentos sobre misturas abaixo das mínimas exigidas em 2023. Mas, matérias recentes publicadas na imprensa trazem à discussão esse tema e mostra que ele é grave, ao menos regionalmente.

No caso do biodiesel, a mistura mais baixa provoca problemas concorrenciais severos entre as empresas que cumprem a Lei e as demais. A diferença pode ser significativa, especialmente sabendo-se que o biodiesel é substituído por um diesel mineral importado e que, dependendo da origem, costuma ser vendido abaixo até mesmo com descontos frente à média dos exportadores mundiais. Ou seja, é a troca de um biocombustível limpo por um produto poluente e que gera empregos fora do Brasil.

É notório que essa relação de preços tem variações. Há algum tempo ela foi favorável ao uso maior de biodiesel, por exemplo. Neste caso, a Lei prevê que a distribuidora pode usar acima do mínimo nacional, hoje em 14%, mas até o limite de 15%. Mais do que esse volume, deve contar com autorização da ANP para uso em frotas cativas.

Quando a relação se inverte, alguns agentes exploram ilegalmente essa relação econômica. A mistura menor gera problemas graves. A concorrência é a primeira a sofrer, pois esse comportamento traz vantagens econômicas insuperáveis por outros ganhos de eficiência logística, operacional etc. Simplesmente, as empresas que trabalham em conformidade legal perdem, e muito, participação naquele mercado.

Efeito em cascata

As distribuidoras deixam de comprar biodiesel, o que prejudica as usinas e, por sua vez, as fábricas produtoras de óleos vegetais. No limite, até mesmo a produção de farelo proteico, ingrediente essencial para as rações animais, também fica prejudicada, dado que é um coproduto do óleo.

Para a sociedade, esse desvio resulta em aumento das emissões de CO₂ e de poluentes, afastando o País dos seus compromissos de combate ao aquecimento global e de melhoria da qualidade do ar. No fim, é a saúde pública que paga a conta.

Fiscalização

Faço questão de deixar claro que vejo na ANP uma agência profundamente comprometida com a regularidade e conformidade legal do mercado pelo seu valoroso trabalho de fiscalização em todas as etapas, desde a produção até a revenda. Portanto, a ANP tem, sim, usado suas ferramentas e atuado dentro das suas atribuições para coibir essas fraudes.

Se essas ações ainda não produziram o efeito esperado em sua totalidade, é porque se sabe que muitos desses agentes fraudadores usam mecanismos alternativos para não serem punidos na forma de multas e interdições, ou conseguem adiá-las por longo tempo.

Tem solução?

Posto isso, proponho que sejam criados novos instrumentos de apoio aos agentes que atuam na legalidade e à ANP. Durante o sistema de leilões públicos de biodiesel, que vigoraram de 2005 a 2021, a fiscalização pública teve o apoio de um mecanismo de controle da entrega de diesel mineral vinculado à retirada pelas distribuidoras de biodiesel executado pela Petrobras.

O sistema de comercialização direta começou em 2022 e, efetivamente, trouxe melhorias consideráveis para o sistema a partir da valorização de aspectos de qualidade, volumes e demais elementos importantes que só podem ser discutidos de forma bilateral.

Obviamente, o controle volumétrico de diesel e biodiesel deve ser feito de forma inteligente para evitar estrangulamentos, mas foi exatamente isso que foi implementado ao longo de 17 anos de leilões públicos de biodiesel de maneira eficiente com a atuação decisiva da Petrobras. Com a maior participação de outros agentes produtores e importadores de diesel, o sistema precisará ser ampliado para que todos participem.

Não se busca aqui um retorno aos leilões, nem colocar a Petrobras no seu antigo modelo. Pelo contrário, o que se deseja é garantir que a fiscalização conte com mais uma ferramenta para que todas as empresas respeitem a Lei, o meio ambiente e em condições de igualdade.

Para isso, é fundamental que as distribuidoras saibam que, ao não adquirirem e retirarem o biodiesel necessário para a mistura, não receberão o produto de origem fóssil, bem como sofrerão todas as devidas punições legais.

É urgente corrigir essas distorções enquanto os problemas ainda são nacionalmente pequenos. O Brasil caminha para a mistura de 25% de biodiesel em um prazo de dez anos e deve adicionar outros 3% de diesel verde como obrigação de consumo. A transição para a energia limpa precisa de ações firmes e da parceria público-privada para não sofrer desvios.