Como muitos já sabem, a reforma da tributação do consumo de bens e serviços no Brasil foi aprovada em dezembro de 2023. Com a aprovação, a Emenda Constitucional 132 alterou o texto da nossa Carta Magna, promovendo importantes modificações no sistema tributário nacional.
Em brevíssimas linhas, cinco tributos (três federais, IPI, PIS, COFINS; um estadual, ICMS; e um municipal, ISS) serão gradativamente substituídos ao longo dos próximos anos por três outros: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência da União Federal; o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a cargo dos estados, dos municípios e do Distrito Federal; e o Imposto Seletivo (IS), sob responsabilidade da União Federal.
Muito embora a implementação da CBS, do IBS e do IS já seja fato consumado, devendo tais tributos estarem plenamente vigentes a partir de 2033, é importante destacar que relevantes detalhes desse novo modelo de tributação que será implementado no país ainda carecem de regulamentação através da edição de leis complementares.
Algumas delas já foram apresentadas ao Congresso Nacional e agora deverão ser objeto de análise e aprovação por parte dos deputados federais e, posteriormente, dos senadores da República.
Nessa etapa política de análise da matéria, é importante que, para os integrantes das cadeias produtivas agroindustriais, os holofotes sejam direcionados para os aspectos mais relevantes para o setor e que ainda podem ser objeto de modificação ao longo do trâmite legislativo dos projetos em questão.
Principais pontos de atenção
Dentre as várias questões ainda pendentes de regulamentação no âmbito da reforma tributária, algumas se mostram de maior importância para o agronegócio nacional. A primeira e mais relevante delas diz respeito à definição da alíquota conjunta da CBS e do IBS, que pode variar entre 25,7% e 27,3%, a depender da aprovação de incentivos ou da eventual inclusão de novas benesses para segmentos e produtos na reforma.
Essa questão é importante para o setor, uma vez que somente com a definição da alíquota-base é que se poderá definir a alíquota aplicável aos insumos e produtos agropecuários, que por definição constitucional terão desconto de 60% em relação à alíquota de referência. Assim, para se saber a alíquota com desconto para o agronegócio, é preciso primeiro saber a alíquota efetiva e padrão da CBS e do IBS.
A segunda questão que se mostra bastante relevante para as cadeias produtivas é a que trata da Cesta Básica Nacional. Os produtos que comporão a cesta terão redução de 100% da alíquota de referência da CBS e do IBS, e assim, na prática, não terão de recolher os tributos em questão.
A redação original das leis complementares que regulamentam a reforma tributária incluíram 15 produtos nessa cesta, tais como arroz, feijão, açúcar e café, porém deixou de fora produtos que são importantes e comuns na alimentação do brasileiro, como carnes, leites e farinhas, que, muito embora tenham redução de 60% na alíquota, estariam sujeitos a 40% da tributação de referência, o que pode encarecer o custo de produção e, consequentemente, o preço ao consumidor final.
O Imposto Seletivo
Outra questão fundamental que o setor do agronegócio deve acompanhar de perto ao longo do processo de análise e aprovação das leis complementares corresponde à definição de quais produtos estarão sujeitos ao IS. Esse imposto incidirá sobre bens considerados nocivos à saúde humana e ao meio ambiente, porém essa definição é muito ampla.
A depender do contexto, produtos agrícolas como o açúcar podem ser considerados passíveis de incidência do IS, encarecendo a produção e interferindo nas escolhas estratégicas das usinas, o que pode afetar, inclusive, o preço dos combustíveis. São decisões com impactos em série sobre a economia e a sociedade.
Por fim, outros pontos fundamentais para a produção rural no Brasil ainda estão sujeitos a mudanças no período de análise e votação das leis complementares da reforma tributária.
A forma e o prazo para aproveitamento dos créditos fiscais estão em aberto, com algumas zonas cinzentas que podem trazer dor de cabeça para os produtores rurais, agroindústrias e todos os demais integrantes das cadeias produtivas, comerciais e de distribuição.
Apesar da não-cumulatividade ser uma das linhas-mestras dessa reforma, existem lacunas nos textos da lei que podem, agora ou no futuro, dificultar a tomada dos créditos, o que geraria descompasso entre receitas e despesas e afetaria diretamente o fluxo de caixa dos players do agronegócio.
Janela de negociação
O período de trâmite legislativo dos projetos de leis complementares, seja na Câmara dos Deputados, seja no Senado Federal, é a janela temporal ideal para proposição e negociação de melhorias nos textos. As entidades e os representantes do agronegócio no Parlamento têm uma nova oportunidade para refinar as futuras legislações que regerão parte da tributação sobre o setor.
Muitas diretrizes de natureza constitucional já estão dadas. Mas os detalhes, que são sempre muito perigosos, ainda podem ser trabalhados para que a reforma tributária, tão necessária para o país, seja justa e não onere demasiadamente, direta ou indiretamente, o agronegócio, um dos principais setores da economia e da pauta de exportações do Brasil.