Mesmo sem a China como alavanca de margens, a Minerva Foods tirou um coelho da cartola no primeiro trimestre, reforçando aquela que é uma de suas históricas qualidades: a gestão de capital de giro.
A companhia dos Vilela de Queiroz ficou abaixo das expectativas de margem Ebitda dos analistas (8,8% contra o consenso Bloomberg de 9,9%), mas conseguiu manter o endividamento sob controle graças à geração de caixa. No balanço divulgado ontem à noite, a Minerva reportou uma geração de caixa livre de R$ 367 milhões.
Gerando caixa, a Minerva manteve a dívida líquida perto de R$ 7,5 bilhões, com um índice de alavancagem estável de 2,8 vezes. Quando se inclui na conta o adiantamento de R$ 1,5 bilhão que a companhia já fez à Marfrig, a alavancagem fica em 3,34 vezes.
Esse desempenho só foi possível porque a empresa conseguiu liberar R$ 318 milhões em capital de giro no trimestre, minimizando o impacto das despesas financeiras mais pesadas — um legado das dívidas tomadas para suportar a aquisição dos ativos da Marfrig.
A gestão de capital de giro, uma especialidade do time liderado pelo diretor financeiro Edison Ticle, dá uma espécie de alívio num momento em que a Minerva enfrenta forte escrutínio de investidores e analistas.
Desde que anunciou a aquisição dos ativos da Marfrig por R$ 7,5 bilhões, a Minerva viu as ações caíram mais de 40%. Os investidores consideraram o preço do M&A salgado demais. Mais recentemente, a demora para a obtenção das aprovações dos órgãos antitruste azedou ainda mais o humor.
Nesta quinta-feira, as ações da Minerva operam perto da estabilidade. A Minerva está avaliada em quase R$ 3,6 bilhões.
Em relatório enviado a clientes mais cedo, os analistas Thiago Duarte e Henrique Brustolin, do BTG Pactual, disseram que, apesar do Ebitda abaixo esperado no trimestre (a Minerva fez R$ 629 milhões), a gestão de capital de giro foi uma boa notícia e, de modo geral, o balanço foi “um pouco melhor do que parece”.
Adiantamento de clientes
No trimestre, o maior trunfo da Minerva veio do adiantamento de clientes de exportação, que liberou cerca de R$ 450 milhões, disse Ticle em teleconferência com analistas durante a manhã.
A conta de fornecedores também ajudou, liberando R$ 197 milhões. Neste caso, o maior benefício veio da renegociação com fornecedores de frete marítimo segundo o executivo. “Isso é eficiência da nossa gestão de capital de giro”, enfatizou.
Nas demonstrações de fluxo de caixa, os adiantamentos recebidos de clientes aparecem na linha de “outras contas a pagar”. Como esta rubrica não aparece detalhada, os analistas Gustavo Troyano, do Itaú BBA, e Thiago Duarte pediram mais informações sobre o tema.
Embora venha reduzindo a participação da China nas exportações, um mercado que costumeiramente precisa fazer mais pagamentos antecipados, a Minerva conseguiu receber mais adiantamentos porque vendeu sobretudo a novos clientes de destinos diferentes.
Na política comercial da Minerva, os adiantamentos podem ficar entre 10% e 50%, a depender do rating do cliente e do risco de destino das cargas, disse Ticle. “Para iniciar a relação comercial, a gente tem essa política de crédito”, argumentou o executivo, que evitou abrir os destinos e clientes responsáveis por esses adiantamentos.
Menos China, mais EUA
Na relação com os importadores, a Minerva vem buscando arbitrar os melhores destinos. Nesse aspecto, a China continuou perdendo espaço. No primeiro trimestre, foi responsável por 25% das exportações dos frigoríficos da companhia na América do Sul. Em doze meses, essa fatia era de quase 30%.
“O primeiro trimestre foi caracterizado por uma redução da exposição ao mercado chinês, em grande parte devido aos preços menos competitivos”, disse Fernando Galletti de Queiroz, CEO da Minerva, aos analistas.
Questionado por Troyano, do Itaú BBA, o empresário reconheceu que, depois das habilitações de mais de 24 frigoríficos de bovinos pela China, o mercado do país asiático será menos atrativo em margens do que foi nos áureos tempos.
“A China não vai ser aquele mercado que tem um diferencial grande como foi no passado. Não vai ter mais aquela diferença em relação aos outros mercados, tão assimétrica como estava sendo”, disse.
Apesar disso, Galletti acredita que os preços da carne bovina na China já chegaram ao “fundo do vale”. Daqui para frente, o preço não deveria ser mais um motivo para downside.
Nesse ambiente mais competitivo na China, a Minerva vem redirecionando as exportações, ganhando espaço nos Estados Unidos e nos países do Nafta — México, especialmente. Esses mercados sofrem com escassez de gado no mercado americano, um problema que deve perdurar por mais anos.
As boas notícias do Brasil
No Brasil, onde a Minerva origina mais da metade do gado, a situação é a extrema oposta, com a ampla oferta impulsionando os abates. Para Galletti, a companhia deve continuar se beneficiando desse cenário pelo menos até meados de 2025, na entressafra.
No primeiro trimestre, o forte aumento dos abates apareceu no balanço e se traduziu em receita, destacou Leonardo Alencar, analista da XP Investimentos. Ao todo, a Minerva abateu 1 milhão de cabeças no período, um salto de 23% na comparação anual. A receita bruta, por sua vez, aumentou 13%, chegando a R$ 3,7 bilhões.
Para Edison Ticle, boa parte dos analistas do sell side estão analisando de forma errada o ciclo da pecuária no Brasil. Alguns apostam na virada do ciclo, com redução da oferta e consequente aumento dos preços do gado ainda neste ano, o que seria ruim para a Minerva.
“Esse ciclo deve durar pelo menos até o meio de 2025. Os números que a gente vê e bate com a turma que não está tão mau-humorada quanto vocês do sell side, é que o ciclo é mais extenso”, disse Edinho, em seu estilo franco já conhecido na Faria Lima.
Segundo ele, analistas de fora do mercado financeiro vem conseguindo fazer um “análise um pouco mais isenta” sobre o ciclo da pecuária.