Depois de quase uma década perdida, os acionistas da BRF voltarão a receber dividendos. A indicação foi dada nesta quinta-feira pelo empresário Marcos Molina, presidente do conselho de administração da dona da Sadia e controlador da Marfrig.
O último pagamento de proventos ocorreu em agosto de 2016, quando a dona da Sadia distribuiu R$ 513 milhões aos acionistas. De lá para cá, foi só secura e os sócios tiveram que socorrer a companhia em duas ocasiões, injetando mais de R$ 10 bilhões em follow-ons.
Se confirmada, a retomada da distribuição de dividendos vai coroar o processo de reestruturação liderado por Miguel Gularte, que assumiu como CEO da dona da Sadia há quase dois anos.
A volta dos dividendos será um feito histórico para uma empresa que foi do céu ao inferno desde que foi formada em 2009, a partir da incorporação da Sadia pela Perdigão.
Quando foi criada, a BRF parecia um monopólio imbatível no Brasil, dona das duas marcas mais relevantes no mercado de alimentos processados à base de carnes. Muitos até temiam que a companhia tivesse uma hegemonia tão grande quanto Ambev e Colgate.
O que parecia um sinal de força, no entanto, jogou contra a BRF. Sob o comando da Tarpon e com intermináveis mudanças de gestão, a dona da Sadia tentou mudar a lógica do mercado, mas perdeu o pulso da agropecuária e sofreu com a produtividade industrial.
Nesse longo inferno astral, a BRF ainda foi sacudida pelas investigações da Operação Carne Fraca e por um choque de oferta que fez o preço dos grãos dispararem, espremendo as margens.
Sob fogo cruzado, a dona da Sadia ainda passou a ser acossada pela Seara, que se fortaleceu enormemente após a aquisição pela JBS, ganhando muitos pontos de market share a partir de estratégia conduzida por Gilberto Tomazoni.
Entre 2018 e 2021, a BRF até melhorou, em um esforço hercúleo da dupla Pedro Parente (então o presidente do conselho) e Lorival Luz (o CEO na época). Mas foi apenas um voo de galinha, em parte sustentado pela crise de peste suína africana, que provocou uma disparada atípica dos preços das carnes no mercado internacional.
De fato, só agora a dona da Sadia parece ter retomado o prumo, trazendo os indicadores agropecuários (mortalidade, conversão alimentar), industriais (rendimento) e logístico (entregas no tempo e volume certo) para os melhores níveis históricos.
Não à toa, a BRF teve o melhor primeiro trimestre de sua história em 2024, um bom momento que deve continuar, sinalizou Molina em teleconferência com analistas nesta quinta-feira.
A combinação de geração de caixa, demanda firme por carne de frango no mercado internacional, preços baixos dos grãos e alavancagem sob controle (a relação entre dívida líquida e Ebitda da BRF está em 1,45 vez) deve assegurar a retomada dos dividendos.
“Quando a gente olha tudo isso, vê um negócio de frango bem mais consistente. Então, há uma grande chance de a BRF pagar dividendos agora em 2024”, disse Molina, em resposta a uma pergunta do analista Lucas Ferreira, do JP Morgan.
Ainda que não seja um guidance, a retomada dos dividendos é bastante provável. Se a BRF conseguir repetir os resultados do primeiro trimestre (que é sazonalmente mais fraco) no restante do ano, a alavancagem cairia abaixo de 1 vez, mostrando o espaço para remunerar os acionistas.
Uma nova cash cow
Com pouco mais de 50% das ações da BRF, a Marfrig será a maior beneficiada pelos dividendos, um dinheiro que virá em um momento providencial. Como as margens da National Beef devem ficar mais apertadas pelo menos até 2026, a companhia de Marcos Molina precisava mesmo de uma outra cash cow para otimizar a estrutura de capital.
Considerando apenas 50% do Ebitda da BRF no resultado da Marfrig — justamente a fatia que a companhia possui na dona da Sadia, a alavancagem estaria em 4,8 vezes, escreveram Thiago Duarte e Henrique Brustolin, analistas do BTG Pactual, em um relatório divulgado pela manhã.
No balanço, a alavancagem da Marfrig está em 3,4 vezes. Como mandam as regras contábeis, a companhia pode consolidar 100% dos resultados da BRF por ser a controladora, o que não significa que os dividendos não venham em boa hora…
Na bolsa, as ações da Marfrig sobem mais de 4% nesta quinta-feira, a segunda maior alta do Ibovespa, repercutindo o balanço divulgado ontem à noite. Em doze meses, os papéis subiram 79% e a companhia de Molina voltou a ser avaliada em mais de R$ 10 bilhões, o que não ocorria desde 2022.
A BRF sobe mais de 2% no pregão de hoje e, em um ano, quase triplicou em valor de mercado. Nas próximas semanas, a companhia pode ganhar uma injeção ainda maior de liquidez, com o retorno da dona da Sadia à composição do MSCI Brasil, índice que atrai muitos fundos passivos. A nova carteira começa a valer em 1º de junho.
“A gente continua preferindo BRF em relação aos pares porque é aquela que tem menos ruídos, cenário favorável conjuntural e recuperação operacional”, disse Leonardo Alencar, analista da XP Investimentos.