Greenwashing?

Como a operação da PF na Amazônia afetou o Fiagro da AZ Quest

PF investiga geração de créditos de carbono em área grilada; AZ Quest comprou títulos emitidos por empresa que é alvo da operação

Floresta na Amazônia | Crédito Schutterstock

Uma investigação da Polícia Federal sobre greenwashing na Amazônia travou o mercado de créditos de carbono e chegou ao mercado de Fiagro, impactando o valor das cotas de dois Fiagros da AZ Quest, um deles listado na B3.

O AZ Quest Sole e o AZ Quest Luna têm em carteira cotas do FIDC Caetê, gerido pela Ceres Investimentos, que tem como único ativo um CRA emitido pela Stoppe Ltda, alvo Operação Greenwashing, deflagrada na semana passada pela PF.

Na última semana, o valor da cota do Sole, negociado sob o ticker AAZQ11 na B3, caiu mais de 11%, fechando ontem em R$ 7,70. Nesta quarta-feira, eles continuam em queda, cotados a R$ 7,45 até as 14h40. O AZ Quest Luna não é listado —suas transações ocorrem no mercado de balcão.

Em nota, a Ceres Investimentos afirma que os documentos e informações enviados não indicavam “qualquer violação de normas, em especial aquelas apontadas na investigação tornada pública na semana passada”. Veja a nota na íntegra no final da matéria.

O mercado reflete as suspeitas envolvendo o dono da Stoppe, o empresário paulista Ricardo Stoppe Júnior. Ele é apontado como líder de uma organização criminosa que vendia créditos de carbono gerados em terras griladas na Amazônia. O esquema de fraudes fundiárias, que se estendeu por mais de uma década, resultou na apropriação ilegal de cerca de 538 mil hectares de terras públicas, segundo a PF.

A organização criminosa da qual supostamente faz parte o grupo Ituxi, controlado pela Stoppe, emitiu créditos de carbono irregulares que geraram cerca de R$ 180 milhões, segundo estimativas da PF.

Como isso chegou ao investidor?

O CRA que indiretamente está nas carteiras dos Fiagros da AZ Quest é lastreado em uma dívida da Stoppe Ltda e tem como garantia créditos de carbono REDD+, que são gerados em atividades que mantêm a floresta em pé, além de dois imóveis na cidade de Lábrea (Amazonas), nos quais os projetos são desenvolvidos.

As propriedades, avaliadas em R$ 190 milhões, segundo informações do prospecto de emissão do CRA, fazem parte dos cerca de 500 mil hectares que pertenciam à União e foram grilados pelo empresário, de acordo com reportagem do portal Capital Reset.

Como resultado de todo esse processo, nesta terça-feira, a Ceres comunicou aos investidores nesta terça-feira que havia remarcado os ativos do fundo pela metade, como uma “medida preventiva”, segundo o fato relevante.

A comunicação também foi reproduzida pela AZ Quest na mesma data. No fundo Sole, listado, a alocação da gestora no FIDC Caeté corresponde a 9,88% do patrimônio líquido do fundo.

“Estimamos que esse evento terá um impacto de 7,82% no valor patrimonial unitário da cota do AZ Quest Sole, e que o impacto na distribuição de dividendos seja em torno de R$ 0,015 ao mês”, diz o comunicado.

No caso do AZ Quest Luna, as cotas do FIDC Caetê equivalem a 5,7% de seu patrimônio líquido. Também em fato relevante, a gestora afirmou que o impacto da remarcação no valor do PL unitário da cota do fundo será de 1,9%. A distribuição de dividendos nos meses de junho e julho também deve ser afetada.

A Ecoagro foi a securitizadora da emissão dos CRAs realizada em março de 2023, que totalizou R$ 60 milhões em CRAs com remuneração de CDI +5% ao ano.

O tamanho do problema

Caso os crimes sejam confirmados, o escândalo da Stoppe será a maior fraude envolvendo créditos de carbono no País. Na Faria Lima, há muita preocupação de que a investigação da PF possa se tornar “uma nova Lava Jato” voltada para o mercado de créditos de carbono, com várias fases, disse uma fonte.

No relatório gerencial em que apresentou a tese do FIDC Caetê, a AZ Quest descreve Ricardo Stoppe como um dos pioneiros na produção de crédito de carbono gerados por florestas preservadas. No ano 2000, adquiriu uma área de 150 mil hectares nos arredores de Lábrea e, no decorrer das décadas seguintes, alcançou 500 mil hectares próprios de florestas plantadas no bioma.

O relatório diz ainda que os projetos de preservação ambiental em suas terras tiveram avaliação e certificação da Verra, certificadora de créditos de carbono homologada pela ONU —e que já teve seu nome envolvido em supostas fraudes anteriormente.

O próprio relatório fala sobre a complexidade de formalização e regularização das terras na região amazônica, com um elevado número de matrículas duplicadas ou sobrepostas que dificultam a comprovação da titularidade legal de cada área. A especialização da empresa de Stoppe na identificação e diligência das áreas na região foi, inclusive, apresentado como “um dos grandes diferenciais competitivos” do grupo.

Para além dos problemas envolvendo certificações, também causou estranheza no mercado a estrutura da operação envolvendo a gestora. Um CRA dentro de um FIDC está longe de ser algo trivial – e, menos ainda, com o investimento de uma gestora do porte da AZ Quest.

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A reportagem procurou a AZ Quest, que não quis se pronunciar.

A Ceres Investimentos enviou a nota abaixo, reproduzida na íntegra:

“A Ceres Asset explora oportunidades de investimento em conjunto com diversos parceiros comerciais e potenciais investidores, como a AZ Quest.

A Ceres Asset figurou como investidora na oferta pública dos CRA intermediada pela própria securitizadora, que é instituição renomada no mercado de capitais brasileiro. O processo decisório para aquisição dos CRA foi conduzido pela Ceres Asset de acordo com os mais elevados padrões de diligência, tendo sido realizada auditoria legal no contexto da oferta pública e obtida opinião legal sem quaisquer apontamentos a respeito da transação emitida por escritório de advocacia de primeira linha.

Os documentos e informações submetidos à Ceres Asset para tomada de decisão de investimento nos CRA não indicavam qualquer violação ou indício de violação de normas, em especial aquelas apontadas na investigação tornada pública na semana passada. Além disso, a própria estrutura jurídica do CRA adquirido era consonante com operações de mercado, com estrutura de garantias consistente com a praxe negocial e a participação de instituições de excelente reputação no mercado local.

A Ceres Asset, na condição de investidora, diligenciará junto aos prestadores de serviços da emissão de CRA a adoção de todas as medidas extrajudiciais ou judiciais que se fizerem necessárias para a recuperação do valor investido nos CRA, inclusive excussão de garantias, se for o caso. Todos e quaisquer desenvolvimentos do assunto serão comunicados ao mercado pelos canais institucionais adequados.”

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