Safra

A encruzilhada do milho. BrasilAgro faz contas para cortar área

Sem capacidade de beneficiamento, empresa tem limitações para trocar milho por algodão na safrinha, diz Gustavo Lopez, diretor de RI

Diante de um mercado abarrotado de milho e com chances limitadas de recuperação, a BrasilAgro está fazendo as contas para reduzir a área plantada na safrinha, um desafio e tanto diante das alternativas disponíveis.

Quando começou a preparar o orçamento da safra, no início do ano, a BrasilAgro traçou os cenários com a soja próxima dos R$ 130 por saca em Mato Grosso, o que ficou mais próximo, mas o milho frustrou qualquer expectativa, disse Gustavo Lopez, diretor financeiro e de relações com investidores da BrasilAgro, ao The Agribiz.

Gustavo Lopez, diretor financeiro da BrasilAgro
Gustavo Lopez, diretor de RI da BrasilAgro: com estoques de passagem altos, não há motivos para elevar área de milho | Crédito: Divulgação

Nas projeções iniciais para desenhar o orçamento, a companhia imaginava o milho a R$ 56 por saca, mas o cereal hoje é negociado perto de R$ 35. “Está muito descontado. Se olhar a série histórica, a saca de soja vale 2,3 vezes o milho”. Aos preços atuais, a soja vale 3,3 vezes mais.

Além disso, Lopez reconhece o desânimo com as perspectivas dos preços. “Os estoques de passagem serão altos no ano que vem. Então, não vemos muitos argumentos para subir (a área), a não ser que tenha um problema na colheita dos EUA”, disse o executivo.

Segundo ele, a China também importou menos milho do Brasil do que os otimistas esperavam no início do ano, o que também poderia ser uma razão para a queda mais forte dos preços do cereal. Ainda assim, o país asiático já é o maior comprador.

Das culturas agrícolas que a BrasilAgro produz, o milho é a única que pode ter um resultado pior do que na temporada 2022/23, encerrada em junho. Por causa disso, a companhia trabalha na revisão dos números. No início de setembro, a empresa chegou a divulgar uma projeção de área 30% maior para o milho (considerando safra e safrinha, seriam 26,6 mil hectares), mas isso certamente não será alcançado.

Nas demais culturas, os preços podem até estar mais baixos (como no caso da soja), mas a relação de troca com insumos indica uma margem boa, capaz de manter a geração de caixa da operação agrícola na média dos últimos cinco anos — algo como R$ 250 milhões.

Além de soja, a BrasilAgro também possui uma grande operação de cana-de-açúcar — cultura que ajuda a dar estabilidade no fluxo de caixa da companhia —, algodão e feijão, entre outros.

Sai milho, entra o que?

Com a decisão de reduzir a área de milho, a BrasilAgro agora calcula quanto da safrinha poderá ocupar com outras culturas. O algodão, opção de muitos agricultores e grupos como a SLC, tem o crescimento mais limitado pela capacidade de beneficiamento.

“Não temos planta para fazer o beneficiamento e precisamos buscar um terceiro. Normalmente, essas empresas estão com os lotes [a capacidade de beneficiamento] completos, disse Lopez.

Além da falta de capacidade de beneficiamento, nem todas as terras estão preparadas para receber algodão, uma cultura que demanda mais cuidado e investimentos (em média, de R$ 10 mil por hectare).

A falta de áreas propícias é um reflexo do próprio modelo de negócios da BrasilAgro, que compra terras para desenvolver, muitas vezes transformando pastagens em agricultura. “Para produzir algodão, precisa ser uma área madura, que já tenha muitas safras. Vai contra o nosso modelo”, frisou Lopes.

Como levam anos para uma fazenda que começou com pecuária ficar apta para o algodão, a BrasilAgro já pode ter entrado na fase de vender a área. Como estratégia, a companhia busca vender de 8% a 10% do portifólio de terras todos os anos. Com isso, em dez anos a companhia deveria renovar praticamente todo o banco de terras, recomeçando o ciclo.

Feijão e gergelim na conta

Se o algodão tem um crescimento de área mais limitado, uma das opções para a BrasilAgro é semear mais feijão e gergelim, culturas de investimentos mais baixos e bons retornos, disse Lopez.

“Começamos a plantar gergelim faz duas safras, com 500 hectares. Hoje, já estamos falando de 3,5 mil hectares. Funciona bem”, contou o executivo. O custo de produção também é bem mais baixo que o algodão (R$ 2,5 mil a R$ 3 mil por hectare contra R$ 10 mil).

Para fazer gergelim, no entanto, o planejamento comercial precisa ser feito com cuidado. Por não ser uma commodity com boa liquidez, não dá para ficar refém do mercado spot.

A BrasilAgro só faz gergelim se tiver contratos fechados. Normalmente, a semente de gergelim produzida em Mato Grosso é exportada para a Ásia. A mesma lógica vale para o feijão. Só é possível semear fugindo do mercado spot.

Investimento e alavancagem

Enquanto prepara a safra — o plantio de soja em Mato Grosso começou recentemente —, a BrasilAgro também vem fazendo esforços para ganhar produtividade. Um dos principais é um investimento em irrigação na Bahia, um projeto da ordem de R$ 150 milhões.

O projeto, que deve ser implementado em 4 mil hectares ao longo de quatro anos, será destinado à produção de soja, algodão e, possivelmente, trigo e sementes de milho, contou o diretor de relações com investidores.

Para financiá-lo, a BrasilAgro vem estudando emitir um CRA. A emissão ajudaria a otimizar a estrutura de capital da companhia, que fechou a última safra (em 30 de junho) com uma alavancagem baixa de apenas e R$ 700 milhões em recebíveis de fazendas.

No fim de junho, o índice de alavancagem da BrasilAgro (relação entre dívida líquida e Ebitda) estava em apenas 0,1 vez. O executivo considera saudável um indicador entre 2 e 2,5 vezes.

Quando compara o valor líquido dos ativos da companhia (NAV, na sigla em inglês) com o endividamento, a dívida líquida estava em apenas 2%. Com essa estrutura, há espaço para investir em irrigação e em terras, quando as oportunidades de compra voltarem a aparecer.

A BrasilAgro está avaliada em R$ 2,76 bilhões na B3. No ano, as ações caem 3,8%.