Opinião

A regra de ouro da pecuária de corte

Os dois maiores players globais de carne bovina – Brasil e EUA – estarão em situação de escassez de oferta quase que concomitantemente a partir de 2026

Hoje dou início à minha coluna no The Agribiz, o que é uma grande alegria e um excitante desafio. Para inaugurar o espaço, decidi falar um pouco sobre conceitos fundamentais que regem o mercado pecuário e que exercem grande influência sobre o futuro dos preços de toda a cadeia, de uma maneira praticamente certa. Estou falando do ciclo pecuário.

Ao contrário do que as pessoas pensam – que esse tipo de análise serve para dizer se o boi sobe ou cai até o fim do mês, quando o pecuarista já está com esse mesmo boi engordando dentro da fazenda de forma irreversível -, a pesquisa de mercado é fundamental para o planejamento estratégico de prazo longo que envolve produtores, indústria e investidores.

Imagine alguém que queira abrir uma sorveteria, por exemplo. Por que essa pessoa não escolheria a zona industrial da cidade para sua loja, apesar de um aluguel mais barato? Porque ela sabe que lá a circulação de pessoas é baixa e que uma loja no centro da cidade atrairia muito mais clientes.

Esse é o ponto de importância da análise de mercado: ela orienta ações estratégicas e comerciais concretas.

Voltando ao tema, entender o ciclo é importante porque ele segue exatamente o ritmo da pecuária, que é longo por ser plurianual. Quem é produtor sabe que não se emprenha uma vaca e se abate o produto dela em 12 meses. Esse é o princípio da análise do ciclo.

Como funciona o ciclo da pecuária

Agora vou explicar como se dá esse processo de retroalimentação:

  1. A fim de exemplo didático, lembrem-se de 2020/21. Foi um período de alta exuberante. O boi saiu dos nominais R$ 163,00/@ em São Paulo para bater os R$ 340,00/@ em 2022. No intermezzo, a carne também variou positivamente e virou, inclusive, tema de debate eleitoral. O ponto é que preços em alta operam grandes milagres, já que melhoram a vida até mesmo do produtor que fez tudo errado dali para trás. Preços em alta aumentam a margem do estoque corrente instantaneamente sem levar junto consigo o custo produtivo, especialmente em um primeiro momento;
  2. Essa alta traz uma sensação de euforia e estimula investimentos dentro das fazendas, especialmente compra de rebanho e – claro – retenção de fêmeas. Afinal, “por que vou abater fêmeas se o produto delas está subindo de preços?” O interessante é ter cada vez mais bezerros para oferecer ao mercado, correto?
  3. Ocorre que os preços sobem cronicamente para todos e, por isso, o abate de fêmeas cai. Todo mundo começa a retê-las nas fazendas para aumentar a produção de animais. Isso eleva a produção de bezerros em um segundo momento;
  4. Então, o preço do bezerro começa a cair e, por consequência, o interesse na fêmea para a reprodução começa a esfriar;
  5. Bezerros têm que seguir seu curso e virar animais adultos. Isso faz com que a oferta de animais para o abate aumente sobremaneira, levando a uma derrocada de preços (a exemplo do que estamos vivendo agora, em 2023). No setor produtivo, parece o fim do mundo. Na indústria, o custo da matéria-prima dá um grande alívio;
  6. A partir disso, o setor produtivo começa a questionar a atividade, ceder áreas para outras culturas que remunerem melhor e, por fim, começa a liquidar as fêmeas. Essa última medida se dá por dois motivos: desestímulo pelas margens baixas e, em boa parte das vezes, liquidação pela necessidade de composição de caixa;
  7. Após dois ou três anos, a liquidação de fêmeas leva a uma queda produtiva de bezerros que, a partir de determinado momento, interfere na oferta de animais terminados;
  8. Isso leva à alta de preços e volta a estimular a retenção. Isso é o ciclo.

Nessa dinâmica, e por ser o elo mais jovem desse processo, o bezerro dita o que acontecerá com o preço do boi gordo e da vaca no futuro próximo:

Evolução dos preços do bezerro, boi gordo e vaca gorda

Assim, quando o bezerro começou a cair de maneira consistente, a queda dos preços pecuários já estava no radar. Se sobram bezerros aos produtores, sobrará bois terminados aos frigoríficos em breve. E, se há excesso de oferta de gado, os preços da carne já não ficarão pressionados como quando faltava a matéria-prima.

Agora, o que vemos é o primeiro ano de liquidação de fêmeas, que deve continuar pelas próximas temporadas. Isso propõe o seguinte cenário: falta de carne a partir de 2026.

Soma-se a isso o momento da oferta de gado nos Estados Unidos, maior produtor global da commodity: após anos de liquidação de fêmeas, os preços do bezerro estão explodindo por lá e deverão refletir em aumento do boi terminado (e da carne, como consequência).

Brasil e EUA

Agora chamo a atenção para o fato de que os dois maiores players globais de carne bovina – Brasil e EUA – estarão em situação de escassez de oferta quase que concomitantemente a partir de 2026 (esse prazo ainda depende do ritmo do abate de fêmeas no Brasil ao longo dos próximos trimestres e pode ter que ser revisto).

Por óbvio, temos que combinar com o consumo para que não desapareça do mapa no meio tempo, mas é fato que a curva de demanda por commodities alimentares é bem menos elástica do que a curva de oferta quando consideramos a equação de equilíbrio de preços. Por isso estiagens e liquidações de rebanho costumam provocar reações de preços tão dramáticas, como a observada em 2020/21 para a carne bovina ao consumidor, por exemplo.

A regra de ouro da pecuária diz que preços ruins desincentivam a produção, que cai e gera futuramente preços altos. É o que temos visto no momento e o que podemos esperar para o futuro. Isso ocorre em qualquer mercado que tenha a pecuária de corte como uma atividade comercial desenvolvida e economicamente relevante, como Brasil, Estados Unidos, Argentina, Paraguai, Uruguai, Índia, Austrália, Nova Zelândia etc.

Vamos em frente. Um abraço a todos e até breve.