
A safra do Rio Grande do Sul vai quebrar — outra vez. Embora ainda não seja possível cravar a extensão dos danos, é consenso entre analistas que a colheita no Estado ficará bem aquém do seu potencial devido ao calor excessivo e o tempo seco neste verão.
Considerando o histórico, não é pouca coisa. Os produtores gaúchos devem amargar a quarta perda consecutiva devido ao clima adverso, gerando preocupações em relação à saúde financeira de toda a cadeia.
Depois de os termômetros ultrapassarem 40ºC na semana passada, a expectativa é que o clima seja mais amigável às lavouras nos próximos dias, com acumulados que podem atingir entre 100 e 150 milímetros em uma semana. As precipitações devem melhorar a umidade do solo e podem estancar as perdas, mas não devem resolver o problema.
“Estamos em um momento da safra em que recuperar as lavouras é bem difícil”, diz Alaíde Ziemmer, analista de AgRural. “Já existem perdas consolidadas e irreversíveis, mas devem ficar longe da tragédia que ocorreu em 2021/22”, acrescenta Luiz Fernando Roque, analista da HedgePoint Global Markets.
A chuva tem data para acabar. Segundo o meteorologista Celso Oliveira, colunista de The AgriBiz, a precipitação deve cessar a partir de 25 de fevereiro. “Teremos um bom episódio de chuva no Rio Grande do Sul, mas será esporádico. O ideal é ter frequência, o que não deve acontecer até o final do ciclo”, diz.
Apesar de as condições adversas atingirem todo o Estado, as maiores perdas estão no noroeste do Estado, região que concentra 55% da área de soja do Rio Grande do Sul, segundo a analista da AgRural.
Em seu último boletim semanal, divulgado na quinta-feira, a Emater-RS também afirmou que há perdas consolidadas nas lavouras gaúchas de soja. Entre os danos causados pela seca e pelo calor, estão o porte reduzido das plantas, o abortamento de flores e a queda prematura das vagens.
A Hedgepoint já reduziu a sua estimativa de produtividade para safra do Rio Grande do Sul de 57 sacas por hectare, inicialmente, para 52 sacas por hectare no final de janeiro. “Provavelmente, teremos de reduzir essa estimativa um pouco mais. Ela deve se aproximar de 50 sacas por hectare ou até menos”, afirma Roque.
Com 6,8 milhões de hectares, o Rio Grande do Sul tem a segunda maior área de soja do Brasil. Neste ano, no entanto, deve ficar apenas em quarto lugar em volume de produção, com 18,45 milhões de toneladas, segundo a estimativa da Conab divulgada na semana passada.
O Estado, que historicamente apresenta uma das melhores produtividades estaduais, apresenta problemas climáticos há quatro safras consecutivas. Em 2021/22, um ano de La Niña forte, a colheita caiu pela metade em comparação com a anterior devido ao calor e à seca — características do fenômeno climático. Na temporada seguinte, veio de novo a La Ninã, trazendo temperatura elevada e pouca chuva.
Em 2023/24, com o El Niño, a safra caminhava para atingir todo o seu potencial. Mas os temporais perto da colheita reduziram a produtividade. Ainda assim, o Rio Grande do Sul colheu 19,6 milhões de toneladas, a segunda maior produção do Brasil naquele ano, atrás apenas de Mato Grosso.
Problemas financeiros
Embora as perdas não ameacem o novo recorde na produção de soja do Brasil, os recorrentes problemas no Estado podem agravar os problemas financeiros dos agricultores e, consequentemente, de toda a cadeia do agro, das revendas de insumos aos bancos.
“Como o Brasil vai colher uma safra recorde, os produtores gaúchos não podem contar nem com a alta de preços para compensar os problemas de produtividade”, lembra a analista da AgRural.
Depois de passar uma semana viajando pelo Rio Grande do Sul, o CEO da Veeries, Marcos Rubin, demonstrou, em um post no LinkedIn, preocupação com a situação financeira dos produtores.
“O crédito será um problema (ainda maior) no Rio Grande do Sul: A seca prolongada em diversas regiões deve resultar em dificuldades financeiras significativas para muitos produtores, impactando a capacidade de pagamento e ampliando os desafios na concessão de crédito. O risco de inadimplência aumenta, e o acesso ao financiamento se torna um ponto crítico para a próxima safra”, escreveu Rubin.
A recorrência dos problemas climáticos no Rio Grande do Sul também coloca em xeque a exploração da metade sul do Estado como uma nova fronteira agrícola, observa Rubin.
“O potencial de crescimento é expressivo, mas exige um olhar estratégico para adaptação às particularidades climáticas e agronômicas da região. O setor precisa se preparar para oscilações cada vez mais frequentes, repensar modelos de financiamento e buscar soluções para garantir a sustentabilidade econômica do produtor rural”, completa.
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