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Agrogalaxy expõe a encruzilhada do Aqua Capital

Gestora de Sebastián Popik sofre com insatisfação de empreendedores, perde interlocução no mercado de crédito e vê crise em outras investidas escalar

Sebastian Popik, fundador do Aqua Capital

A derrocada da Agrogalaxy escancarou a encruzilhada que Sebastián Popik está enfrentando no Aqua Capital, um desafio que ameaça o futuro da firma de private equity em meio à insatisfação de empreendedores vinculados às diferentes investidas da gestora.

Um dos pioneiros na tese de private equity dedicada ao agronegócio, Popik é reconhecido por pares e colaboradores como um dos mais brilhantes de sua geração, mas também um dos mais teimosos. “Ele é trabalhador e dá o sangue pelo Aqua, mas a verdade é que ajudou criar a atual situação”, resumiu uma fonte.

Quem conviveu com Popik não tem dúvidas de que o gestor argentino é um dos mais talentosos e sedutores, o que se traduz na capacidade de levantar capital junto a investidores institucionais e convencer fundadores a integrarem o ecossistema do Aqua Capital, que tem aproximadamente US$ 1,5 bilhão sob gestão.

No início do ano, a firma de private equity concluiu a captação de US$ 450 milhões para seu terceiro fundo, um veículo que acessou o bolso de fundos soberanos, bancos de desenvolvimento e investidores qualificados da base da XP Investimentos.

A capacidade de atrair investidores e empresários, no entanto, parece ser proporcional à dificuldade de ouvir não, o que por muitas vezes termina em deserções entre quadros da firma de private equity e executivos das investidas.

Um dos exemplos recentes é Jorge Ahumada, um ex-JP Morgan e ING que foi por muitos anos o sócio responsável pelas finanças do Aqua Capital.

As fissuras também atingem as companhias do terceiro e mais recente fundo do Aqua. Marcelo Marzola, por exemplo, deixou a posição de CEO da goiana Exata, laboratório de análise de solos adquirido em 2023.

A relação também não é das mais amistosas na Solubio, a empresa de biológicos onfarm que enfrenta dificuldades financeiras e um conhecido conflito com um dos principais sócios.

Mauricio Schneider, então CEO da Solubio, deixou a companhia no fim do ano passado, sendo substituído por Sheilla Albuquerque — uma executiva de confiança do Aqua Capital que antes da posição chegou a comandar a Agrogalaxy. Schneider, aliás, deixou o posto com um acordo de non compete, mas interlocutores apostam que a vigência desse contrato pode durar pouco.

Numa disputa em que alega que parcelas do acordo de non conpete estão atrasadas, o empreendedor vem se movimentado para criar uma concorrente da Solubio e mandatou um assessor financeiro há cerca de dois meses para vender sua participação na antiga empresa, apurou The AgriBiz. Procurado pela reportagem, Schneider disse que não comenta rumores.

Fontes próximas à Solubio contestam a argumentação do sócio. “Ele vai ter que provar que os pagamentos do non compete estão atrasadas”, disparou uma das pessoas.

O ótimo é inimigo do bom

A dificuldade de relacionamento com os empreendedores também é atribuída por vezes a Tomas Romero, braço-direito de Popik. “O Sebastián é próximo no início, mas depois fica distante dos empreendedores, deixando tudo com o Tom, que é o bad cop”, afirmou outra fonte.

Interlocutores que acompanham os passos do Aqua Capital de perto argumentam que a sede de interferir demais nas investidas, alijando empresários e executivos que dominavam a operação e tinham a barriga no balcão, pode estar na raiz dos problemas de muitas das companhias.

Um contraexemplo disso são os casos de sucesso, que tiveram empreendedores fortes tocando o projeto. A icônica venda da Biotrop, uma transação na qual o Aqua multiplicou o capital investido em mais de 20 vezes, é um desses exemplos.

Ao contrário do que aconteceu com outras investidas, a Biotrop sempre foi comandada por Antonio Carlos Zem, o habilidoso e carismático ex-FMC que soube navegar bem nas entranhas do Aqua Capital até vender a companhia aos belgas da Biobest.

Uma situação parecida aconteceu na Puravida, outra história de sucesso do Aqua Capital. Fundada por Adrian Franciscono e Flavio Passos, a companhia de suplementos foi vendida por cerca de R$ 1 bilhão à Nestlé, mas os fundadores estiveram sempre à frente do negócio.

Nas dificuldades, a alta rotatividade das lideranças não foi o único problema. A teimosia para maximizar valor a todo custo levou pelo menos uma das companhias investidas do Aqua Capital à recuperação judicial, disseram duas fontes.

Ante de pedir proteção judicial contra os credores, a Geneseas (que produz tilápia na área da represa de Ilha Solteira) quase foi vendida à JBS. O montante oferecido já estava dentro do esperado pelo fundo, mas Popik tentou esticar a corda, pedindo R$ 20 milhões adicionais, contaram as fontes. Resultado: a JBS deixou o jogo.

A Aquafeed, uma vertical da Geneseas dedicada à produção de ração para tilápias, também quase foi vendida a um bom preço, mas a tentativa de extrair o máximo frustrou a operação. A operação chegou a receber uma oferta de R$ 55 milhões, o que daria um retorno de 2,5 vezes ao Aqua, mas ficou pelo caminho.

Destruição de valor

Mesmo a Agrogalaxy poderia ter melhor sorte. Há alguns meses, a Vinci Partners chegou a se engajar em uma oferta pela Campeã, o negócio de sementes da rede de revendas. Quando um negócio parecia perto de fechar, os compradores receberam novos pedidos — como reter uma participação da sementeira. Negócio frustrado, de novo.

A destruição de valor na Agrogalaxy, aliás, pode nublar até mesmo os maiores sucessos do Aqua Capital. Fatalmente, a gestora terá de dar uma baixa relevante (ou total) nos investimentos feitos na rede de revendas.

Com isso, o retorno dos investidores do segundo fundo, veículo que tinha Biotrop e Pura Vida, será bastante prejudicada. Uma das maiores posições do veículo, a Agrogalaxy também drenou recursos da venda da Biotrop, o que também prejudica o retorno do fundo.

Em meio às dificuldades da Agrogalaxy, o Aqua Capital chegou a reciclar parte do capital recebido dos belgas, injetando R$ 150 milhões em equity na rede de revendas. Além disso, também emprestou recursos por diversas vezes. Com a RJ, virou um credor relevante: tem R$ 152 milhões a receber, um dinheiro que dificilmente vai recuperar.

A fonte secou

A recuperação judicial da Agrogalaxy também tornou bem mais difícil a relação do Aqua Capital com bancos e gestores de crédito, um elo crucial para companhias intensas de capital de giro — uma característica do agronegócio. “Aqui, o Aqua não terá mais dinheiro”, disse um gestor de uma casa importante.

Os efeitos colaterais dessa deterioração no relacionamento podem respingar em outras companhias do portfólio. A Solubio tinha acabado de alongar cerca de R$ 100 milhões em dívida com os detentores dos CRAs (com cinco anos de prazo dois anos de carência segundo o Aqua), e vinha negociando uma injeção de mais R$ 100 milhões, uma porta que agora se fechou.

Em nota enviada à reportagem, o Aqua Capital disse que a “Solubio agora estuda o melhor momento para iniciar uma rodada de conversas com investidores para renovar algo em torno de R$ 50 milhões, com o objetivo de garantir mais conforto para a empresa atuar no contexto mais desafiador do agronegócio”. A gestora argumentou ainda que a Solubio aumentou a receita em 17% no primeiro semestre, e a projeção é crescer o Ebitda em 40% neste ano.

Mas a Solubio não é o não é o único ativo com desafios financeiros pela frente. A Rech, investida que vende peças para tratores, está longe de seu melhor momento, disseram três fontes ao The AgriBiz.

Em nota, o Aqua Capital respondeu que a Rech acabou de passar por um “reposicionamento com os credores”, com período de carência do principal por dois anos e meio. “Não há previsão da Rech pedir recuperação judicial”, disse a gestora.

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A reportagem foi atualizada às 7h25, incluindo respostas do Aqua Capital.