Fazia muito tempo que a infraestrutura brasileira de armazenamento e transporte de produtos agrícolas não era tão posta à prova quanto em 2023. Pudera: os produtores colheram uma safra recorde de 295 milhões de toneladas de soja e milho. A produção de açúcar também bateu o recorde de 31,5 milhões de toneladas.
O crescimento na oferta, aliado a problemas climáticos que prejudicaram as safras em outras partes do mundo, dá sustentação às exportações brasileiras, previstas para fechar o ano em 208 milhões de toneladas de soja, farelo de soja, milho e açúcar.
As projeções da Veeries indicam um crescimento de impressionantes 39 milhões de toneladas sobre o ano passado. Nunca se viu uma expansão tão grande de um ano para outro. Para se ter uma ideia, saltos de exportação superiores a 30 milhões de toneladas vinham acontecendo de cinco em cinco anos.
É isso mesmo: crescemos cinco anos em um.
As consequências para a logística já são bem conhecidas. A sazonalidade dos embarques da soja e milho, geralmente bem definida, deixou de existir, gerando uma acirrada disputa de espaço nos terminais portuários. Os prêmios pagos nos portos permaneceram negativos por mais tempo do que seria de esperar. Faltaram silos no interior, tirando a sustentação dos preços. Houve impacto nas margens dos produtores, que caíram significativamente em relação aos altos patamares das últimas duas safras e os limites operacionais de vias, terminais e berços portuários se aproximaram dos limites em praticamente todos os portos brasileiros.
De um ponto de vista positivo, são as dores do nosso sucesso. Nada disso estaria acontecendo se não fosse pelo investimento em tecnologia no campo e pelos consequentes ganhos de produtividade e de competitividade do agronegócio brasileiro.
O ponto de preocupação é que o estresse na infraestrutura não deve sumir tão cedo. O cenário agrícola é de fato um pouco mais conservador para 2024. Os preços das commodities agrícolas caíram, a área plantada deve aumentar menos do que nos últimos anos e as produtividades das lavouras tendem a ser pouco menores do que em 2023, que de forma geral teve um clima espetacular — mas a produção ainda vai crescer e se aproximar de 303 milhões de toneladas de soja e milho e 32 milhões de toneladas de açúcar.
Salvo algum problema climático nos próximos meses, tem tudo para ser outra safra de grandes proporções — e uma oferta ampla o suficiente para elevar as exportações de soja, farelo de soja, milho e açúcar para 214 milhões de toneladas — cerca de 6 milhões de toneladas acima do recorde deste ano.
Como os investimentos em logística podem demorar várias safras para sair do papel, esses números vão causar diferentes impactos na cadeia logística do agronegócio. As análises regionais da Veeries mostram que a maioria dos portos terá de embarcar volumes semelhantes aos de 2023.
Assim, o grande desafio de logística para 2024 irá de fato se concentrar no interior. Os problemas de armazenagem e escoamento identificados no momento da colheita em 2023 podem se repetir no ano que vem. Por isso, questões relacionadas a sazonalidade da colheita e exportação também devem ser acompanhadas de perto.
Para o longo prazo, porém, existem alguns sinais de alerta. Pelo menos no campo, os investimentos em silos e armazéns são relativamente mais rápidos de sair do papel. A favor disso, existe o fato de que os produtores continuam capitalizados após a sequências de safras de alta rentabilidade, apesar das recentes reduções nas margens.
Na infraestrutura de grande porte — como portos, hidrovias, ferrovias e rodovias —, as coisas mudam de figura. Existem alguns projetos que vão melhorar nossa capacidade, seja por meio de ampliações ou de melhorias na eficiência. Mas não há clareza no momento a respeito de que projetos greenfield vão sair do papel, em que prazo e a que custo.
Num ambiente econômico em que os juros continuam altos em várias partes do mundo, o retorno de muitas iniciativas tende a ser proibitivo. O risco é que tenhamos de conviver com gargalos importantes por mais tempo do que seria necessário.