Durante muito tempo apontado como viável apenas em Mato Grosso, onde o excedente de milho com frequência se tornava uma dor de cabeça para o produtor devido à falta de armazéns, o etanol de milho está acelerando a sua expansão fora do Estado, abrindo espaço para uma nova dinâmica no mercado interno do cereal.
O último anúncio de investimento no setor foi feito nesta semana pela Coamo, cooperativa paranaense localizada na região de Campo Mourão. O grupo investirá quase R$ 1,7 bilhão em uma usina de etanol de milho com capacidade de processamento de 1.700 toneladas por dia do grão. A usina consumirá cerca de 20% de todo o milho recebido pela cooperativa.
O movimento pode ser visto como uma resposta ao aumento na produção de milho no Estado em 2023, o que reduziu os preços ao produtor e acabou se tornando uma dificuldade para as cooperativas por problemas de armazenagem e logística, observou a analista Daniele Siqueira, da AgRural, sediada em Curitiba.
Assim como ocorreu em Mato Grosso, a produção de etanol pode ser uma alternativa para enxugar excessos na oferta de milho do Paraná — embora a produção no Estado, o segundo maior produtor nacional, seja mais sensível às variações climáticas do que a safra do Centro-Oeste.
O Paraná ainda tem espaço para aumentar o cultivo com o grão na segunda safra. Dos 5,8 milhões de hectares plantados com soja no verão, menos da metade (2,4 milhões) receberam milho na safrinha em 2022-23. A maior parte da área restante recebe trigo na safra de inverno, mas as condições de mercado e de clima têm sido cada vez mais favoráveis para o milho, sobretudo no norte e oeste do Paraná.
“Um rearranjo nas culturas do Estado permitiria ainda uma expansão relevante do milho na safrinha. Ainda existe uma área relevante no oeste e norte do Estado”, pondera Hugo Godinho, analista do Deral (Departamento de Economia Rural), ligado à secretaria de agricultura estadual.
Impacto nas carnes
Se continuar crescendo, a produção de etanol de milho no Paraná pode ter um efeito indesejado para as indústrias de aves e suínos. Caso as usinas comecem se a multiplicar pelo Estado, o setor de proteína animal pode se deparar com um aumento de custos, pois vão encontrar mais concorrência na compra do grão, que é base da ração animal.
“O etanol de milho costuma elevar o preço do milho aonde chega, pois as usinas costumam comprar maiores volumes e oferecer preços mais altos que a média de mercado para originar esses volumes”, diz a analista da AgRural. “Esse é um fenômeno que a gente tem observado já há alguns anos em Mato Grosso.”
Maior produtor de aves e suínos do País, o Paraná consome entre 10 e 12 milhões de toneladas por ano na produção de ração, segundo Edmar Gervásio, analista especialista em milho do Deral. O volume representa cerca de 60% da produção estadual, estimada em 18 milhões de toneladas na safra 2022-23.
Em Mato Grosso, as usinas já absorvem quase 25% da produção estadual de milho e já são o segundo maior destino do cereal atrás das exportações, que respondem por quase 60% da oferta. Cerca de 10% do volume é destinado para a produção de ração, ou cerca de 4 milhões de toneladas — volume bem menor do que no caso do Paraná.
Concentração
Da produção total de etanol de milho brasileira na safra 2022-23, 74% tiveram origem em Mato Grosso, de acordo com dados da Unica. Lá, foram erguidas as três usinas da FS, cujo modelo de negócios, aliás, só prevê plantas em Mato Grosso devido ao custo altamente competitivo — lê-se milho mais barato. A empresa já garantiu terrenos para a construção de mais três plantas no Estado.
A Inpasa, outro grande player do setor, também tem duas usinas em Mato Grosso, mas já começou a crescer fora da fronteira estadual. A empresa já possui uma usina em funcionamento em Dourados e está construindo outra em Sidrolândia, ambas em Mato Grosso do Sul, que já responde por 16% da produção nacional de etanol de milho.
Em Goiás, a produção de etanol de milho tem outra característica. Está mais relacionada às usinas flex, que podem usar tanto a cana como o milho como matéria-prima. Entre os grupos que recentemente fizeram investimentos no Estado está a São Martinho, que tornou a unidade de Quirinópolis flexível, e a CerradinhoBio. Goiás responde por cerca de 9% da produção brasileira do biocombustível feito a partir do cereal.
Além do Paraná, que já possui uma usina produzindo etanol de milho no município de Jandaia do Sul, a região do Matopiba também começa a receber investimentos para a produção do biocombustível. A Inpasa está construindo sua quarta unidade brasileira no Maranhão, enquanto a multinacional Czarnikow, em parceria com a Agrojem e a ACP, pretende investir R$ 1,1 bilhão na primeira usina de etanol de milho no Tocantins.
Nesta semana, o empresário Ricardo Faria, dono da Granja Faria e do grupo agrícola Insolo, disse que está avaliando investimentos na produção de etanol de milho no Matopiba.
Se todos os projetos vingarem, o produtor de milho vai ganhar um comprador para lá de relevante.