Opinião

Uma safra de grãos para jogar na retranca

Como calibrar a parte da produção de grãos a ser negociada antes mesmo do plantio em um ano como esse? Rafael Harada traz as respostas

Grãos

Nos últimos artigos, identificamos alguns fatores de risco e vimos uma ferramenta para tentar qualificar os riscos. Mas e agora? Como colocar isso em prática na realidade da produção de grãos?

Uma coisa que sempre me atraiu e motivava no trabalho de uma mesa de operações é o fato de que todos os dias são iguais na rotina de preparação para a abertura dos mercados, quase como uma cerimônia: a revisão das posições, o estudo das notícias da noite, os mercados da Ásia e Europa, a digestão e os comentários do dia anterior.

Mas todos os dias são diferentes, com notícias em tempo real que causam reviravoltas, fluxos inesperados, a boa e velha volatilidade. Isso gera um fascínio especial, apesar de ser muito desgastante.

Da mesma forma, o planejamento e a execução de um novo ano-safra tem seu processo peculiar que se repete e aprimora ano após ano, em um processo de aprendizado contínuo em que o produtor encara alguns dos mercados mais voláteis do mundo.

Momentos como o atual no agro, onde vemos fluxo horrível de notícias, mudanças climáticas, compressão de margens, decisões de investimento adiadas, custos controlados na vírgula, alta nos juros aqui e baixa ali, já nos trazem a um início de plantio cauteloso, mas esperançoso. As realidades variam entre regiões e culturas, mas o tom é o mesmo.

Talvez a mais importante decisão do produtor em cada ciclo seja a escolha do momento da comercialização. Falando mais especificamente sobre o caso da soja, como calibrar a parte da produção a ser negociada antes mesmo do plantio em um ano como esse?

Ponderar questões como projeções de safras, oferta e demanda globais, macroeconomia, política fiscal, câmbio, juros, cenários eleitorais e ainda garantir que sua operação no campo siga pelo bom caminho é uma tarefa hercúlea.

Uma forma de encarar o desafio seria assumir que o mercado é o mesmo para todos e é mais importante focar nas decisões que estão sob seu controle. Dessa forma, sua maior eficiência operacional garantiria uma vantagem competitiva. Acho positivo pensar desta maneira, mas hoje em dia isso não é suficiente.

Ter clareza sobre a estratégia do negócio, alinhada ao profundo conhecimento dos seus números e à máxima compreensão do mercado é o que fará a diferença nos momentos difíceis. Pilotar o negócio de olho nas margens e no fluxo de caixa, executando uma boa gestão de riscos, é o que vai nos fazer atravessar a tempestade.

Direto da mesa de risco

Não podemos perder de vista o fato de que o grande movimento da soja em Chicago neste ano foi de queda, devido à boa safra que se desenha nos Estados Unidos e à demanda ainda fraca da China, e boas safras no Brasil e na Argentina reforçariam a tendência entrando em 2025.

Os preços locais talvez não tenham refletido com clareza essa tendência, pois o Real se desvalorizou significativamente e os prêmios colaboraram muito também.

Os movimentos de taxas de juros esta semana e a reação do Real mostram a fragilidade do mercado, mas sabemos que, no geral, a volatilidade das commodities é maior do que a das taxas de câmbio, e não dá para contar que os movimentos vão continuar se compensando como vimos nos últimos meses.

Já o milho tem um bom prêmio na curva local, e a demanda da economia aquecida pode ajudar ainda mais.

Este é um momento de cautela e gestão de riscos, para sobreviver à fase difícil do ciclo e estar pronto para surfar a próxima virada.

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Rafael Harada, colunista de The AgriBiz, é CEO e cofundador da Virtus Advisors, possui mais de 20 anos na gestão de riscos de commodities e câmbio na JBS, onde foi diretor global de gestão de riscos. É engenheiro com ampla experiencia em mercados de commodities agrícolas e finanças corporativas.