Comércio

Como as tarifas de Trump podem impactar as exportações do Brasil para os EUA

Com outros exportadores atingidos por tarifas mais altas, os produtos brasileiros continuarão competitivos; a dúvida é como vai ficar o apetite do consumidor americano

A ofensiva tarifária de Donald Trump afetou quase todos os parceiros comerciais dos Estados Unidos, incluindo o Brasil. Mas o País pode até se beneficiar com o aumento das tarifas — embora uma desaceleração econômica (ou recessão) seja prejudicial para todos.

O Brasil foi atingido por uma tarifa de 10%, a mais baixa anunciada pelo governo de Trump na semana passada. “Poderia ser muito pior”, disse Marcos Matos, diretor do Cecafé, o grupo que representa os exportadores de café do Brasil.

Com outros exportadores de produtos agrícolas sendo atingidos por tarifas mais altas, os produtos agrícolas brasileiros devem continuar competitivos nos EUA. A principal preocupação é como os consumidores americanos vão reagir à alta nos preços.

O Brasil tem uma ampla vantagem no comércio agrícola com os EUA. No ano passado, exportou US$ 12 bilhões em produtos agrícolas para os EUA, incluindo US$ 3,7 bilhões do setor florestal, que lidera a lista. Importou apenas US$ 724 milhões, segundo dados do Ministério da Agricltura.

Depois dos produtos florestais, a pauta de exportações é liderada pelo café (US$ 2,1 bilhões), carne bovina (US$ 1,3 bilhão) e suco de laranja (US$ 1,1 bilhão), segundo dados do Ministério da Agricultura. Veja o que pode acontecer com as exportações brasileiras desses produtos caso as tarifas americanas persistam:

Café arábica

Os Estados Unidos são o maior consumidor de café do mundo e, portanto, um mercado essencial para o Brasil, o maior produtor e exportador do grão. O café brasileiro teve uma participação de 32% nas importações americanas no ano passado, seguida pela Colômbia (20%) e Vietnã (8%).

O País é um fornecedor-chave para os EUA, e não se espera que essa relação seja afetada diretamente pela tarifa de 10%, pois outros produtores de café arábica, como Colômbia, Honduras e Costa Rica, também foram atingidos com a tarifa de 10%.

“Esses países estão em igualdade em termos de tarifas, e o Brasil está em uma posição melhor em termos de oferta para atender à demanda dos EUA”, disse Guilherme Morya, analista do Rabobank no Brasil. “A questão é quão resiliente será a demanda dos EUA.”

As incertezas sobre como os consumidores americanos vão reagir à alta dos preços do café, que recentemente atingiram níveis recordes, têm pressionado os contratos futuros em Nova York. Desde o anúncio das tarifas pela administração Trump, em 1º de abril, os contratos futuros caíram cerca de 10%.

Oportunidade robusta

No caso do robusta, as tarifas podem até abrir uma oportunidade para o Brasil, já que o Vietnã, maior exportador mundial, foi atingido com uma tarifa de 46%. A Indonésia, outro produtor de robusta, sofreu uma tarifa de 32%.

“O Brasil ganha uma vantagem competitiva sobre esses dois países”, disse Morya, do Rabobank. Ele faz a ressalva, no entanto, de que as notícias ainda são muito recentes e vão mudando a cada dia, o que aumenta as incertezas e a volatilidade do mercado.

“Entre ganhos e perdas, vemos muito mais perdas para todos, devido ao alto nível de incerteza e à deterioração dos valores das empresas”, disse Montes.

O Cecafé tem trabalhado junto à National Coffee Association (NCA), que vem realizando reuniões com parlamentares e representantes da administração Trump para discutir a possibilidade de isentar o café das tarifas, já que os EUA têm apenas fazendas isoladas e muito pequenas — e o maior consumidor mundial de café precisa importar.

“Cada dólar de café importado gera US$ 43 para a economia americana”, disse Montes. Como o Brasil envia o café verde para os EUA, as indústrias norte-americana agregam valor à commodity e vendem o produto por um preço mais alto. A cadeia do café nos EUA representa 2,2 milhões de empregos, segundo ele.

Carne bovina

Os EUA foram o segundo principal destino da carne bovina brasileira no ano passado, atrás apenas da China, com os embarques crescendo 65%. O ritmo das exportações não deve mudar no curto prazo, já que a tarifa de 10% não deve prejudicar a competitividade da carne brasileira nos EUA, segundo Lygia Pimentel, sócia da consultoria Agrifatto.

Com o menor rebanho bovino em décadas, os EUA continuarão a depender das importações para abastecer as prateleiras. “A participação das importações no consumo interno subiu recentemente de 10% para 15%”, afirma.

A carne brasileira já está sujeita a uma tarifa de importação de 26,4% para entrar nos EUA. O País tem acesso a uma cota anual de 65 mil toneladas isentas de tarifa, mas ela é compartilhada entre 10 nações, sendo preenchida em poucos meses. Mais de 70% das exportações de carne do Brasil para os EUA no ano passado ocorreram fora da cota, ou seja, pagaram a tarifa de 26,4%, segundo a Abiec, associação dos exportadores de carne.

“Não é um grande problema para o Brasil enfrentar uma tarifa de 10%”, disse Pimentel. Não está claro, no entanto, se a nova tarifa será acumulada à existente. No médio e longo prazo, no entanto, os embarques para os EUA podem ser afetados por uma menor demanda dos consumidores americanos, cujo apetite pode ser limitado pela inflação.

Indiretamente, as exportações de carne bovina do Brasil podem até se beneficiar das tarifas generalizadas de Trump, que podem gerar uma disputa mais acirrada com países mais afetados, como a China.

“A China já suspendeu as importações de carne bovina dos EUA, e a Austrália tem preenchido essa lacuna”, disse a especialista.

Assim como os EUA, a Austrália é fornecedora de carne bovina de alta qualidade, enquanto o Brasil exporta volumes maiores e com preços mais baixos. Com os consumidores americanos sofrendo com a inflação, eles podem mudar seus hábitos alimentares para uma carne mais barata — movimento que pode até aumentar as exportações brasileiras para os EUA.

Suco de laranja

Responsável por quase 40% dos embarques de suco de laranja do Brasil, os exportadores da commodity podem sofrer um impacto considerável com as tarifas de Trump. O custo das tarifas foi estimado em US$ 100 milhões por ano, segundo a CitrusBR, grupo que representa os exportadores de suco de laranja. Considerando também as tarifas atuais, que representaram um custo de US$ 86 milhões no ano passado, os exportadores teriam um custo total de US$ 186 milhões apenas em tarifas para entrar no mercado americano.