Estratégia

Corrida pelo açúcar: usinas investem para depender menos do etanol

Com defasagem dos combustíveis e disparada do açúcar, empresas constroem fábricas do adoçante ou ampliam capacidade das existentes; aportes podem chegar a R$ 1 bi

Uma corrida para produzir mais açúcar está acontecendo no Brasil. Com a falta de previsibilidade sobre a política de preços para os combustíveis e a disparada nos contratos futuros da commodity, usinas estão investindo para fazer mais açúcar com a mesma quantidade de cana, em detrimento do etanol. E quem produz só etanol quer ter mais uma opção.

Pelo menos 1,4 milhão de toneladas deverão ser adicionadas à capacidade instalada de produção de açúcar na próxima safra, segundo levantamento da Datagro, consultoria referência no setor. Mas já há quem diga no mercado que a expansão de capacidade pode chegar ao dobro disso. Embora a expansão da capacidade represente uma parcela pequena da produção de açúcar no Centro-Sul, estimada ao redor de 40 milhões de toneladas nesta safra, os investimentos mudam a chave de rentabilidade para importantes grupos.

Os investimentos, que podem se aproximar de R$ 1 bilhão segundo apurou o The Agribiz, incluem fábricas novas destinadas exclusivamente ao açúcar — construídas em anexo a usinas que hoje só fazem etanol —, e aportes menores para ampliar o mix. Da capacidade adicional estimada pela Datagro, Plínio Nastari, presidente da consultoria, diz que metade vem de fábricas novas e metade de ajustes.

Comércio global de açúcar

Empresas conhecidas do mercado de capitais estão nessa onda. A Jalles Machado, listada na bolsa brasileira, aprovou R$ 170 milhões para erguer uma fábrica de açúcar na usina Santa Vitória, complexo de produção de etanol e co-geração adquirido no ano passado no município de mesmo nome, em Minas Gerais. A CerradinhoBio, que chegou a ensaiar um IPO em 2021, vai investir R$ 289 milhões em outra fábrica em Chapadão do Céu, estado de Goiás.

Prêmio

Na Jalles, o gatilho para a aprovação do investimento foi a disparada do açúcar no mercado futuro e a alta defasagem entre os preços do etanol e da gasolina nos últimos meses, o que levou muitas usinas a venderem o biocombustível abaixo do preço de custo, conta o diretor financeiro e de relações com investidores, Rodrigo Penna de Siqueira.

“Historicamente, o etanol tem um deságio médio ante o açúcar que não viabiliza o investimento só para ter essa flexibilidade”, disse Siqueira ao The Agribiz. “Com o aumento do preço do açúcar e o etanol depreciado, essa conta mudou. O investimento se mostrou viável”, disse. Para garantir o preço favorável, a Jalles tem 90% da produção estimada para a safra 2024/25 já hedgeada a um preço médio quase 20% maior ao da safra anterior.

Usina Santa Vitória, do grupo goiano Jalles Machado, receberá R$ 170 milhões para fábrica de açúcar | Crédito: Divulgação

Com a nova fábrica, que terá capacidade para produzir 150 mil toneladas de açúcar, Santa Vitória poderá usar 52% da cana processada para fazer o adoçante, elevando o mix das três unidades da Jalles de 36% para 51% a partir da próxima safra — a empresa tem outras duas usinas em Goiás.

“A nova fábrica da açúcar melhora o nosso modelo de negócios. Reduzimos a dependência de um produto dependente da política de preços da Petrobras, que ficou menos clara e transparente”, disse o CFO da Jalles.

Negócio inédito

Se na Jalles o cenário para o preço do etanol levou a uma melhora no modelo de negócios, no caso da CerradinhoBio pode-se dizer que o modelo de negócios de fato mudou. A empresa vai erguer uma fábrica de açúcar em Goiás. Trata-se de negócio inédito para a companhia, hoje dedicada exclusivamente aos biocombustíveis. Com capacidade para produzir 330 mil toneladas de açúcar bruto, a CerradinhoBio poderá ter até 42% do mix de moagem para o adoçante.

Em São Paulo, no município de Pereira Barreto, a usina Santa Adélia também decidiu construir uma fábrica de açúcar anexa à unidade que, com capacidade de moagem de 3,3 milhões de toneladas, hoje só faz etanol. O objetivo lá é chegar a um mix de 40% para o açúcar a partir de 2025, com a produção de 150 mil toneladas.

Em sua outra unidade, em Jaboticabal, outros investimentos estão sendo feitos para possibilitar um aumento do mix de 60% para 62% de açúcar branco. Na composição das duas usinas, o mix da Santa Adélia, que hoje está em 25% para o açúcar, vai para 46%, segundo Helton Carlos de Oliveira, diretor industrial da Santa Adélia, usina membro da Copersucar.

“Estamos vendo um viés intervencionista na economia com a política de preços da Petrobras, e isso prejudica o setor”, afirmou. Mesmo com o reajuste de 16% da gasolina anunciado na semana passada, o combustível continua abaixo da paridade internacional, prejudicando a rentabilidade nas vendas de etanol, disse Oliveira.

El Niño

A alta nos contratos futuros de açúcar, principal driver para os investimentos ao lado da imprevisibilidade no preço dos combustíveis, tem origem no El Niño, fenômeno climático que pode afetar a produção dos maiores produtores mundiais num ambiente de oferta já apertada.

Cana: El Nino pode atrapalhar colheita e moagem no Brasil, mas efeitos do fenômeno são maiores no Sudeste Asiático | Crédito: Shutterstock

No Brasil, maior produtor e exportador, o El Niño tem a característica de ampliar as chuvas no sul, padrão que pode se estender a São Paulo e Mato Grosso do Sul e prejudicar a colheita e a moagem da cana. Mas as maiores preocupações são em relação à Índia e Tailândia, onde as chuvas abaixo do ideal podem afetar a oferta no próximo ano.

Com a alta nos preços futuros, o prêmio do açúcar bruto sobre o etanol hidratado na safra 2024/25 está entre 30% e 40%, bem acima da média histórica de 10%, segundo Willian Hernandes, sócio da FG/A, outra consultoria referência no setor.

“É um prêmio interessante, que tem viabilizado investimentos de grupos mais capitalizados e com acesso a recursos a um custo mais baixo. Mas, considerando o cenário de taxas de juros atual no Brasil e no mundo, não trazem retornos estratosféricos”, disse.

Por isso a corrida pelo açúcar não envolve ainda mais players. Das 270 usinas em operação no Centro-Sul nesta safra, 69 produzem apenas etanol, segundo Nastari, da Datagro.