Opinião

Lições da crise no RS: a importância da gestão da informação

Eventos extremos trazem insegurança não apenas pela gravidade da situação, mas também pela dificuldade de se obter informações capazes de orientar a tomada de decisões

Desastres naturais atingem a região metropolitana de Porto Alegre | Crédito: Lauro Alves/Secom
Alagamento na região metropolitana de Porto Alegre, em maio; eventos extremos exigem gestão da informação| Crédito: Lauro Alves/Secom

Passado cerca de um mês do início das enchentes no Rio Grande do Sul, e acompanhando seus inimagináveis e terríveis danos humanos, ambientais e econômicos, resta a pergunta: já se pode extrair alguma lição dessa crise? Acredito que a resposta é sim e pretendo contribuir com o debate sob uma (possível) nova vertente, que é a gestão da informação em momentos de crise no Brasil.

Esse tema é, infelizmente, recorrente, devido à sequência de eventos extremos no nosso País, mas que padecem do mesmo problema. Sejam bloqueios rodoviários, secas ou enchentes, a eclosão desses acontecimentos traz insegurança generalizada não apenas pela gravidade da situação, mas também pela dificuldade de se obter informações coordenadas, assertivas e capazes de orientar a tomada de decisões nos âmbitos público e privado.

A repetição desse quadro de incertezas causa surpresa porque sua solução permitiria a gestão das crises de maneira muito mais segura e minimizaria danos. Nesta última, que ainda não se encerrou, não tem sido diferente, e é fundamental que isso seja revisto como uma ação substancial para a defesa nacional, dado que seus impactos podem trazer consequências imprevisíveis e devastadoras.

Ficou evidente que, com a rápida alta dos níveis das águas, o processo normal de gestão não foi suficiente para dar as respostas necessárias a todos os agentes públicos e privados.

Em muitos aspectos, houve um “apagão de dados” de forma que o histórico pouco ou nada ajudava nessa crise e, pior, houve um grande desencontro de informações entre os diversos órgãos públicos das três esferas, bem como entre aquelas recebidas do setor privado.

Em muitos casos, as percepções eram opostas, tais como a disponibilidade de bens essenciais, como combustíveis, o acesso às fontes de produção e regiões de consumo.

Diante de quadros como esse, é compreensível que as decisões sejam tomadas de forma conservadora para reduzir os riscos. Entretanto, isso é feito em um ambiente que não se está trabalhando com gestão de riscos, mas em um quadro de indefinição que traz insegurança generalizada. Assim, ao exagerar no remédio, geram-se novos efeitos negativos.

O exemplo do biodiesel

Esse foi o caso da dispensa da mistura de biodiesel no diesel que, em um primeiro momento, se estendeu a todo o Rio Grande do Sul, mas logo se viu que havia regiões com acesso tanto às usinas como às bases regionais de distribuição.

Sem biodiesel, o esmagamento de soja tem de ser interrompido pela limitação da tancagem e, com isso, compromete-se a produção de farelo de soja e rações animais. Esse é só um exemplo, mas que é emblemático porque, sem a agroindústria, uma cadeia toda de empregos e de alimentos ficou sob risco, o que agravou a situação. Sem economia, a reconstrução fica mais difícil.

Como faço sempre questão de deixar claro, não se trata aqui de apontar culpados. Mesmo porque quem acompanha esses trabalhos sabe o esforço que é feito pelos responsáveis para organizar as informações e tomar as providências dentro de suas competências. Portanto, não há nenhuma justificativa para criticar os órgãos, que merecem o respeito e o reconhecimento pelo que vêm fazendo.

Integração de dados

A questão é de outra natureza. O que se vê é que há baixa integração dos dados entre as agências, departamentos e secretarias de forma a se ter um monitor claro sobre a gravidade da situação, incluindo os gargalos e pontos críticos.

Da mesma maneira, vê-se que determinados servidores ficam sobrecarregados ao ter que prestar informações sem a estrutura adequada para tal ação, pois o número de pessoas e equipamentos são insuficientes.

É difícil imaginar uma solução que se atenha exclusivamente ao aumento de servidores, visto que há dificuldades fiscais e haveria, provavelmente, o super-escalonamento das estruturas públicas para eventos extremos, ainda que estes tenham frequências muito maiores que gostaríamos. Ao contrário, acredito que a solução passa pela integração plena de dados públicos e definição de protocolos para atuação conjunta dos órgãos para compartilhamento de informações.

O Brasil tem avançado bastante nesses sistemas. Não vejo, portanto, carência de tecnologias, de qualificação técnica ou de dados. Pelo contrário, há plenas condições para que essa integração ocorra e, de preferência, seja disponibilizada publicamente em nível máximo de detalhes, obviamente respeitando os limites legais sobre sigilo e segurança.

Ação integrada

A atuação integrada das equipes também é requisito fundamental para que se possa otimizar os esforços que, sendo grandes, ainda se tornam pequenos diante da enormidade dos desafios. É urgente que isso seja feito para que tenhamos rapidez nas atualizações dos dados e gestão das crises com os diversos agentes públicos capazes de transmitir dados em tempo real e com qualidade sobre as condições de tráfego, por exemplo.

É evidente que isso não dispensa a devida colaboração público-privada em todos os aspectos necessários, mas é fundamental que o Poder Público tenha informações próprias suficientes.

Não tenho dúvidas de que as ações voluntárias estão fazendo a diferença nas vidas de muitas pessoas, mas também estou certo de que o trabalho do Estado tem sido fundamental.

Neste sentido, o que se mostra frágil é a dificuldade de obtenção de informações sobre a situação em seu quadro completo, bem como sobre os processos de gestão da crise com a atribuição e acompanhamento de tarefas de forma coordenada e sinérgica, sendo falta de clareza, a meu ver, uma das principais fontes da desinformação que se observa. Todos desejamos que o Brasil não tenha novas crises, mas é preciso estarmos preparados para administrá-las e minimizá-las caso ocorram.