Um visionário da agricultura ou um empresário urbano que desconhece as complexidades de operar uma fazenda e se endividou excessivamente sem tomar cuidado com a estrutura de capital?
Para José Humberto Teodoro, um ex-CEO da Terra Santa que chegou às operações da encrencada Elisa Agro no fim de 2022, o empresário Fabrício Mitre ainda será reconhecido como o desbravador do Vale do Araguaia goiano.
Na goiana Britânia, o empresário liderou um dos mais ambiciosos projetos de irrigação da agricultura brasileira, com um investimento de mais de R$ 500 milhões que foi financiado exclusivamente com dívidas — os Fiagros da Galápagos e SFI investiram no CRA da empresa.
Mas em meio à derrocada dos preços dos grãos e ao atraso gigantesco na instalação das estruturas de irrigação, a Elisa Agro se tornou um negócio financeiro inviável e só restou a alternativa de entrar em recuperação judicial.
Mais conhecido como CEO da incorporadora imobiliária que leva o sobrenome de sua família, Fabrício está pagando o preço de uma aposta tão ousada quando arriscada na Elisa Agro. Para quem acompanha a trajetória, o projeto colocou em risco parte do espólio do pai, Jorge Mitre — falecido em 2002.
“É um incorporador querendo entrar no agro achando que era igual o mercado imobiliário”, resume um executivo acostumado a originar crédito agrícola para os gestores da Faria Lima.
Nem todos pensam do mesmo jeito. Se é verdade que a operação agrícola da família Mitre ficou tão endividada que o negócio não para em pé com o tamanho do passivo que acumulou, o projeto agrícola faz muito sentido, defende Teodoro, co-CEO da Elisa Agro.
“Ele quebrou um paradigma e vai transformar aquela região para sempre. Tenho grande convicção de que o Vale do Araguaia vai se tornar um grande polo produtor de algodão de área irrigada no Brasil”, disse Teodoro em entrevista ao The AgriBiz.
A solução da Elisa Agro
A solução da Elisa Agro passa pela venda da companhia, mas só isso não resolve. Uma reorganização das dívidas, com dilatação de prazos e algum corte de taxa — o haircut, no jargão do mercado —, será inevitável para um negócio ocorrer, admitem alguns credores.
Nesse processo, um aporte da família Mitre será bem-vindo e, para algumas fontes, um caminho também inevitável, ainda que não seja a opção preferida dos controladores da companhia.
Pelo porte do projeto — mais de 7 mil hectares irrigados —, a venda da Elisa Agro é um negócio que só cabe no bolso de grandes players, disse Teodoro. Num jogo como esse, é comum que alguns deles tentem depreciar o valor do ativo com narrativas sobre a inviabilidade do projeto, argumentou.
O executivo evitou dar detalhes sobre as negociações, mas frisou que o objetivo é concluir a venda neste ano. No início de abril, o Pipeline reportou que a BrasilAgro estava avaliando a companhia. A One Partners e a XP, contratada mais recentemente, assessoram a companhia nas negociações.
Para Teodoro, quem levar a Elisa Agro vai assumir uma operação bastante rentável — o pressuposto para isso, claro, é fazer a renegociação das dívidas. O comprador também herdará a possibilidade de agregar mais 10 mil hectares ao projeto, considerando as opções de arrendamento que a companhia possui.
Mesmo com os preços da soja no atual patamar, é possível assumir uma taxa interna de retorno de “na casa de 25% ao ano”, fazendo um Ebitda de R$ 100 milhões, disse o executivo.
Para sustentar a afirmação, Teodoro cita um trabalho liderado por André Pessôa, contratado a pedido dos bancos credores. Nesse estudo, o consultor estima que as áreas da Elisa Agro podem atingir altas produtividades — 85 sacas de soja por hectare e 380 arrobas de algodão por hectare, bem acima das médias nacionais, de 58 sacas e 315 arrobas, respectivamente.
Os erros da Elisa Agro
Para alcançar essas produtividades, as terras da companhia ainda precisam maturar, até porque o algodão ganha em produtividade conforme o tempo cultivado. Reside aí, aliás, um dos maiores erros da companhia.
“Eu teria sido mais cauteloso e faria um ano ou dois de testes no algodão”, admitiu o co-CEO da Elisa Agro, que antes da passagem como CEO da Terra Santa foi vice-presidente da BRF, liderando a área de compra de grãos.
O nível de endividamento também foi excessivo. Estima-se que o índice de alavancagem (relação entre dívida líquida e Ebitda) tenha passado de 20 vezes no ano passado.
Nesse processo, o caixa da companhia sangrou. Sem recursos, a Elisa Agro só conseguiu plantar 20% da área potencial de algodão na atual safra, disse Teodoro.
Na leitura do executivo, a companhia também demorou a entrar com o pedido de recuperação judicial, o que diferencia Fabrício Mitre de um grupo de fazendeiros que tentam usar o mecanismo da RJ de forma mais oportunista.
“Tem gente que coloca no mesmo balaio, mas aqui não é o caso. O Fabrício lutou muito contra. A família Mitre tem uma história de geração de valor”, defendeu Teodoro.
Para ele, o desfecho da história vai mostrar que a Elisa Agro será uma ótima operação, apesar do sofrimento inicial — o atraso na instalação dos pivôs agravou a crise da companhia.
Quando tudo estiver resolvido, a empresa dará lucro para quem levar o negócio. Os desbravadores não verão a cor do dinheiro. “O Fabrício e a família estão pagando o preço de um pioneirismo de ter enxergado além do tempo”.