A síndrome da murcha, uma doença relativamente nova nos canaviais que combina três fungos diferentes, é um dos principais entraves hoje para a produção de açúcar no Brasil. A doença, que ganhou força na safra atual, chegou a provocar perdas de até 45% em alguns canaviais, segundo a Orplana, associação que representa os produtores de cana.
A visão da instituição é de que a ‘novidade’ foi potencializada pela seca neste ano. O clima também colaborou para aumentar a isoporização de canaviais (que, como o próprio nome sugere, traz um aspecto de isopor para dentro da cana, reduzindo a produtividade).
“É uma doença nova, que estamos vendo se destacar nesta safra. As plantas já estavam sofrendo um pouco com a seca e o problema se espalhou”, afirmou José Guilherme Nogueira, CEO da Orplana, ao The AgriBiz. A esse fator, se somou a dificuldade de o produtor identificar a doença, dado que, no aspecto visual de ferrugem e estrias avermelhadas, houve demora para diferenciar o que era seca do que era doença.
Ainda não há um remédio definido para a síndrome da murcha. Em evento da Datagro promovido nesta semana, Plínio Nastari, fundador da consultoria, lembrou que a recomendação vigente é cortar as canas afetadas e deixar de plantar na região onde a doença foi encontrada por dois anos. Assim, os impactos da doença podem ser sentidos pelo menos até a safra 2026/27.
“O manejo para esta doença vem sendo desenvolvido e, por enquanto, a recomendação é que, quando identificada a doença nos canaviais, estes devem ser colhidos o mais rápido possível para reduzir as perdas”, explica Carlos Daniel Berro Filho, diretor de desenvolvimento agronômico da Raízen.
Com tamanho efeito, diferentes instituições já estão se movimentando para encontrar uma solução. “Órgãos de pesquisa como o Instituto Agronômico de Campinas, o IAC, já pesquisam como aplicar de duas a três combinações de fungicidas para resolver esse problema”, explica Nogueira.
Entre os principais danos causados pela síndrome da murcha estão: a redução da qualidade da cana, afetando a pureza do caldo e a capacidade de produzir açúcar, a redução da produtividade (TCH), maior propensão a infecção por bactérias e redução da longevidade do canavial.
Mesmo com todos esses fatores — e seus impactos — “não se trata de um cenário de morte súbita para as usinas”, destacou Nastari no evento desta semana.
Nas estimativas da consultoria, a produção de açúcar neste ano deve ser de 38,7 milhões de toneladas, inferior ao recorde de 42 milhões de toneladas da última safra. Também como efeito da doença e das secas, as usinas devem encerrar a moagem mais cedo este ano, na segunda quinzena de novembro. No ano passado, o processamento foi encerrado no fim de dezembro.
Os efeitos da seca (e dos incêndios)
Para a safra 2024/25, a Orplana estima uma colheita de 590 milhões de toneladas de cana no Centro-Sul. Além dos efeito da murcha, a associação também buscou trazer em mais detalhes nesta semana os efeitos da seca sobre os canaviais.
De acordo com dados apresentados pela associação no evento da Datagro, na safra 2023/24 choveu 1.176 milímetros e, na 2024/25, até a última semana, o volume havia sido de 500 milímetros.
“A temperatura média deste ano deve ser um recorde dos últimos 35 anos, com média de 25,12ºC. É um ajuste que parece pequeno em relação à safra anterior, de 0,2 grau, mas impacta demais quando observamos esse efeito durante todo o ano”, disse Nogueira.
Não bastasse a falta de chuvas, também é impossível ignorar os efeitos dos incêndios nos canaviais. Ao todo, estima a Orplana, mais de 240 mil hectares foram afetados pelos incêndios no interior de São Paulo, além de prejuízos em Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
“A gente tem que bater nesse assunto [os incêndios]. Isso é uma prática do passado, que acabou em 2003, 2004 e que não volta mais. Queimar a cana como manejo não faz mais sentido. Isso tem que ficar claro na cabeça de todas as pessoas, queimar é um prejuízo direto aos canaviais e à biomassa”, reforçou o executivo.
Para tentar conter esses efeitos, a associação vê cada vez mais o uso de irrigação crescendo no país. Se antes era uma prática comum em estados como Goiás, por exemplo, agora se torna frequente também em São Paulo e em Minas Gerais.
Hoje, a Orplana afirma que há 1,7 milhão de hectares no centro-sul equipados com irrigação de salvamento com vinhaça, pivô e gotejamento. “Estamos trazendo projetos de salvamento para resolver esse problema do clima, diante da preocupação do produtor. Nessas áreas, validamos com a ANA uma média de 500 milímetros para tentar salvar os canaviais”, disse Nogueira.
Até a safra 2025/26, a associação estima que mais 200 mil hectares devem ter uma área molhada, um movimento liderado justamente pelos estados do sudeste.
Expectativas para 2025/26
Com essa conjuntura de fatores na safra atual, a safra seguinte deve ser menor, considerando todos esses fatores — seca e pragas. “Se a cana estava com um a cinco meses de desenvolvimento, é necessário começar do zero, sem falar nos problemas de desenvolvimento das áreas perdidas. Vamos ter cana que vai ser colhida independentemente de seu estágio adequado de corte e isso vai impactar o rendimento agrícola industrial”, disse Nastari.
Na visão da Orplana, ainda no mesmo argumento, a taxa de renovação dos canaviais será menor do que a deste ano, o que deve trazer uma safra menor, no fim das contas. Para 2025/26, a associação estima uma safra de 582 milhões de toneladas, com produtividade média de 76 toneladas por hectare, por enquanto.
“Claro que não dá para prever com tanto tempo antes os efeitos de geada, incêndios e frequência de chuvas. Vamos trabalhar ao longo do ano para tentar mitigar adversidades que assolam o produtor e a atividade como um todo”, disse Nogueira.