Escrevi recentemente sobre a necessidade de desmobilização parcial por produtores rurais super alavancados como a alternativa mais saudável para a retomada das atividades e o afastamento das muitas mazelas decorrentes da insolvência.
Como tem sido amplamente divulgado, o agro enfrenta uma situação conjuntural adversa: condições climáticas desafiadoras (La Niña forte em 2021/2022 e um El Niño poderoso na safra atual), queda preços de commodities e elevada taxa de juros.
Mesmo assim, percebe-se que a maioria dos problemas de crédito mais notórios derivam principalmente do excessivo endividamento dos produtores rurais.
Tenho visto vários casos em que o produtor está ilíquido, mas não insolvente. Ou seja, o produtor não dispõe de recursos para honrar pontualmente suas obrigações, mas o valor do seu patrimônio imobilizado é superior ao total do passivo.
Nesses casos, a melhor saída será alinhar com os credores uma operação para viabilizar uma desmobilização parcial de ativos.
Como reestruturar a dívida rural?
Em muitos casos, os ativos do produtor já estão onerados, há apontamentos no Banco Central e Serasa, impostos em atraso e até mesmo início de contencioso por parte de alguns credores.
Nessa hora, o produtor ouve do gerente do banco parceiro: “Queremos muito te ajudar. Mas, na situação atual, o banco não pode…”.
Renegociar com o mercado de capitais também não é das tarefas mais fáceis. Muitos títulos (CRAs e CRIs) acabam sendo adquiridos por investidores com perfis muito diferentes.
Por mais que os advogados procurem prever tudo na escritura dessas operações, quando ocorre o default, sempre surge a necessidade de se convocar os credores para tomar decisão, o que pode atrasar e até inviabilizar a melhor escolha.
Na assembleia de credores, será comum se ouvir: “Entendi. Mas, meu fundo não pode fazer isso. Não temos mandato, o regulamento não permite…”.
Enquanto a indefinição perdura, o problema aumenta. Além de juros, multas, taxas, a atividade rural pode travar. A agricultura tem um cronograma inegociável, comandado pela natureza, que não pode esperar um waiver de credores.
Nesses casos, a melhor solução será montar uma operação de capital de transição, que faz parte da família das chamadas transações de Special Situations.
O foco será prover capital para quitar imediatamente os passivos que estejam inviabilizando uma futura venda ordenada de ativos e permitir que o produtor volte a ter condições para conduzir seu negócio.
O custo da reestruturação
Mas operações de Special Situations não são muito caras?
Dia desses, li uma postagem no Linkedin em que o autor criticava o elevado custo de uma operação de financiamento concedida a um grupo usineiro para encerrar o processo de recuperação judicial (DIP Finance) e vaticinava que o grupo enfrentaria nova inadimplência em breve.
Por delicadeza, não quis comentar que a operação mencionada no post já havia sido quitada há tempos. Afinal, depois que o grupo saiu da RJ e se reorganizou, não demorou a receber ofertas de financiamento muito mais barato e liquidou antecipadamente a operação de DIP.
Uma operação de capital de transição de sucesso tende a ser liquidada (muito) antes do seu vencimento.
Assim, ainda que o funding seja caro, a operação funciona com uma “ponte” para destravar valor no menor prazo possível e assim evitar prejuízos maiores para tomador, credores e a própria sociedade.
Capital de transição não é solução de longo prazo. Se a operação for até o vencimento, provavelmente as coisas não saíram como planejado.
Para sintetizar o perfil de um deal de capital de transição, sob a ótica de um grande especialista, tomo a liberdade de usar uma frase do amigo Daniel Goldberg, da Lumina Capital: “No nosso business, namoramos os sucessos e casamos com os fracassos”.
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Ruy Toledo Piza é head do jurídico e sócio da gestora Augme Capital. Advogado especialista em produtos estruturados e agronegócio, é formado em direito pela Universidade de São Paulo e administração pública pela EAESP FGV, com pós graduação LLM pela University of London.