Boa parte do mercado espera que a atual fase do ciclo da pecuária, marcado pela oferta abundante de gado, inicie uma reversão entre o final deste ano e o início do próximo, o que teoricamente pressionaria as margens dos frigoríficos. Para a Minerva, no entanto, os frigoríficos terão mais um ano para aproveitar os preços baixos do boi gordo. O motivo: o ciclo pecuário se alargou.
“O ano que vem ainda será bom em oferta de animais”, disse Edison Ticle, CFO da maior exportadora de carne bovina da América do Sul, acrescentando que o início da reversão deve acontecer a partir do final de 2025.
Durante um evento promovido pelo Bradesco BBI nesta quarta-feira, o executivo mostrou dados de alguns estudos internos da Minerva para sustentar o argumento.
Nos últimos anos, a produtividade da pecuária brasileira registrou um salto expressivo, o que deve resultar em um prolongamento do ciclo pecuário em aproximadamente um ano — número bem relevante considerando que o ciclo completo (considerando os períodos de alta e baixa) dura de quatro a cinco anos.
Com mais investimentos em genética, a pecuária obteve um ganho importante nos índices de fertilidade das fêmeas nos últimos anos — só entre 2018 e 2021 houve uma melhora de dez pontos percentuais nesse indicador, segundo estudo da consultoria Athenagro.
Como os movimentos no ciclo são determinados pela relação entre a retenção de fêmeas e a produção de bezerros, essa mudança tem impacto na duração do ciclo (embora não mude a intensidade das taxas de crescimento e de queda na oferta dos animais).
“Se a fertilidade das fêmeas está maior, é natural supor que o ciclo está mais longo”, disse Ticle a jornalistas.
Contudo, mais importante do que o alongamento do ciclo é o ganho de produtividade no rebanho bovino, fenômeno que aumentou a oferta de animais em 10%. “Tanto no topo como no piso do ciclo, o número de animais prontos para o abate subiu entre 3 e 4 milhões de cabeças”, disse o CFO.
Em vez de contar com 34 milhões de cabeças disponíveis para o abate na alta do ciclo, a oferta no auge atingiu 38 milhões de cabeças, explica Ticle. No piso, em vez de uma oferta de 29 milhões de cabeças, ela passará para cerca de 33 milhões, acrescenta. “Estamos falando de 10% a mais de cabeças prontas para o abate mesmo na parte mais negativa do ciclo. Isso é poderoso”.
Além dos ganhos em genética, Ticle mencionou o custo mais barato da dieta dos animais em confinamento devido à crescente oferta de DDG, um subproduto do processo de produção de etanol de milho com alto teor de proteína.
“O DDG mudou estruturalmente o ciclo pecuário no Brasil. O gado está ficando mais pesado em um espaço de tempo mais curto e a um custo menor”, afirma.
As mudanças estruturais na pecuária brasileira, destacadas por Ticle, reforçam a tese da Minerva de que a produção de carne bovina na América do Sul é a mais competitiva do mundo, e deve continuar assim por um bom tempo.
O fator China
Outro elemento comumente apontado como crucial para os ganhos de produtividade na pecuária é a demanda chinesa, que exige animais abaixo de 30 meses e, durante a pandemia, pagava um prêmio de 10% pela carne com essas características.
O incentivo econômico levou frigoríficos e pecuaristas a se adaptarem. Hoje, o peso médio de abate entre os principais frigoríficos é de 20 arrobas, com 80% dos animais com até quatro dentes. E a exportação de animais jovens deixou de ser uma exclusividade da China para se tornar padrão internacional.
Atualmente, 80% do mercado de exportação pede esse mesmo tipo de carne, nas estimativas de representantes dos três maiores frigoríficos do País (JBS, Minerva e Marfrig), que participaram na última terça-feira de um evento de pecuária promovido pela consultoria Datagro.
Entre os mercados que se abriram após a China, destacam-se o Chile, Irã e Oriente Médio, também na esteira de mais exigência de carne de animais mais jovens para o consumo.
“Esse comportamento de um animal de pouca gordura, mais musculoso, favorece o produtor e a indústria. Os rendimentos de desossa ficam favorecidos, além de ganhos de produtividade na cadeia”, disse Eduardo Pedroso, diretor executivo de originação da Friboi (JBS).
É uma transformação e tanto para a produção brasileira. Em 2000, mais da metade dos animais abatidos tinham mais de 36 meses. As melhorias na produção de animais mais jovens começaram em 2013, lembrou Maurício Manduca, diretor de relacionamento com fornecedores da Marfrig.
Demanda firme
Ao que tudo indica, a demanda pela carne bovina brasileira vai continuar aquecida. De acordo com dados da Datagro, no mercado internacional, os Estados Unidos têm o menor rebanho em 73 anos e o Canadá não tem um registro de um rebanho tão pequeno em toda a sua história. No Brasil, também houve uma queda expressiva, de 194 milhões de cabeças em 2022 para 182 milhões em 2024.
“Quando a gente olha a dinâmica do mercado interno, embora ele concentre 70% do consumo em volume, não come o boi na proporção natural do desmonte. Por isso dependemos do mercado externo para o fechamento da carcaça. Saímos de carne ingrediente para carne culinária mas ainda não estamos com status de gourmet no mercado internacional”, disse Pedroso.
Nas estimativas de Fabiano Tito Rosa, diretor de compra de gado da Minerva, considerando esse espaço a ser conquistado pelo Brasil daqui para frente, a participação da exportação deve chegar em torno de 35%, acima dos atuais 30%.
A expansão também deve se dar com a abertura de novos mercados. “Temos muitos mercados para abrir: Japão e Coreia do Sul, por exemplo. São mercados que não estão no eixo do crescimento, mas pagam bem”, ressaltou.
Carne premiada na UE?
Na agenda de comércio exterior da pecuária, um ponto ainda traz dúvidas para os frigoríficos: o comportamento da União Europeia. Com novas regras ambientais que começam a valer em janeiro, o mercado só vai se viabilizar se os importadores toparam pagar um prêmio. Caso contrário, não vai fazer sentido vender para os europeus.
“O rigor da exigência subiu tanto que, se levarmos a sério, vai possibilitar incremento de premiação e de circulação de maior renda nessa categoria do boi europa. Talvez estejamos diante da primeira situação concreta em que a remuneração por serviço ambiental está prestes a acontecer”, disse Pedroso.
Em um discurso enfático, o executivo da JBS ressaltou que as próximas semanas devem ser quentes na relação com os europeus, uma vez que a carne que chegará à UE em janeiro deve ser abatida agora em outubro.
“Tem muita água para rolar. Temos recebido muitos importadores falando que o Brasil vai dar um jeito. O jeito é que não tem jeito. Ou vão pagar mais caro ou vão ficar sem carne. Não dá para fingir de faz de conta. Fazer tudo que eles estão solicitando vai trazer impacto grande de custo e está na hora de o Brasil levantar essa bandeira”, resumiu.
A União Europeia, que no passado foi um dos destinos mais relevantes da carne brasileira, hoje consome menos de 10% do peso da carcaça em cortes. Na média, a exportação aos europeus é de 20 quilos por boi abatido — enquanto a China chega a levar 220 quilos de boi abatido desossado.
A bola está com os importadores.