“Vale ouvir a orientação da XP para tomar decisões rápidas no pregão de amanhã”, sugeria a mensagem que viralizou no WhatsApp, acompanhada de um suposto áudio com recomendações aos produtores de milho.
Os curiosos (como este repórter) que deram o play escutaram, na verdade, uma antiga música cantada pelo padre Marcelo Rossi: “Segura na mão de Deus e vai…”
A mensagem faz troça com uma situação que a bonança dos últimos três anos fez muito agricultor se esquecer. Mas commodities agrícolas também caem — às vezes gradualmente e, então, de repente.
Nos últimos dois meses, o milho desabou. De 15 de março para cá, o preço caiu 31,2% no mercado interno. O movimento sinaliza um rearranjo dos players que lidam com milho, das revendas e agricultores até as indústrias de aves e suínos, mexendo com a dinâmica de margens entre diferentes elos da cadeia.
É um tanto óbvio que companhias de frango como BRF e Seara ou produtores de etanol como a FS Bioenergia serão beneficiados, mas o alívio de custos não será sentido por todos na mesma velocidade. Aqui, o nome do jogo é estoque (físico ou hedge).
Estoques de milho
Quanto maior (e mais caro) o inventário de milho, mais lenta será a recomposição de margem. “Acho que a indústria estava mais estocada que a média histórica”, diz Leopoldo Saboya, o CFO e diretor de relações com investidores da indústria avícola goiana São Salvador.
Nas grandes, a dona da Sadia se antecipou ao movimento e já tinha encurtado os estoques de milho, o que vai ajudá-la a capturar a baixa do grão no balanço mais rapidamente que os pares, disseram duas fontes. Mas nem todos fizeram o mesmo movimento.
O timing poderia ser melhor se o estoque da Mantiqueira estivesse mais curto, mas a queda do milho não deixa de ser uma boa notícia para a avicultura. “A relação de troca de ovos para grãos foi horrível no ano passado, mas vai melhorar. Demora, mas vamos comprando milho e fazendo preço médio aos poucos”, prossegue o empresário.
Melhora das margens
Nas contas do Itaú BBA, o spread do ovo — um indicador de margem bruta no mercado spot — já mostra que a conta voltou ao azul. Em janeiro, ela estava no vermelho. “A margem dos ovos melhora. Frango e suínos ainda têm um desafio de top line, mas o custo alivia”, frisou Guilherme Bellotti, gerente da consultoria agro do Itaú BBA, fazendo alusão às dificuldades que os frigoríficos tiveram com os preços do frango no mercado internacional (os balanços de Seara e BRF não deixam mentir).
Para os exportadores de frango, o pior da sobreoferta parece ter passado e os preços melhoraram, mas cautela não faz mal a ninguém. “O mercado está longe de estar demandado e o dólar caiu”, pondera Saboya, da São Salvador. A melhora dos custos também pode rebater nas negociações com os importadores, que estarão mais propensos a pedir descontos. “Não tem desavisado”, adverte.
Sinal amarelo na fazenda
Dentro da porteira, a queda do milho já preocupa e muitos agricultores tentaram renegociar o prazo de pagamento dos insumos comprados das revendas. “O sinal de alerta está ligado”, diz Marcos Rubin, fundador da Veeries, firma de inteligência de mercado especializada em agro.
Como a colheita da safrinha ainda nem começou para valer, há quem acredite que a chegada de um volume gigantesco de milho (somada às dificuldades logísticas) possa gerar ainda mais pressão. E ainda há muito milho a ser vendido. Em seu último relatório, em 8 de maio, o Imea mostrou que apenas 38,6% da safra de milho havia sido comercializada, bem abaixo da média de 66,6% dos últimos cinco anos.
Acostumados aos bons preços dos últimos anos, os agricultores talvez tenham segurado mais do que deviam esperando uma apreciação, aposta que se mostrou furada. Agora, há mais downside.
Na região da rodovia BR-163, em Mato Grosso, o breakeven da produção de milho fica entre R$ 40 e R$ 45 por saca, excluindo custos com arrendamento, segundo a Veeries. O indicador de preços do Imea para o cereal no Estado está em R$ 46,9.
Se cair muito mais (ainda há uma safra americana vindo no segundo semestre), nem padre Marcelo Rossi fará milagre…