Por muito tempo, o agronegócio, setor que há anos impulsiona a economia brasileira, pareceu imune a percalços. Mas esse período que pode ser comparado à adolescência — de descobertas, aprendizados, em que os riscos sempre parecem muito menores que as oportunidades — pode estar chegando ao fim.
A conjunção de juros altos, flutuações no preço dos grãos, choques nas cadeias de suprimentos e incertezas nos mercados globais parece ser o início da maturidade financeira do setor e isso pode ser especialmente doloroso para algumas empresas.
Nos últimos anos, o agronegócio brasileiro descobriu todas as possibilidades do mercado financeiro. Ampliou o uso do crédito privado e passou a ter acesso a novos instrumentos , como os CRAs e os Fiagros. Evidentemente, esse foi um movimento essencialmente positivo, que revela a sofisticação crescente do setor.
O problema é que o mercado financeiro sempre exigiu que seus participantes, não importa a natureza de seus negócios, tenham corações fortes, sobretudo em ciclos desafiadores para a macroeconomia. É exatamente o que vem acontecendo no cenário atual.
A combinação de alta inflacionária pós-pandemia com o remédio da alta dos juros — aliada às incertezas em alguns dos maiores mercados globais — fez com que algumas companhias do setor passassem a ter dificuldades de honrar seus compromissos com credores e investidores. Como essas empresas vão se comportar daqui para a frente? Veremos, nos próximos meses, um difícil teste de maturidade para parte do mercado.
Você pode argumentar que esse teste de resiliência vale para todos os setores. Sim e não. Sim, porque a alta brutal dos juros a partir de 2021, de fato, machucou os negócios de forma muito pouco seletiva. Não, porque o agro é um setor atípico, que funciona muito em função de “janelas agronômicas”. O produtor precisa ter capital disponível no exato momento em que essas janelas se abrem. Atrasos costumam resultar em perdas significativas na produção e impactos em toda a cadeia.
Com os empréstimos e financiamentos mais difíceis ou mais caros, atingir a sincronia entre gerenciar o endividamento e operar com margens positivas ficou mais complicado.
Dados recentes divulgados pelo Banco Central apontam que o saldo de empréstimos financeiros ao setor rural em atraso ou em inadimplência aumentou 49% em setembro de 2023 na comparação ao mesmo período do ano passado. O percentual de empréstimos atrasados é um dos maiores dos últimos três anos.
Saindo mais forte
A boa notícia é que há como lidar com esse momento — e sair mais forte quando o inverno do mercado financeiro passar. A solução passa essencialmente por duas estratégias. A primeira: a profissionalização do produtor, com a integração de novas tecnologias e práticas sustentáveis que visem o aumento da produtividade. E, segundo: uma gestão financeira mais criteriosa e inovadora, que inclua tanto a negociação direta da dívida com os credores e o refinanciamento utilizando novas garantias, como a exploração e o uso racional dos instrumentos financeiros disponíveis no mercado.
Nenhuma das duas estratégias é trivial. Ambas envolvem mudanças culturais e na forma como os empresários do setor enxergam o mercado financeiro. São as dores do crescimento. A única forma dessas empresas encararem as dificuldades do momento e saírem dele mais maduras, eficientes e resilientes aos riscos, que sempre vão existir.
O agronegócio brasileiro é uma potência, o que não significa que esteja imune às consequências das intempéries do mercado. Intempéries que podem ficar cada vez mais frequentes daqui para a frente. Basta ver o número de eventos imprevistos que estamos assistindo ou vivendo nos últimos três anos: de pandemia a guerras regionais, de uma onda inflacionária global a eventos climáticos extremos.
Estar devidamente preparado só vai fazer que o setor fique cada vez mais forte e competitivo. É assim que os adultos de verdade agem.
*Nilson Exel é sócio fundador da consultoria Ekko Partners