Opinião

Por que vale a pena financiar o capital de giro com ACCs

"Se o dólar subisse para R$ 7,00, os juros locais ainda precisariam cair mais de que quatro pontos em relação aos juros norte-americanos para igualar os custos efetivos em reais"

Parte importante do financiamento do capital de giro no agronegócio tem origem estrangeira, com bilhões de dólares sendo internalizados anualmente mediante diversos instrumentos bancários e de mercado de capitais. Um dos veículos mais relevantes é o Adiantamento sobre Contrato de Câmbio (ACC). Os ACCs são empréstimos, geralmente em moeda estrangeira, a empresas exportadoras, que amortizarão tais dívidas com fluxos de caixa provenientes de exportações futuras.

Por ser uma dívida comumente denominada em dólares, fatores internos e externos ao agronegócio brasileiro afetam o custo final do crédito. Desde fatores particulares à empresa tomadora do ACC, no que se refere à capacidade pagadora e risco de crédito, até fatores macroeconômicos, como risco-país e taxas de juros internacionais, devem ser considerados. Este último aspecto tem sido amplamente discutido no mercado financeiro nesta virada de ano: como o futuro da política monetária dos Estados Unidos pode afetar o custo de capital de giro do agronegócio brasileiro em 2024?

A última reunião do Comitê Federal de Mercado Aberto (FOMC) do Federal Reserve (Fed) ocorreu nos dias 12 e 13 de dezembro de 2023. Nesta reunião, o Fed decidiu manter as taxas de juros norte-americanas inalteradas, na faixa-alvo entre 5,25% e 5,50%. Foi a terceira vez consecutiva que a entidade manteve as taxas estáveis após um período de sucessivos aumentos para combater a inflação. Para 2024, fala-se de três a quatro cortes de 0,25% cada, o que levaria a taxa de juros americana para patamares próximos a 4,5% ao final do próximo ano.

Embora não seja o único fator determinante para a tendência de longo prazo do custo do capital estrangeiro, a taxa de juros norte-americana apresenta uma relação de cointegração com os juros médios dos ACCs. A cointegração é um conceito estatístico que diz sobre a medida em que duas séries temporais — neste caso, duas taxas de juros — mantêm uma relação estável de longo prazo. Quando duas séries são cointegradas, embora cada série individual possa apresentar, variações específicas e até choques aleatórios, elas se movem juntas ao longo do tempo, mantendo uma certa coesão. Essa relação é importante para o agronegócio, pois os mais de 5% de elevação nos juros americanos desde o primeiro trimestre de 2022 coincidem com cerca de 4% de alta no custo médio dos ACCs tomados no mercado brasileiro.

Com a queda projetada dos juros americanos em 2024, fica a impressão de que os ACCs podem, também, ficar mais baratos.

Entretanto, os juros brasileiros, mimetizados pela Selic, definida pelo Comitê de Política Monetária (Copom), também estão num ciclo de baixa. Atualmente em 11,75%, a Selic pode, segundo as consultas do Relatório Focus do Banco Central brasileiro, rumar para 9,25% ao final de 2024. Quando comparamos as duas taxas soberanas – a norte-americana e a brasileira – estamos diante de um potencial de queda de cerca de 1% nas próximas reuniões do FOMC contra 2,5% nas do Copom. De um lado, temos um potencial de queda maior nos juros brasileiros. De outro, também partimos de um patamar inicial bem mais elevado em comparação aos juros norte-americanos. Há, sobretudo, uma outra dimensão a ser considerada: a da variação cambial

Quando uma empresa toma dívidas em dólares e reporta demonstrações financeiras em reais, a flutuação da taxa de câmbio afeta diretamente a marcação a mercado das dívidas em moeda estrangeira, com contrapartidas diretas no balanço patrimonial e demonstração de resultados.

Exemplificando com uma situação hipotética: se um exportador toma uma dívida em dólares com a taxa de câmbio a R$ 5,00 e, após um ano, o câmbio deprecia para R$ 5,50, para cada dólar de dívida, o tomador deve R$ 0,50 a mais em relação ao ano anterior. Este efeito é marcado no balanço como um aumento da dívida, denominada em reais, e, a depender do critério contábil, como um incremento na despesa financeira. Isso, em tese, não é um problema estrutural para um exportador, cujas receitas nascem já denominadas em dólares. É o famigerado e controverso “hedge natural”.

Num cenário de queda de juros locais, fica a dúvida: será que não vale a pena tomar uma dívida em reais para financiar uma exportação, abrindo mão do “hedge natural”?

A simulação abaixo compara as taxas efetivas de ACCs, incluindo o efeito da variação cambial efetiva nos 12 meses posteriores à contratação, com às taxas contratadas para a linha em dólar. Para exemplificar a interpretação: uma taxa de ACC contratada a 3,32% em novembro de 2020 resultou, após o cômputo da variação cambial ao longo de 12 meses, numa taxa efetiva de 6,93% ao final de um ano. Adiciono, também para efeito de comparação, o custo médio das linhas de financiamento às exportações, já contratadas em reais.

Comparam entre taxas dos ACCS

Os ACCs, ao menos no recorte temporal apresentado, raramente mostram-se efetivamente mais caros que as operações de dívida em moeda local, mesmo considerando os efeitos da variação cambial. A exceção foi o período de queda acentuada da Selic do fim de 2019 até o recrudescimento da pandemia. Obviamente, estou comparando médias, e cada empresa tem uma realidade diferente. O prazo aqui também é padronizado em um ano, sabendo que linhas para financiamento às exportações podem ter prazos mais longos, vide as operações de Pré-Pagamento de Exportação (PPE).

Atualmente, ainda há uma diferença de cerca de 8% entre as taxas de ACCs e o custo da dívida em reais. Se o dólar subisse para R$ 7,00 na média dos próximos 12 meses, os juros locais ainda precisariam cair mais do que 4% em relação aos juros norte-americanos para igualar os custos efetivos em reais.

O acesso ao capital externo, exemplificado pelas operações de ACC, é estratégico para a competitividade do exportador agrícola brasileiro. Tal competitividade ainda é latente, mesmo num período de alta das taxas de juros internacionais concomitante a um movimento de queda da Selic. Em parte, isso se deve à estabilidade do real frente ao dólar, mas também se deve ao patamar elevadíssimo dos juros domésticos. Com tudo isso, o financiamento externo, quando bem dosado e estruturado, ainda é crucial para o bom desempenho do agronegócio brasileiro.