Sanidade

O que se sabe sobre a doença de Newcastle; BRF desaba na bolsa

Surto da doença pode provocar embargos comerciais ao frango brasileiro; JBS também cai na B3

A indústria brasileira de carne de frango amanheceu nesta quinta-feira em alerta máximo, como não ocorria desde os casos de gripe aviária que atingiram aves silvestres e de fundo de quintal durante o ano passado.

Desta vez, a doença é outra — mas de gravidade semelhante. Ontem à noite, o Ministério da Agricultura confirmou a ocorrência de um caso da doença de Newcastle em uma granja comercial localizada no município gaúcho de Anta Gorda, na região do Vale do Taquari.

A granja em questão (um aviário de pequeno porte, com capacidade para alojar cerca de 15 mil frangos) pertence a um integrado que fornece aves para o frigorífico da BRF em Lajeado.

Parece uma sina a atormentar a região. O Vale do Taquari já havia sido uma das porções mais afetadas pelas enchentes que devastaram várias cidades do Rio Grande do Sul há menos de dois meses.

Pelo alto nível de transmissão e mortalidade, a doença de Newcastle requer cuidados semelhantes à gripe aviária, como reza o protocolo da Organização Mundial de Saúde Animal. Na prática, isso pode significar embargos regionais à carne de frango brasileira caso as investigações apontem que não é apenas um caso isolado, mas um surto.

Para o consumo de carne de frango pelos humanos, vale ressaltar, não há qualquer risco. Mesmo assim, todas as aves da granja serão sacrificadas, como preconiza a regulação. No Brasil, o último caso da doença de Newcastle ocorreu há quase 20 anos, em 2006.

O que se sabe até aqui

Assim como ocorre com a gripe aviária, qualquer caso da doença de Newcastle precisa ser comunicado imediatamente ao órgão que regula a sanidade animal em âmbito global. Foi o que o governo brasileiro fez na quarta-feira, após os exames realizados em um laboratório federal em São Paulo confirmarem a existência do vírus.

Neste momento, a maior dúvida é compreender se foi um caso pontual ou se há mesmo um surto de gravidade maior na região. Para isso, o Ministério da Agricultura abriu um inquérito epidemiológico cujos resultados deverão ser conhecidos até o fim da próxima semana.

Com o que já se sabe, é precipitado tirar conclusões mais definitivas. Como costuma ocorrer em situações complexas como essa, há argumentos para sugerir se tratar de um caso isolado, mas também para considerar que um surto está em curso. Por isso, todo cuidado é pouco.

Na granja de Anta Gorda, foram coletadas 12 amostras iniciais. Dessas, apenas uma teve o vírus confirmado, o que poderia ser um indício de que não se trata de um surto generalizado.

Em contrapartida, a mortalidade no aviário chegou a 50% (7 mil aves), o que é um índice tremendamente alto e poderia sugerir que a doença estava mais espalhada na granja, cirando mais dúvidas para a investigação. Por outro lado, as aves que restaram não apresentam qualquer sinal clínico que sugira que o vírus está presente.

Com todos esses elementos, ainda não é possível cravar a razão da mortalidade. Aliás, não é possível descartar que a origem seja outra que não o vírus e algumas hipóteses já começaram a ser traçadas na investigação.

Na última semana, o extremo frio que atingiu o Rio Grande do Sul — incluindo o município de Anta Gorda — pode ter contribuído com a mortalidade.

Uma das hipóteses é que uma chuva de granizo destruiu parte da cobertura da granja, afetando a sensação térmica das aves. Ao mesmo tempo, o problema no telhado pode ter provocado a abertura necessária para introdução do vírus.

Para realizar o inquérito epidemiológico, o Ministério da Agricultura intensificou a testagem na região, em duas camadas.

Num raio de três quilômetros da granja — o que tecnicamente se chama de perifoco —, todos os animais serão testados. Nesse raio, há outras três granjas, por enquanto sem qualquer sinal de doenças, disse uma fonte.

Em um perímetro mais amplo, abrangendo um raio de 10 quilômetros, a testagem ocorre por amostra.

Risco de embargos

O impacto comercial sobre a exportadores de carne frango, que vive um dos melhores momentos dos últimos anos — com margens excelentes —, só será conhecido nas próximas semanas.

Enquanto os resultados do inquérito ainda não são conhecidos, o governo vem prestando informações preliminares a alguns dos mais importantes importadores da carne de frango brasileira, como Japão, Arábia Saudita e China.

Se o caso for apenas um achado pontual, o que ainda é uma possibilidade (e seria o melhor cenário), o risco comercial será bastante diluído. Caso contrário, certamente haverá embargos. A dúvida é a extensão dessas barreiras sanitárias.

O certificado sanitário firmado entre o Brasil e cada país importador é o que ditará a extensão dos embargos. Alguns países adotam como critério de regionalização o raio de 10 quilômetros. Outros, de 50 quilômetros. O Japão, por exemplo, regionaliza o problema a partir de um raio de 50 quilômetros, o que poderia afetar vários abatedouros.

Maior exportador global de carne de frango, o Brasil tem no Rio Grande do Sul um dos maiores polos de produção. No ano passado, os gaúchos foram responsáveis por 11,4% dos abates de frango no Brasil, atrás do Paraná (39,5%) e Santa Catarina (13,8%).

Nas exportações, o Rio Grande do Sul representa 14,8% do total, de acordo com dados compilados pela Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA)

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Na bolsa, o impacto da doença de Newcastle castiga sobretudo a BRF e sua controladora, a Marfrig. As ações das duas companhias caem perto de 7%. Mais globalizada e menos dependente do negócio de frango no Brasil, a JBS (dona da Seara) cai 2,4%. A Minerva, que não tem qualquer exposição à carne de frango, recua mais de 4%.

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Procurada, a ABPA informou que está dando suporte às ações do Ministério da Agricultura e da Secretaria de Agricultura do Rio Grande do Sul. Abaixo, o comunicado da associação.

“As autoridades federais e do estado agiram rapidamente na identificação do caso com interdição da granja, garantindo que não houvesse saída de aves. Os protocolos oficiais estabelecidos para a mitigação da situação pontual foram acionados e o entorno segue monitorado. A doença é de notificação obrigatória e o processo de informação à Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA) já foi realizado.  Como de praxe, o Brasil manteve e manterá total transparência no tratamento à situação, garantindo rápida solução a esta que é questão sanitária das aves”.