Comércio exterior

Quem ganha mais com o acordo UE-Mercosul. Spoiler: não é o Brasil

Potencial de aumento das exportações brasileiras à União Europeia é limitado pelas cotas, apesar de haver ganhos de competitividade, avalia o Rabobank

Acordo UE-Mercosul

Apesar de vários setores do agronegócio brasileiro ganharem competitividade na Europa com a redução das tarifas de importação proporcionada pelo acordo comercial UE-Mercosul, o aumento nos volumes exportados ficará limitado às cotas específicas. A análise é do Rabobank, que destrinchou o acordo e seus impactos em relatório recente.

Como o Brasil já tem uma presença relevante no mercado europeu, o impacto das novas cotas acaba sendo pequeno. Já a redução de tarifas deve resultar em vantagens competitivas, mas os analistas do banco, liderados por Andy Duff, destacam que a maioria das mudanças está programada para ser implementada em uma série de anos, “permitindo que qualquer aumento de fluxo seja suavizado”.

Para se ter uma ideia da relevância do Brasil no mercado europeu, o País teve uma participação de 11% nas importações totais de produtos agrícolas da EU entre 2021 e 2023. A fatia correspondente a todos os países do Mercosul, incluindo o Brasil, foi de 15,5%, segundo o Rabobank. A Argentina teve 3,6%.

Confira, abaixo, detalhes do acordo em cada setor e os potenciais impactos:

Carne de frango

Será criada uma cota de importação adicional de 180 mil toneladas para o Mercosul. O Brasil ficará com o maior volume (72 mil toneladas), seguido por Argentina (54 mil toneladas), Paraguai e Uruguai (27 mil toneladas cada um). Para os dois últimos países, abre-se uma oportunidade para que eles exportem volumes significativamente maiores para a EU em comparação com os últimos anos.

“Como o Brasil já tem uma presença substancial na UE, as 72 mil toneladas da nova cota não representarão um aumento significativo no volume total de carne de frango que o Brasil pode exportar para a UE”, diz o Rabobank. “No entanto, isso aumentará ainda mais a competitividade do Brasil, que já é o maior exportador dessa proteína, representando cerca de 33% do comércio global.”

Carne suína

Os países do Mercosul terão uma cota de 25 mil toneladas com tarifa reduzida de 83 euros por tonelada — volume significativamente maior do que as exportações históricas do bloco para a UE.

Para o Rabobank, “é altamente improvável que o fluxo futuro real de carne suína do Mercosul se aproxime da cota, já que a UE é e continuará sendo uma produtora competitiva de carne suína”.

Carne bovina

O Mercosul terá acesso a uma nova cota de 99 mil toneladas com tarifa reduzida de 7,5% e seis anos para implementação gradual. “Isso sugere que as exportações de carne bovina do grupo para a UE podem aumentar nos próximos anos, com Argentina e Uruguai sendo os principais beneficiários”, diz o Rabobank.

Os rebanhos de gado de corte da Argentina e do Uruguai são compostos, em grande parte, por raças europeias e, por isso, são mais semelhantes à carne produzida na Europa em comparação com o Brasil, onde a raça zebuína, principalmente o nelore, é mais comum.

Outro ponto relevante do acordo é a redução da taxa de importação da Cota Hilton de 20% para zero. Hoje, das 67.250 toneladas previstas na Cota Hilton, o Brasil tem 10 mil. Vale lembrar que as exportações do Mercosul para UE já são bem superiores à Cota Hilton, com o bloco ocupando a segunda posição como maior fornecedor de carne bovina, atrás apenas do Reino Unido.

A Argentina, que detém a maior participação na Cota Hilton, sairá do acordo com a maior parcela combinada. Já o Brasil tem apresentado dificuldades para preencher essa cota nos últimos anos, pois boa parte dos requisitos — como rastreabilidade desde a cria e certificação — ainda não são comuns do Brasil e são operacionalmente caros para implementar em pequenos volumes.

“O aumento do acesso à cota poderia encorajar alguns produtores brasileiros a investir na produção de carne sob esses requisitos, dado o maior volume de operação que poderia ser alcançado, além de ser um produto de maior valor agregado”, comentam os analistas do Rabobank.

Açúcar

Hoje o Brasil pode exportar 350 mil toneladas de açúcar para a UE com uma taxa reduzida de 98 euros por tonelada. O acordo substitui essa cota por outra, isenta de tarifas, de 180 mil toneladas.

“Isso aumentará a competitividade da nova cota, mas não resultará em um aumento nos volumes de importação”, afirma o relatório.

Etanol

No mercado de etanol, o acordo pode ampliar o acesso do Mercosul, principalmente do Brasil, à UE. Serão criadas duas cotas: uma de 450 mil toneladas com taxa de importação zero (exclusivamente para uso do setor químico) e outra de 200 mil toneladas com taxa reduzida para uso geral. Ambas serão implementadas ao longo de seis anos.

A soma das cotas é maior do que o total das exportações de etanol do Brasil para a UE nos últimos anos. “Embora o Brasil já seja um grande fornecedor de etanol para o mercado da UE, os termos preferenciais das tarifas dentro da cota aumentarão significativamente a competitividade dos fluxos comerciais.”

Café solúvel

A tarifa de importação de 9% será eliminada durante o período de quatro anos, aumentando a competitividade do café solúvel brasileiro na Europa.

Suco de laranja

Também será beneficiado por reduções tarifárias, que serão definidas com base no preço da commodity. Para suco de laranja com preço acima de 30 euros/100 kg, as tarifas serão reduzidas de 12% para zero ao longo de sete a dez anos. Para suco com preço até esse valor, as tarifas serão reduzidas em 50% em relação às taxas atuais.

Laticínios

Para queijo, leite em pó e fórmula infantil, serão introduzidas cotas tarifárias recíprocas. Segundo o Rabobank, as cotas propostas são pequenas, e o impacto provavelmente será limitado tanto para os membros do Mercosul quanto para a UE.

O maior potencial de mudança está nas importações de queijos da UE pelos membros do Mercosul, principalmente do Brasil, onde a demanda pelos queijos europeus é forte.

Considerando as cotas estabelecidas e a redução gradual das tarifas nos próximos anos, as exportações de queijo da UE para o Mercosul poderiam subir do nível atual, de apenas 3 mil toneladas, para pelo menos 10 mil a 15 mil toneladas métricas — e até mesmo alcançar níveis próximos às cotas após dez anos, dependendo do preço e das taxas de câmbio.