A proposta de reforma do sistema tributário nacional – mais especificamente, a Proposta de Emenda à Constituição 45/2019 (PEC 45) – foi aprovada pela Câmara dos Deputados. Por se tratar de alteração do texto constitucional, o conteúdo da PEC 45 foi analisado e aprovado pela maioria dos deputados federais em duas sessões de votação. Agora, o texto segue para análise do Senado Federal, inicialmente na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) e, em um segundo momento, no Plenário da Casa, quando demandará aprovação também em duas rodadas de votação. Caso referendada pelas duas Casas que compõem o Congresso Nacional, o texto seguirá para sanção ou veto, total ou parcial, da Presidência da República.
Em breve resumo, a PEC 45 propõe a substituição paulatina, até 2033, de cinco tributos (PIS, COFINS e IPI, da União federal; ICMS, dos estados e do Distrito Federal; e ISS, dos municípios e do DF) por três: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal; o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), cobrável por estados, Distrito Federal e municípios; e o Imposto Seletivo (IS), federal, incidente sobre bens e serviços considerados prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. Caso aprovada, a proposta estabelecerá a tributação do consumo no Brasil no modelo do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), dual, em que diferentes entes federativos arrecadam receitas decorrentes da comercialização de bens e da prestação de serviços pela sociedade.
Especificamente para o agronegócio, a PEC 45 estabeleceu alguns avanços, outros pontos de atenção e uma incógnita desconfortável no horizonte. Dos pontos positivos para o setor, o texto aprovado destaca a redução em 60% da alíquota-base em operações envolvendo produtos e insumos agropecuários, além de definir a adesão facultativa ao regime da CBS e do IBS para os produtores rurais com faturamento de até R$ 3,6 milhões ao ano – estrato amplamente majoritário dos produtores no Brasil. Importante, também, a definição de que o IPVA não incidirá sobre aeronaves, tratores e máquinas agrícolas, além da manutenção do tratamento fiscal diferenciado ao ato cooperativo.
No campo dos pontos de atenção – um eufemismo para potenciais desvantagens – verificam-se algumas disposições da PEC 45 que, no mínimo, causam receio no agronegócio nacional. A primeira dela diz respeito à indefinição da alíquota-base da CBS e do IBS, que deve ser definida apenas quando da edição da Lei Complementar que regulamentará os tributos em questão. Fica uma grande interrogação no segmento e nos contribuintes como um todo, já que não se sabe a alíquota dos impostos (algo em torno de 28%, estima-se) e, mesmo com redução de 60% aplicável aos produtos e insumos agropecuários, em variadas e relevantes situações, haveria efetivo aumento da carga fiscal para o setor em relação ao cenário atual. Adicionalmente, foi aberta a Caixa de Pandora com a ausência de definição de prazo para devolução de créditos fiscais aos exportadores (já vimos esse filme) e a possibilidade, ainda que rechaçada, de tributação dos defensivos agrícolas pelo IS.
Está certo, há promessa de não-incidência do IS sobre produtos e insumos agropecuários, mas a redação da PEC 45 é genérica e, no limite, comporta exceções. Em um cenário de contestação, no Supremo Tribunal Federal (Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.553), dos incentivos fiscais aplicados aos defensivos pelo Convênio 100/1997, do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), eventual resultado desfavorável ao tratamento fiscal diferenciado a esse importante insumo promoveria uma virada de mesa e a cobrança do IS para defensivos, como já ocorreu no passado em situações com igual contexto.
Contudo, para o agronegócio nacional, a cereja do bolo da insegurança jurídica reside na inclusão de última hora no texto da PEC 45 da possibilidade de criação, pelos estados, de contribuição incidente sobre produtos primários e semielaborados, o que atinge em cheio a produção agropecuária.
Alguns estados já praticam esse expediente, inclusive há anos, com base em fundos sustentados por liminares judiciais frágeis e que visam, dentre outros objetivos arrecadatórios, a recomposição das perdas financeiras sentidas com as alterações realizadas no ICMS pela Lei Complementar 194/2022.
Sob o valoroso argumento de que o produto dessa arrecadação será destinado a melhorias na infraestrutura local, o que favoreceria diretamente o escoamento da produção, determinados estados vêm implementando a cobrança destinada a fundos de forma claramente inconstitucional. As contribuições estaduais encapsuladas de última hora na PEC 45, caso aprovadas, dariam um verniz de constitucionalidade nessa cobrança, aumentando os custos de produção dos agricultores, encarecendo o produto agropecuário — notadamente, alimentos — ao consumidor final e prejudicando a competitividade da produção nacional no mundo. Há, inclusive, brecha para tributação das exportações que venham a ser realizadas pelo setor, mas esse é um tema complexo que demanda uma análise mais detalhada.
Aprovado na Câmara dos Deputados, o texto da PEC 45 poderá agora ser alterado no Senado Federal. Há nova possibilidade para que pontos sensíveis ao agronegócio e as inseguranças jurídicas, não só para o setor como para variados outros segmentos da economia e da sociedade, tais como as contribuições estaduais, sejam revistos e corrigidos. É importante que todos os atores envolvidos nas cadeias do agronegócio, do produtor ao trader, estejam atentos à janela aberta para correções de rumo e debates sobre questões polêmicas para o crescimento do setor e para a geração de riquezas para o país, sob pena de, caso efetivamente aprovadas, promoverem retrocesso na economia nacional, no desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro e no potencial de crescimento do setor que mais cresce e orgulha o país.
José David é advogado, consultor e conselheiro de agronegócios. Contato: [email protected].