Wisley Alves de Sousa acaba de se tornar um ilustre desconhecido. Dono de uma singela loja de queijos em Macapá, capital do Amapá, o empresário surpreendeu o mercado ao se tornar o maior vencedor do controverso leilão da Conab para importar arroz.
No certame realizado nesta quinta-feira, a Wisley A. de Sousa LTDA arrematou seis lotes. Com isso, assumiu a responsabilidade de importar 147 mil toneladas de arroz e internalizá-los até setembro. Para isso, receberá R$ 736 milhões da Conab.
A soma chamou atenção pelo porte da companhia, que é uma anônima no mercado brasileiro de grãos. Na Receita Federal, o capital social da empresa amapaense é de R$ 5 milhões.
Até a semana que vem, Souza terá de pagar uma caução de R$ 36,8 milhões à Conab como forma de garantir que possui condições de cumprir o contrato, o que provoca muito ceticismo.
Na internet, há pouquíssimas informações sobre os negócios de Wisley de Souza. Cruzando várias fontes, a reportagem de The AgriBiz encontrou a sede da companhia — há uma foto de outubro de 2022, disponível no Google Mapas —, uma pequena loja no bairro Central.
A loja, de nome fantasia Queijo Minas, possui 1.010 seguidores em sua página no Instagram, com ofertas de produtos como cebola, óleo e ovos para o consumidor, indicando parecer mais uma típica mercearia de bairro.
Os riscos da Conab
Desde que o governo federal anunciou o leilão para importar arroz, com o argumento de combater a especulação com os preços, a medida vem atraindo a ira dos agricultores.
Para muitos players, trata-se de uma medida populista que ignora a realidade de oferta e demanda global do mercado. A CNA (Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil) até tentou barrar o certame na Justiça, mas não teve êxito.
Com os resultados desta quinta, as desconfianças só aumentaram. “O perigo é que leilões malfeitos deixam brechas para aventureiros, que ganham, mas muitas vezes não conseguem cumprir com o combinado”, criticou uma fonte de uma grande beneficiadora de arroz.
“Essa é uma intervenção descabida do governo”, criticou Ivan Wedekin, que foi secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura no primeiro mandato do presidente Lula (2003-2006).
Na visão de Wedekin, que também foi diretor de commodities da antiga BM&FBovespa, o arroz importado pela Conab só vai chegar ao Brasil em setembro. Até lá, os eventuais problemas de abastecimento provocados pelas enchentes do Rio Grande do Sul já estarão resolvidos.
Acompanhando o leilão à distância, Wedekin também recebeu várias mensagens questionando a capacidade de execução dos vencedores do leilão. “Precisa averiguar a experiência dessas empresas com agronegócio. Algumas pessoas também estranharam isso”, disse.
Quem mais levou o leilão
Ao todo, o leilão movimentou R$ 1,3 bilhão, chegando a 263 mil toneladas, quase 90% das 300 mil toneladas que o governo federal pretende importar. Além da Wisley A. de Sousa LTDA, outras três companhias venceram lotes no leilão da Conab.
A Zafira Trading, uma companhia cuja matriz fica em Santa Catarina, ganhou sete lotes, ficando responsável por importar 73,8 mil toneladas de arroz (R$ 368 milhões). Neste caso, é uma empresa que atua mesmo em comércio exterior. O negócio pertence a Ana Carolina Altmann Wayhs.
A Icefruit também saiu vencedora em dois lotes, somando 19,7 mil toneladas (R$ 98 milhões). Administrada por Marco Aurélio Bittencourt Junior, a companhia fica em Tatuí (SP) e tem como principal atividade a fabricação de sucos.
De Brasília, ASR Locação de Veículos também despertou alguma curiosidade ao ganhar dos dois lotes para importar 22,5 mil toneladas (R$ 112,5 milhões). “Desde quando uma locadora de carros importa arroz?”, indagou uma fonte.
O negócio pertence a Crispiniano Espindola Wanderley, um nome relativamente conhecido na política do Distrito Federal. O empresário já foi presidente da Comissão Executiva do PROS em Brasília e, no passado, chegou a denunciar o deputado Alberto Fraga por exigir uma propina de R$ 350 mil em um contrato relacionado a uma cooperativa de transportes.
No mundo agrícola, Wanderley ainda é um neófito, mas esse não é o primeiro leilão da Conab de que participa. Procurado por The AgriBiz, o empresário contou que estreou nos certames no ano passado, ao ganhar um leilão em dezembro para comprar milho e entregá-lo aos produtores familiares da Bahia.
“Entreguei as 211 mil sacas de milho para atender produtores afetados pela seca no Nordeste”, contou. De fato, o leilão foi realizado pela Conab, a pedido da CAR (Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional da Bahia).
Agora, Wanderley viu a oportunidade de ajudar a abastecer o mercado de arroz. “Acho que o governo está agindo certo na hora”, defendeu o empresário. Ele ainda não garantiu as compras, mas afirma que já fez uma ampla pesquisa em países como Uruguai, Bolívia, Argentina e Vietnã para importar o cereal. “O arroz vai chegar a perto de US$ 800 por tonelada”.
A reportagem tentou contato com Wisley Souza, sem sucesso. (Colaborou Tatiana Freitas)