“A única função do CEO é levantar dinheiro para as pessoas desenvolverem as tecnologias”. Em um tom de brincadeira, a frase ilustra o espírito do capixaba Fabricio Pezente, um ex-Credit Suisse que se notabilizou no ecossistema de inovação agrícola como um dos melhores empreendedores quando o assunto é levantar capital.
Na sexta-feira, a fintech fundada pelo casal Aline e Fabricio Pezente anunciou uma das maiores rodadas do universo de agtechs brasileiras. A Traive levantou US$ 20 milhões em uma rodada coliderada por Banco do Brasil (por meio de seu fundo de corporate venture capital) e Astella, gestora de investimentos que já era investidora.
A Traive não abriu os demais dados da rodada, mas The Agribiz apurou que a companhia foi avaliada em US$ 84 milhões (post-money), o equivalente R$ 419 milhões considerando a atual cotação do dólar.
Na rodada, o Banco do Brasil, principal instituição no financiamento agrícola, colocou US$ 4,2 milhões, de acordo com fontes que conhecem a operação. Procurada, a Traive informou que as informações financeiras não são públicas, e que, portanto, não poderia comentar os dados.
Além de BB e Astella, alguns dos investidores que já haviam aportado nas rodadas anteriores acompanharam a captação. Entre os sócios da Traive, estão desde firmas de venture capital, com Tiger Global e SP Ventures, até grandes corporações do agro, como Syngenta, FMC e Minerva Foods. A Serasa Experian também é investidora.
Agfintech não é tudo igual
Em entrevista concedida ao The Agribiz em meados de janeiro, Fabricio Pezente defendeu o modelo de funding da Traive, mesclando investidores de tecnologia e CVCs. “Sempre falo com todo mundo. Esse modelo funciona bem”, disse ele.
Na visão do empreendedor, as conexões com diversos tipos de investidores ajudam na construção da Traive dada a necessidade intensiva de capital para criar uma tecnologia proprietária — parte do time de dados e desenvolvimento fica nos EUA, o que dolariza importante dos custos.
Ao abordar o modelo de negócios da Traive, Pezente criticou as generalizações que são feitas sobre as agfintechs no Brasil. “Infelizmente, temos um balde onde se joga tudo o que é agfintechs”, disse. Para ele, nem todas as comparações fazem sentido. “Todo mundo está no crédito agro, mas alguns de forma diferente”, resume.
Enquanto companhias como Agrolend e TerraMagna dão crédito, a Traive quer ser uma provedora de serviços de análise de crédito e intermediação para os agentes do crédito, desde as revendas e indústrias de insumos até os fundos, bancos e gestoras do mercado de capitais.
“A Traive não está dando crédito. Somos o conduíte. É muito diferente a tese de criar o cano e ser o provedor da água”, continua. Nesse sentido, players como A de Agro e Tarken seriam concorrentes mais próximos.
As metas da Traive
Embora tenha sido fundada nos Estados Unidos — onde a cofundadora Aline Pezente trabalhava, antes de deixar a Indigo —, a Traive é uma startup criada para atacar um problema do mercado brasileiro: a digitalização da análise de crédito no campo.
A companhia começou oferecendo um serviço de análise de crédito para revendas, que depois evoluiu para outros players do mercado, mas vai ampliar os serviços em 2024.
Com a aplicação de inteligência artificial, usando modelos próprias que recentemente ganharam o reconhecimento da Association for Computing Machinery (ACM), a companhia acredita que os dados que construiu ao longo do tempo podem ajudar a mudar a lógica como o mercado de capitais financia o agro.
A previsão da Traive é lançar um marketplace de crédito ainda no primeiro semestre, conectando as revendas e indústrias que possuem o cliente — mas precisam liberar capital de giro do balanço — aos fundos que desejam se expor ao agro.
“Já crescemos bastante na base de quem quer vender insumos. Agora estamos indo no lado de quem quer dar o crédito”.
Mercado de capitais
Se tudo sair como o planejado, o marketplace vai dinamizar a concessão de crédito, promete o empreendedor. “O setor vem resolvendo o fluxo de caixa com operações pontuais de mercado de capitais, como CRA, FDIC e Fiagro. São operações pouco escaláveis. Toda vez, precisa fazer do zero”, argumentou.
Com o marketplace, o crédito pode ficar mais rápido e menos engessado, defendeu Pezente. Na plataforma, a Traive fará a avaliação dos créditos para quem ponta quer emprestar. A decisão caba a cada player, até porque há apetite para todo o tipo de risco, do conservador ao distressed.
“Fizemos isso de maneira artesanal em 2023 para testar as águas. Agora queremos escalar”, disse Pezente.
Para dar uma ideia do imenso potencial a ser explicado, Pezente diz que, só os 50 clientes que já são atendidos, poderiam movimentar R$ 50 bilhões em crédito por ano. A Traive quer capturar parte desses montantes com seu modelo de marketplace, além de atrair mais clientes.
Num momento em que o crédito agrícola é motivo de preocupação para muitos players, um reflexo da quebra da safra de soja e da queda dos preços, a Traive aposta que um modelo que oferece análise da qualidade do devedor pode ganhar tração.
“Quando teve problema de crédito ao consumidor nos EUA, as empresas de tecnologia para crédito tiveram um aumento no valuation. As que tinham risco de crédito, naturalmente, foram afetadas”.
Se a história se repetir no agro brasileiro, logo Pezente reativa a máquina da fundraising.
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A Traive monetiza o negócio de duas formas: cobrando uma taxa pelo uso da plataforma de análise de crédito, seu produto inicial, e ficando com um fee sobre a intermediação, o que tende a crescer conforme o sucesso do marketplace.