Poucos anos na história recente trouxeram tantas incertezas como 2020. Num período em que o mundo parou para entender o que aconteceria dali para frente, três amigas se mantiveram em movimento, tomaram coragem e resolveram se unir para criar algo novo.
O projeto não tinha nada a ver com questões sanitárias, mas seguiu outra tendência vista durante a Covid-19: a volta à terra natal depois de anos trabalhando em metrópoles. A cidade em questão é Patrocínio (MG), um dos principais polos de produção de café no Brasil. E a empresa que surgiu de todo esse contexto é a Campo Capital, fintech de crédito que já concedeu mais de R$ 15 milhões em empréstimos — e mira chegar aos R$ 60 milhões em 2024.
“Nosso intuito é trazer o crédito com o melhor custo benefício para o produtor rural”, diz Isadora Caixeta, co-fundadora e CEO da empresa, ao The AgriBiz. Com 11 anos de atuação no mercado financeiro, a executiva passou pelo Banco Indusval, Guide e XP antes de seguir na trajetória empreendedora.
Junto a ela, se uniram as outras duas co-fundadoras: a irmã, Rafaela, publicitária que hoje responde pelo marketing da empresa, e Bruna Aguiar, atual diretora de operações da Campo Capital, arquiteta com formação em negócios. O time ficou completo em 2022, quando se juntou ao time Maria Izabel Daura, hoje gerente comercial da fintech e também conhecida de longa data pelo grupo.
A ideia de formar uma empresa já rondava a cabeça das amigas, mas a decisão de tomar o primeiro passo — e, principalmente, de fazê-lo no setor agrícola — veio a partir da experiência de Bruna, que até então atuava como gerente financeira de uma fazenda de café que pertencia à sua família.
Neste trabalho, a executiva entendeu mais sobre a relação das fazendas com o crédito para o agro e observou uma lacuna no relacionamento de fazendas com os bancos. Dessa lacuna, veio uma série de conversas com Isadora — experiente no mercado financeiro — sobre o interesse de investidores em entrar nessa jogada, como uma alternativa de funding aos produtores.
“Como eu já tinha trabalhado nos Estados Unidos, um mercado de capitais mais sofisticado, consegui vislumbrar uma solução para o que a gente pensava”, diz Isadora. Desde então, as sócias enfrentam um período de intenso aprendizado.
“O nível de consciência do produtor a respeito das dívidas e de como elas impactam o negócio já aumentou muito. De três anos para cá, principalmente, eles passaram a ter mais noção de que precisam se organizar financeiramente. Não quer dizer que eles saibam como fazer isso, o que fornece uma porta de entrada para a nossa atuação. A gente vem batendo muito nessa tecla de conhecimento financeiro e organização financeira das fazendas”, diz Isadora.
O perfil descrito pela executiva reflete principalmente o agricultor mineiro, hoje o único grupo (geograficamente falando) atendido pela Campo Capital. A razão é óbvia: a proximidade física entre as sócias e a região. Antes da quebra de safra no Centro-Oeste, a fintech mapeava uma expansão para a região, mas, diante do cenário mais adverso, os planos foram deixados em segundo plano.
Como funciona?
Para ter acesso ao crédito, produtores vêm até a empresa (ou a fintech localiza esses produtores por meio de parceiros). O critério para cafeicultores é ter um faturamento acima de R$ 1,5 milhão por ano e, no caso de produtores de grãos, acima de R$ 2 milhões por ano. Hoje são atendidos apenas produtores em Minas Gerais.
O principal instrumento usado pela fintech para dar crédito aos produtores é o peer-to-peer lending (em outras palavras, um crowdfunding), um dinheiro dedicado a financiar a dívida das fazendas tendo como títulos as CPRs financeiras.
Apesar do termo estar associado a empréstimos menores, esse não é o caso da Campo Capital. Na fintech, os aportes para as rodadas começam em cerca de R$ 5 mil, com a última rodada tendo um tíquete médio de R$ 20 mil.
Além do critério financeiro, os candidatos a captar recursos passam por uma análise integrada de verificação de análise financeira, técnica, desempenho de produção e do nível de responsabilidade socioambiental que têm, a partir de um motor de crédito criado pela fintech.
A partir disso, a fintech gera uma proposta com a taxa, condições de pagamento e garantias. Com o aval do candidato a captar as dívidas, a Campo Capital abre uma captação junto aos investidores cadastrados em sua plataforma (hoje são cerca de 2 mil pessoas). As operações têm uma remuneração que varia de CDI+2,5% a CDI+6%, em investimentos isentos de imposto de renda.
No meio da crise dos pagamentos de produtores, a Campo Capital se orgulha de não ter enfrentado inadimplência. Todas as operações estruturadas pela casa têm garantias, que compreendem aval dos sócios, alienação dos grãos e, dependendo do caso, alienação da terra — ou de contratos que tenham sido fechados com uma trading, por exemplo.
Mais detalhes do que isso não são divulgados pela empresa. O que a fintech divulga é que não financia mais de 15% do custo de produção e não ultrapassa a marca de 10% da carteira de endividamento da fazenda. Em termos de prazo, o mais comum é seguir o prazo safra, variando de acordo com a cultura. Há exceções, é claro: para alguns emissores, a fintech consegue oferecer linhas de longo prazo, que vão até três anos.
Daqui para frente
Essa é a história de como a empresa chegou a uma carteira de crédito de R$ 15 milhões. Daqui para frente, para chegar na meta de R$ 60 milhões, a fintech mira aumentar a quantidade de formatos de estruturação de crédito disponíveis, com a ajuda de parceiros, que incluem bancos e gestoras (a empresa não divulga todos eles, mas no ano passado tornou pública uma parceria com a Ativa Investimentos).
“No fim, o que nos interessa é trazer a melhor linha de crédito para o produtor, capaz de premiá-lo por ações ambientalmente corretas. Pode ser um Fiagro, um CRA verde, uma LCA verde… Nós nos colocamos no mercado como uma solução de crédito sustentável, que caiba no bolso do produtor e não o impossibilite de crescer. Acreditamos muito nesse ciclo virtuoso e na relação de parceria com produtores”, diz Isadora.
A partir de parcerias, a empresa também deve conseguir aumentar o pool de fazendas que consegue financiar, além de oferecer serviços capazes de ajudar a profissionalizar cada vez mais a gestão dos produtores rurais. O foco é fazer um papel educacional, indo além dos produtores ‘pioneiros’ em ESG que a Campo Capital atende hoje.
“Vemos uma oportunidade enorme. Por enquanto trabalhamos com produtores de vanguarda, que já têm um selo de responsabilidade socioambiental e são expoentes no que fazem. Isso vai aumentar exponencialmente, principalmente considerando a mudança geracional na gestão das fazendas”, diz Rafaela.
Do outro lado, cresce o número de investidores preocupados com o destino do dinheiro deles e como está sendo usado. “Na Campo, você vê os rostos das pessoas, o que estão fazendo e o que vão fazer com recursos, humanizando a relação entre investidores e tomadores de crédito”, afirma a executiva.