Quando o termo fintech sequer existia, Gustavo Foz já antecipava recursos para pequenos produtores de café com o aval de revendas e fabricantes de insumos. O modelo ainda era bastante analógico, exigindo a checagem dos livros físicos dos cartórios para conferir as garantias, mas rendeu experiência para o economista iniciar uma carreira independente.
Há quatro anos, Foz e o sócio Gabriel Santos — amigos desde os tempos de Sertrading — criaram a Culttivo, startup que se propôs a ser a primeira fintech a resolver as dores de tomada de crédito do produtor de café, um perfil de agricultor pouco atendido pelas agfintechs que cresceram nos últimos anos. Entre os players mais conhecidos na cena de agtechs, como TerraMagna e Agrolend, o foco está no crédito a produtores de grãos.
“A cadeia do café tem 300 mil produtores, 85% dos quais são micro, pequenos e médios. É um mercado de R$ 60 bilhões por ano, de R$ 200 mil per capita”, costuma repetir Foz, ressaltando o tamanho e a pulverização de um segmento ainda pouco atendido pelos negócios digitais.
Duas décadas de café
Há duas décadas trabalhando em soluções de crédito no mercado de café, o fundador da Culttivo não imaginava criar a própria fintech quando deixou o banco BI&P, em abril de 2018. A ideia original era montar uma trading para comprar e vender café no mercado brasileiro, aproveitando as relações que construiu ao longo dos anos.
Batizada de Caiena em alusão à capital da Guiana Francesa — de onde veio a primeira muda de café a chegar ao Brasil, no século XVIII —, a trading saiu do papel e já deve movimentar R$ 400 milhões neste ano. Mas em pouco tempo de operação, Foz entendeu que a maior necessidade do produtor estava no crédito.
“Começamos a visitar os produtores para comprar café. E diziam: te conheço há quase 20 anos. A vida inteira você me trouxe crédito. Eles queriam a antecipação de crédito”, lembra o fundador.
Na Caiena, as operações de compra e venda da commodity eram mais simples e não havia funding para o crédito. A solução foi criar um negócio apartado. Assim, Foz e Santos se afastaram do dia a dia da trading para criar uma fintech. Nascia a Culttivo.
Imersão digital
Antes de se embrenharem no mundo das startups, no entanto, os fundadores da Culttivo fizeram uma imersão na aceleradora da Orgânica, onde estudaram desde o funcionamento das rodadas de venture capital à construção de um modelo de negócios com base tecnológica que enderece uma dor relevante.
Da imersão na aceleradora, os fundadores da Culttivo saíram uma espécie de TCC, prontos para testar a tese do crédito digital ao produtor de café. Sem experiência em tecnologia, no entanto, Foz e Santos contrataram uma software house para desenvolver a primeira plataforma da Culttivo. Ali, a tese já estava clara.
“Os produtores são pequenos e médios, espalhados por inúmeras cidades. São cidades com 5 a 10 mil habitantes, onde praticamente todo o PIB é cafeeiro. Essa população não tem acesso à Faria Lima. Minha fintech precisa mudar a vida do elo mais frágil da cadeia. Quero empoderar o produtor de fato”, diz Foz.
Na fase de testes, a Culttivo usou conhecimento dos produtores de café que já possuía para dar crédito para estocagem, ajudando o cafeicultor a manter o produto em momentos em que o preço não é atrativo para vender. O funding vinha de fundos de crédito parceiros. Até o início de 2022, a carteira não passava de R$ 10 milhões.
Os primeiros investidores
Com os testes validados, a fintech do café entendeu que podia entrar no jogo de vez. Para isso, fez a primeira rodada de captação com investidores no fim de 2021, levantando R$ 6,2 milhões em um seed round liderado pela KPTL, firma de investimentos que tem companhias como a Agrotools no portfólio. Na rodada, também participou a Eisa, uma tradicional trading de café brasileira.
Numa segunda tranche, a Culttivo levantou mais R$ 1 milhão e atraiu investidores como Raphael Covre, empresário que vendeu a Casa do Adubo à Nutrien e que passou a fazer parte do conselho de administração da fintech criada por Foz.
Com os recursos da rodada, a Culttivo internalizou a plataforma de tecnologia, criando um sistema próprio e estruturou um funding maior para ganhar escala no crédito aos produtores de café.
O aporte também ajudou a fintech a ir além do empréstimo para estocagem, lançando a linha de crédito de custeio (o principal produto da fintech até hoje). Com o modelo digital, a Culttivo consegue liberar o crédito em até oito dias.
“Como eu empodero o produtor? Tenho mais de R$ 100 milhões de limite pré-aprovado que o produtor não contratou. Ele pode usar meu crédito na compra de insumos na revenda para pagar à vista, reduzindo os custos”.
Os juros das operações da Culttivo ficam próximos de 1,5% ao mês.
FIDC do café
Na Culttivo, o crédito é dado direto ao produtor. A revenda não é avalista, como ocorre em outras agfintechs como TerraMagna e Agrolend. Por conhecer os produtores há muitos anos, a equipe de Foz consegue originar os próprios créditos. Desde o início, o modelo de análise de crédito da fintech já avaliou cerca de R$ 500 milhões em crédito.
Para dar crédito, a Culttivo usa como funding um Fiagro FIDC de R$ 70 milhões, veículo que concluiu a captação em março deste ano. O BV coordenou a emissão das cotas, na primeira operação do antigo Banco Votorantim para crédito direto a cafeicultores.
Com os recursos do FIDC, a Culttivo já conseguiu desembolsar R$ 100 milhões em crédito. O volume é maior que o valor captado porque uma parte dos empréstimos já foi pago de volta ao fundo, o que viabiliza novas concessões.
Para continuar crescendo, no entanto, a startup prepara uma nova captação para o Fiagro FIDC. Agora, a ideia é trazer mais R$ 130 milhões, praticamente triplicando o valor do fundo.
Pioneira no café, a Culttivo precisa crescer até porque não está mais sozinha. Outros players, como a mineira BigTrade, ingressaram recentemente com bastante apetite. O produtor de café agradece.