A casa fica a apenas um quilômetro da Faria Lima, mas a horta de alfaces e o silêncio fariam um visitante desavisado esquecer que está em São Paulo. O clima pacato e o jeito mineiro do anfitrião, com direito a café moído na hora, dão um ar de fazenda a um escritório capaz de receber mais de 40 pessoas.
Ali, funciona a descolada sede administrativa da Arado, startup brasileira que vem mostrando ser possível melhorar o relacionamento entre atacadistas e pequenos produtores de frutas, legumes e hortaliças — sem perder dinheiro.
A agtech é liderada por Victor Bernardino (não por acaso, mineiro de Belo Horizonte), um empreendedor que aprendeu de logística, propósito e inovação em companhias de culturas tão diferentes quanto Natura e Rappi.
Enquanto muitas das startups que se fartavam durante a bonança dos juros extremamente baixos agora sofrem para captar, a Arado acaba de levantar US$ 12 milhões (o equivalente a R$ 60 milhões) numa rodada série A que ajudará o negócio ganhar escala em São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro.
Na rodada, a Arado atraiu a Acre Venture Partners, gestora de venture capital que liderou o aporte. Especializada em agtechs e foodtechs, a firma americana conta com sócios como o badalado chef David Cheng (do restaurante Momofuku) e já investiu em startups como a brasileira Moss, a argentina Agrofy e o unicórnio FBN.
A captação veio junto com uma porção de mudanças no posicionamento da marca, que até ontem não se chamava Arado.
Clicampo agora é Arado
Fundada há dois anos e meio, a agtech atendia pelo nome de Clicampo, mas o rebranding quer facilitar a conexão com as diferentes personas que se relacionam com a startup: dos investidores aos produtores rurais, passando pelos restaurantes e varejistas que compram os vegetais direto da Arado.
“Nossa primeira colheita deu alguns tomates e agora estamos amadurecendo para arar a terra para a próxima safra”, brinca Bernardino, que recebeu The Agribiz na sede da Arado (a Clicasa, apelido que o escritório ganhou).
A alusão ao tomate não é aleatória. A fruta fazia parte do logo da Clicampo, numa referência ao avô do fundador, que foi pequeno produtor de tomate no norte de Minas Gerais. Arado, por sua vez, evoca a uma tecnologia do mundo rural, no melhor espírito dos negócios da startup.
Tecnologia ajuda produtor
Com tecnologia e logística azeitada, a Arado vem conseguindo mudar a lógica do relacionamento com os pequenos produtores. Ao eliminar os diversos atravessadores que compram frutas, legumes e verduras (FLVs) para levar até os distribuidores e as Ceasas, a agtech consegue pagar melhor aos agricultores. Em média, o preço ao produtor aumenta 35%.
Ao mesmo tempo, a Arado chega mais rápido aos restaurantes e varejistas (a startup só opera no B2B e já atende e-commerces que operam no modelo de dark store), conseguindo oferecer um preço competitivo com um apelo socioambiental.
Num mercado de R$ 100 bilhões que é conhecido pelo desperdício, a startup trabalha contra as perdas gigantescas acumuladas ao longo da cadeia de alimentos perecíveis. “Nosso principal concorrente é o desperdício”, diz o fundador.
Os números não deixam mentir. Dados da FAO mostram que, todos os anos, 15% da comida produzida no mundo é desperdiçada. Nas frutas e legumes, o quadro é ainda pior, com mais de 40% dos produtos perdidos nos diversos elos do processo de produção e comercialização.
“Eles estão usando tecnologia para transformar um processo muito arcaico, com uma equipe diferenciada para desafios do mundo real, como logística, armazenagem e capital de giro”, diz Alexandre Stephan, sócio da SP Ventures, uma das investidoras da Arado.
Além do CEO, a agtech é composta por outros quatro cofundadores: Yuri Janotti e Luiza Batista, que conheceram Bernardino na Rappi, Bruno Mengatti (diretor de operações que passou por Wildlife e Uber) e o peruano Jose Noblecilla, que foi diretor de engenharia do unicórnio de games e hoje é o responsável pela tecnologia da Arado.
Margem operacional positiva
Bernardino evita abrir dados financeiros, mas garante que a startup compra de alguns milhares de fornecedores num modelo de negócio rentável. A margem de contribuição da startup é positiva.
Para lucrar e diluir as despesas com vendas, gerais e administrativas (SG&A, na sigla da contabilidade), falta a escala. Por isso, a companhia vai usar o dinheiro da rodada (caixa que deve durar de dois a três anos) para expandir o negócio nas regiões onde já atua.
“Nesse novo mercado de venture capital, ninguém vai captar dinheiro só com base em história. O crescimento não pode ser a qualquer preço. A Arado entende que isso faz parte da evolução da tese e vem mostrando units economics sólidos”, frisa Stephan.
A rodada não trouxe apenas a Acre como investidor novo. Syngenta Ventures e Globo Ventures também ingressaram no captable da Arado. Valor Capital, Maya Capital e SP Ventures, que já eram investidores, acompanharam o aporte. Anjos como os irmãos Glezer (da Agrolend) também são investidores da startup.
“A Arado traz um olhar de criação de valor muito forte, que se combina a um genuíno interesse de apoio a pequenos e médios fazendeiros e varejistas de diferentes portes”, diz Carlos Costa, da Valor Capital.
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Curiosidade: O rebranding da Arado foi conduzido pela Marcas com SAL, mesma agência paulistana que criou marcas como a Raiar, de ovos orgânicos. O projeto da sede da Arado tem a assinatura do escritório Guará Arquitetura.