José Augusto Tomé, o inquieto empreendedor que ajudou a moldar o ecossistema de inovação agrícola no Vale do Piracicaba a partir do Agtech Garage, mergulhou de cabeça no universo da biologia sintética, um projeto que pode torná-lo um dos pioneiros na terceira geração dos insumos biológicos.
Menos de um ano após deixar o hub de inovação adquirido pela PwC com a intenção de se tornar um investidor de startups, Tomé mudou a rota da carreira para voltar ao posto de cofundador e CEO.
A responsável pela mudança é a Bsafe Biotech, startup de biotecnologia criada a partir do encontro entre as pesquisas científicas do biólogo Paulo Ribolla, professor do Instituto de Biociências da Unesp de Botucatu, e a pulsão criadora da argentina GRIDX, uma firma de venture capital que conecta cientistas que estão na fronteira da inovação global a empreendedores com perfil de gestão.
“Acho que o impacto que eu criei no Garage vai ficar pequeno perto disso aqui”, contou Tomé durante um café da tarde com The AgriBiz.
Criada a partir das pesquisas do time pesquisadores de Ribolla nos laboratórios da Unesp de Botucatu, a Bsafe Biotech agora vai migrar para o Parque Tecnológico do município paulista, onde está instalando a estrutura que pode criar os bioinseticidas do futuro. A startup também se tornou residente do Pulse, hub de inovação mantido pela Raízen em Piracicaba (SP).
Num mundo em que o uso de defensivos químicos terá de ser reduzido, a Bsafe Biotech se apresenta como uma plataforma de tecnologia que cria bioinseticidas a partir da construção de moléculas de RNAi.
Em fase de testes, o primeiro produto é um bioinseticida contra o cascudinho, um besouro que infesta as granjas de frangos. A Bsafe Biotech também está avançando nas pesquisas para a criação de um bioinseticida capaz de atacar o psilideo (Diaphorina citri), inseto vetor do greening — a maior praga da citricultura.
Os produtos ainda vão precisar passar pelos registros na CNTBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança), mas Tomé está confiante de que o bioinseticida contra o cascudinho pode andar rápido, obtendo as aprovações necessárias ainda em 2025. Quando estiver em fase comercial, a Unesp vai receber os royalties das vendas.
A revolução do RNAi
O uso de RNAi para a fabricação de insumos biológicos começa a ganhar tração, e vem sendo encarado como uma revolução. Recentemente, a EPA (Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos) deu aval a um bioinseticida contra o besouro da batata, a primeira aprovação de um produto do gênero feito com molécula de RNAi.
O uso agrícola do RNAi é mais um resultado de uma descoberta que é encarada como um divisor de águas para biologia como um todo. Em 2007, a revista britânica The Economist publicou um influente artigo comparando a relevância do RNAi para a biologia à descoberta do nêutron pela física, no século XX.
Basicamente, o RNAi é capaz de anular um ou mais genes importantes para um determinado organismo, o que pode levá-lo à morte — que é justamente o objetivo quando é preciso eliminar pragas nas lavouras. Na medicina, o RNAi poderia anular genes responsáveis por expressar doenças.
Na agricultura, as primeiras tentativas de usar o RNAi para a proteção de cultivos esbarraram no caminho escolhido. Muitos tentaram incluir a molécula nas plantas, o que é um processo bem mais complexo e caro, além de tornar a cultura em questão — milho, soja, feijão ou qualquer outra — geneticamente modificada.
A Bsafe escolheu um outro caminho. A primeira fase é sequenciar geneticamente a praga-alvo — um processo que era proibitivo financeiramente no passado, com um custo perto de US$ 100 milhões, e que se tornou mais viável com os custos hoje em torno de US$ 100 por sequenciamento, segundo a GRIDX.
Feito o sequenciamento genético da praga-alvo, os pesquisadores usam algoritmos para detectar quais gêneses deveriam ser anulados. Com esse resultado, partem para a produção da molécula de RNAi, o que no primeiro momento é feito em laboratório com o uso de bactérias geneticamente modificadas.
A segunda etapa do processo é o pulo do gato. Com a molécula de RNAi produzida, os pesquisadores fazem a multiplicação dela com levedura — a mesma usada na fabricação de cerveja. Como o RNAi é uma molécula muito instável, a levedura inativada o encapsula, dando maior shelf life.
“Acho que vai ser o primeiro produto do mundo produzido nesse formato, em levedura”, aposta Ribolla.
A forma encontrada pela Bsafe também pode ajudar na aprovação dos reguladores, uma discussão que ainda está em curso. Tecnicamente, o bioinsectida da startup não é transgênico.
“Não é transgênico. Essa levedura não vai se multiplicar no meio ambiente porque está morta. É uma construção sintética”, disse o pesquisador. De certa forma, o bioinseticida poderia ser encarado como um derivado de transgênico, uma vez que uma bactéria geneticamente modificada foi usada no início do processo.
O modelo de negócios
Enquanto Ribolla e equipe avançam nas pesquisas, Tomé já se articula para levar a Bsafe à escala comercial. Como um negócio eminentemente de biotecnologia, a startup não vai ter fábricas ou força de vendas.
A ideia é que os bioinseticidas cheguem ao campo por meio de parcerias — gigantes de insumos poderiam licenciar a molécula, sem a necessidade de capital fixo em fábricas e força de vendas.
“Como eu navego bem no mundo das corporate, vamos conversar com alguns players para ter uma parceria estratégia que ajude o produto a chegar mais fácil no mercado”, adiantou o CEO da Bsafe.
No futuro, o desenvolvimento de novos bioinseticidas também pode ser feito em parceria com grandes players da indústria. A startup também quer estar preparada para rodadas de investimentos, com fundos de venture capital gringos ou brasileiros “Temos múltiplas possibilidades para acelerar”, disse Tomé.
Atualmente, a GRIDX é a única investidora financeira da Bsafe. Liderada no Brasil por Francisco Salvatelli, a firma de venture capital conheceu a startup durante a prospecção de cientistas que fez em 2021. Ribolla foi escolhido para fazer parte de uma imersão de três meses e, no fim do processo, recebeu o investimento para levar o projeto adiante.
Com mais de 70 investidas, todas com uma pegada de deep tech, a GRIDX conta com quatro companhias brasileiras no portfólio — a Bsafe foi a primeira. Usualmente, a GRIDX faz um primeiro cheque de US$ 250 mil nos projetos em que investe. A firma ainda pode acompanhar duas rodadas, fazendo um investimento total de US$ 1,5 milhão por ativo, contou Salvatelli.
Desde que foi criada, a GRIDX levantou dois fundos, um de US$ 12 milhões já totalmente investido e outro de US$ 30 milhões, que alocou 50% do total até agora. Nos próximos meses, outros dois projetos brasileiros devem entrar no portfólio.