“Tem tanto bicho na minha roça e você vem trazer mais um?”. Em 2006, o agrônomo e entomologista Marcelo Poletti ainda cortava um dobrado para convencer o produtor rural a testar os defensivos biológicos que a Promip, uma startup ainda desconhecida, vinha desenvolvendo na EsalqTec, a incubadora da mais prestigiosa faculdade de agronomia do País.
Era quase outra era, um tanto inimaginável para os jovens que conheceram o dinamismo dos biológicos durante o boom que multiplicou o capital de negócios como Biotrop e Gênica.
Naquele tempo, os dois cofundadores da Promip — Poletti e Roberto Konno, também entomologista — precisaram criar um negócio quase paralelo, usando a estação experimental da startup para oferecer testes de eficácia de defensivos químicos a outras companhias. Com isso, podiam ter a renda necessária e manter o sonho dos biológicos vivo.
Quase vinte anos depois, os esforços dos dois cientistas estão rendendo frutos. A partir do conhecimento sobre insetos que acumularam ao lodo dos anos, a Promip desenvolveu uma forma de multiplicar, em escala industrial, um baculovírus (inseticida biológico) capaz de combater a lagarta do cartucho, uma praga que prejudica culturas como milho, tomate, batata, entre outros.
A inovação não está propriamente no vírus, que já havia sido isolado por pesquisadores da Embrapa. A grande dificuldade é multiplicá-lo porque isso depende da produção da lagarta, um inseto com características canibais. Sem o inseto, a multiplicação do vírus é inviável.
“É muito difícil produzir um inseto que tem hábito canibal. Um come o outro. Então, tivemos que desenvolver vários mecanismos para produzir em grande escala. Depois que produzimos, contaminamos a lagarta com o vírus, multiplicando-o. É como se a lagarta fosse um biorreator natural”, explicou Poletti ao The AgriBiz.
A rodada da Promip
A inovação fez bem às finanças da Promip, mudando a companhia de patamar. Em 2022, a empresa percebeu o potencial e, para escalar a produção de vírus, levantou recursos ao vender a divisão de serviços à francesa Staphyt. A transação foi um marco de maturidade. Com a venda, a divisão que sustentou os negócios nos primeiros anos ficou no passado, colocando todo o foco nos biológicos.
Em 2024, ano em que atingiu a maioridade, a Promip conseguiu gerar caixa e mostrar ser capaz de entregar uma rentabilidade digna de um negócio de biológicos, chamando atenção de investidores.
Não à toa, a empresa concluiu recentemente uma rodada série A, levantando R$ 20 milhões com um fundo da Finep — agência federal de financiamento à inovação — gerido pela Angra Partners.
O investimento é exclusivamente primário, para fazer o negócio crescer. “Não tem cash out. Todo o capital fica dentro da empresa e mais de 80% será utilizado em aumento de capacidade de produção e P&D”, frisou Poletti.
Com o aporte, o fundo gerido pela Angra ficou com 28,5% de participação, o que dá à Promip um valuation de cerca de R$ 70 milhões. A SP Ventures, gestora de venture capital que apostou na Promip em 2014, é a maior acionista, com aproximadamente 30%.
“A Promip vai construir a maior plataforma de produção de vírus para a agricultura tropical do mundo”, disse Francisco Jardim, fundador da SP Ventures e um entusiasta da tese de investimentos em biológicos.
Jardim se aproximou de Poletti ainda nos tempos de EsalqTec, quando ele era investidor da Bug, uma pioneira companhia de macrobiológicos que quase fez uma fusão com a Promip.
A transação acabou não vingando e a Bug foi vendida à holandesa Koppert em 2017, em um dos primeiros M&As dos biológicos no Brasil, mostrando que a nascente indústria tinha potencial.
Do macro ao micro
Assim como a Bug, a Promip iniciara a trajetória pelos chamados macrobiológicos — aplicação de insetos na lavoura para matar pragas —, uma forma de aplicação mais complexa em campos abertos no Brasil. Na Europa, a tecnologia é bem mais comum pelo uso em estufas de hortaliças e flores.
No Brasil, a Promip foi a primeira companhia a obter um registro de um ácaro predador, que combatia um outro ácaro (o rajado) que ataca cultivos de frutas, legumes e verduras.
Mas a complexidade de aplicação dos macrobiológicos no País (algo que começou a melhorar com o uso de drones), além do prazo de validade curto, fez com esse tipo de defensivos não ganhasse tanta tração por aqui.
Com o tempo, os microbiológicos (à base de bactérias, fungos e, agora, vírus,) se mostraram mais adaptados à agricultura brasileira. Foi a partir deles que companhias como a Biotrop fizeram sucesso.
Agora, com a inovação desenvolvida na multiplicação do baculovírus, a Promip também pode ingressar nesse universo, o que mudou seu patamar de crescimento. Atualmente, o vírus já é o carro-chefe de vendas.
Para escalar o negócio, a Promip apostou em um modelo menos dependente de equipe comercial, distribuição e concessão de crédito. Com foco no P&D, a companhia mantém parcerias com companhias como Biotrop e Agrivalle, que o comercializam diretamente aos agricultores.
“O Marcelo teve uma sacada linda. Percebendo que para vender insumo na agricultura tem que financiar o produtor, que corre risco de crédito e demanda uma infinidade de capital de giro, ele inovou com o B2B. E isso funciona porque ele tem um processo de produção difícil de replicar”, argumentou Jardim.
Os próximos anos
Com os recursos da rodada, a Promip quer aproveitar o processo produtivo para a produção de outros tipos de vírus, capazes de combater pragas diferentes.
Além da diversificação, a startup vislumbra ingressar na produção de biológicos a partir de bactérias. A multiplicação de vírus, no entanto, continuará como carro-chefe, disse Poletti.
A estratégia passa ainda pelas conexões que a Promip vem conseguindo criar com o agricultor. Em 2019, a startup criou uma certificação de boas práticas agronômicas batizada de MIP Experience, que leva o selo de uma joaninha. Recentemente, a certificação foi reconhecida pelo Ministério da Agricultura.
O próximo passo é ter os produtos dos agricultores que conseguiram o selo da joaninha nos supermercados. O Carrefour deve ser o primeiro. “A dona de casa pode estar mais segura com relação a esse alimento”, resumiu Poletti.
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MIP, sigla usada no selo e no nome de batismo da startup, significa Manejo Integrado de Pragas, uma forma de cuidar da lavoura usando menos insumos químicos.