No mundo do software, rezamos pela cartilha do Product-led Growth (crescimento baseado em produto, em inglês): inovar rápido, escalar mais rápido ainda, deixar o produto falar por si e, em pouco tempo, os clientes o vendem uns aos outros, sem muito esforço comercial. Mas a narrativa do Product-Led Growth se turva quando sai do Vale do Silício e entra, digamos, no Matopiba ou nas pastagens do meio-oeste americano.
No agronegócio, o Product-Led Growth é uma fantasia. Aqui, onde os relacionamentos são cultivados com tanto cuidado quanto as safras, apenas o Relationship-Led Growth (crescimento baseado em relacionamentos, em inglês) tem chance de prosperar.
O agronegócio é pulsante e visceral. Não há separação entre uma boa colheita e um bom ano, ou entre uma safra decepcionante e um ano de dívidas. Essa dinâmica de negócios significa que o sucesso é conquistado na linha de frente, entre pessoas. O software pode ser a ferramenta, mas os relacionamentos e a confiança são os catalisadores.
As tecnologias, especialmente as digitais, precisam de pouco contato pessoal com seus clientes, mas a agricultura é prática, baseada em confiança e orientada por relacionamentos. Produtos agrícolas — insumos para cultivo, maquinário ou inovações em nutrição animal — exigem um conhecimento minucioso do solo local, clima, manejo e diversas variáveis que demandam confiança e investimento pessoal das empresas.
A agricultura é tanto arte quanto ciência; não dá para simplesmente conectar e usar como o mais recente aplicativo de mídia social viralizando por aí. Não se pode simplesmente implantar o produto mais novo e esperar que ele funcione perfeitamente. Não se pode simplesmente esperar que a curva-J virá de investimentos em Facebook e Google Ads. O cenário no campo é dinâmico e volátil, e os ciclos de produto exigem compreensão e colaboração, não apenas recursos.
No agronegócio, os usuários não correm para o seu produto porque você encontrou um atalho de crescimento ou otimizou um novo recurso. Eles confiam nele porque confiam em você. Então, enquanto o Product-Led Growth pode fazer algum impacto nos early-adopters, a adoção em massa é a peça que falta no agronegócio — uma lacuna que só pode ser preenchida por relacionamentos duradouros baseados na confiança. O crescimento baseado em relacionamentos não escala tão rápido, mas escala de forma mais ampla e profunda, com raízes que não se arrancarão na próxima crise econômica.
Investidores perseguindo negócios de crescimento exponencial precisam de ajuda para entender o Relationship-Led Growth. Nos corredores da Universidade de Stanford, no coração do Vale do Silício, “escalar” significa rápido e furioso; significa reduzir a zero o tempo entre um novo cliente e um cliente lucrativo, deixando as atualizações de software fazerem a maior parte do trabalho do time comercial.
Mas e o Relationship-Led Growth? Isso é lento, trabalhoso e artesanal. Investidores têm dificuldade em aceitar a ideia de um “atraso estratégico” — investir em relacionamentos, suporte de campo e na capacidade de manter conexões pessoais — porque isso estende o prazo de retorno do investimento. O Relationship-Led Growth é feito para o agronegócio em mais de um sentido: é sazonal, é paciente e é sustentável. A recompensa? Um setor global de US$ 12 trilhões, onde o Brasil compete para vencer em quase todas as frentes.
O Relationship-Led Growth compensa ao longo de um ciclo mais longo, e o faz com menos perda de clientes. Quando os produtores confiam em um fornecedor, eles não compram apenas uma vez — eles constroem uma parceria que se estende por ciclos de cultivo, volatilidade do mercado e economias em baixa.
Quando investidores de outros setores da economia começarem a reconhecer que o agronegócio não é delivery de comida, aluguel de apartamento ou aplicativo de carona e que o caminho para a escala real no campo passa pelos relacionamentos, eles deixarão de tentar encaixar a agricultura nos modelos do Vale do Silício e começarão a abraçar a atratividade do “crescimento lento” que leva a retornos muito mais resilientes.
Uma coisa é um produto ser vendido, outra é um produto ser confiável e adotado. A adoção no agronegócio é profundamente pessoal, incremental e leva tempo. Os agricultores são avessos ao risco (suas margens exigem isso) e é improvável que mudem para um novo produto apenas com a promessa de um conjunto de recursos mais amigáveis. Eles querem saber se funcionará para sua terra, seu rebanho, seu bioma e seus funcionários.
O case da John Deere
No agronegócio, onde os riscos são tão tangíveis quanto uma bota suja de barro, a John Deere é um exemplo de Relationship-Led Growth. Por quase dois séculos, essa marca icônica transcendeu a mera venda de maquinário, incorporando-se ao próprio folclore das comunidades agrícolas em todo o mundo. O sucesso da John Deere não se deve apenas à qualidade de seus tratores ou colheitadeiras; está enraizado no compromisso inabalável da empresa com seus clientes.
Durante a Grande Depressão dos anos 1930, os produtores americanos enfrentaram um pesadelo econômico. Os preços das commodities despencaram à medida que a demanda caiu, deixando-os com pouca renda para se sustentar. Muitos produtores não conseguiam pagar por seus equipamentos, levando a uma ampla retomada de posse.
Enquanto a John Deere poderia ter se juntado a outras empresas na busca agressiva pela retomada de equipamentos dos produtores em dificuldades, ela optou por uma abordagem diferente. Reconhecendo as dificuldades enfrentadas por seus clientes, a John Deere trabalhou para acomodá-los, muitas vezes permitindo que os produtores adiassem os pagamentos e evitassem a perda dos equipamentos.
Essa empatia rendeu à John Deere um grau de lealdade e respeito entre os agricultores que beneficiaria a empresa a longo prazo. Ao manter seus equipamentos nas mãos daqueles que precisavam, a John Deere manteve sua base de clientes e integridade da marca, mesmo que isso significasse sacrifícios financeiros a curto prazo.
No Brasil, marcas como a centenária Kepler Weber, líder em armazenagem de grãos, e a tradicional Rehagro, líder em educação no agronegócio, foram construídas através do relacionamento, confiança e cuidado com o produtor, geração após geração.
No Relationship-Led Growth, o produto é apenas um meio para solidificar o vínculo. Quanto mais valor as empresas oferecem por meio de serviços personalizados, conselhos customizados e responsabilidade pessoal, mais forte se torna o relacionamento — e mais provável que o cliente permaneça leal através de flutuações de mercado, descontos de concorrentes e até mesmo erros.
Adotar uma abordagem Relationship-Led Growth vem com concessões financeiras de curto prazo, mas gera ganhos de longo prazo que as empresas focadas em Product-Led Growth não podem replicar. Quando os clientes não são apenas compradores, mas parceiros, eles fornecem feedback, testam inovações e oferecem um ecossistema de crescimento muito além de uma transação única. Isso não apenas cria um fluxo de caixa mais resiliente, mas estabelece a marca como um elemento essencial na vida dos clientes.
Para os acionistas, o Relationship-Led Growth gera lucratividade com resiliência. Há uma razão pela qual os agricultores americanos ainda usam bonés da John Deere de décadas atrás: a lealdade na agricultura é difícil de conquistar e é passada adiante. Um cliente conquistado através do relacionamento não tem prazo de validade curto; ele está comprometido a longo prazo.
Portanto, para o capital em busca de saídas rápidas e empresas tentando replicar no agronegócio modelos de crescimento do TikTok, a agricultura precisa de investidores pacientes, operadores empáticos e relacionamentos sustentáveis.
Não há algoritmo para confiança e nem atalho de crescimento para reputação.
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Pedro Peixoto é sócio da gestora Tarpon 10b e membro do conselho de administração da Rúmina, Rehagro e 3RRibersolos