Opinião

Por que a inovação agrícola é um pilar para a resiliência climática

A agricultura se destaca, dentre os setores econômicos principais, como o mais vulnerável aos choques climáticos adversos

Agricultura inovação agrícola

Os riscos climáticos na América Latina são diversos e altamente impactantes no sistema alimentar. A agricultura se destaca, dentre os setores econômicos principais, como o mais vulnerável aos choques climáticos adversos.

A América Latina representa cerca de 23% das terras agrícolas mundiais e responde por aproximadamente 14% da produção alimentar global. Em termos de PIB, o Banco Interamericano de Desenvolvimento estima que a indústria agroalimentar representa aproximadamente 15% da produção total da região, sendo o Brasil, o México e a Argentina os maiores contribuintes.

Além disso, a agricultura sozinha responde por cerca de 20% do emprego total da região. O setor agrícola emprega mais de 18 milhões de pessoas no Brasil, sendo responsável pela renda de milhões de famílias.

No Brasil, as mudanças climáticas apresentam inúmeros desafios, incluindo secas e desertificação, inundações e eventos extremos, aumento de temperaturas e ondas de calor, os quais geram impactos negativos significativos na produtividade agrícola e riscos para as comunidades costeiras.

Esses desafios afetam não apenas os ecossistemas, mas também a produção agrícola e a segurança alimentar, exigindo a implementação de políticas e medidas de adaptação e mitigação. Entre estes, os dois principais riscos, que também são relevantes para outros países da região, se destacam:

Secas e desertificação: Mudanças nos padrões de precipitação podem levar a secas prolongadas e desertificação, impactando a agricultura, os recursos hídricos e a segurança alimentar. De acordo com o IPCC AR6, os dias consecutivos secos na América do Sul devem aumentar de 28 para 88 até 2100.

Aumento de temperatura e ondas de calor: Temperaturas médias mais altas e ondas de calor mais frequentes e intensas podem afetar diretamente as plantas, reduzir os rendimentos das culturas e impactar a qualidade dos produtos agrícolas, colocando em risco significativo a renda dos agricultores. De acordo com o IPCC AR6, as temperaturas na América do Sul devem aumentar de 2 a 5ºC até 2100.

Na América Latina, os pequenos e médios produtores enfrentam maior vulnerabilidade aos impactos das mudanças climáticas, não apenas devido à interconexão entre os resultados das culturas e o clima, mas também devido ao acesso limitado a recursos. Nesta região, a economia está profundamente ligada à cadeia do agronegócio e desempenha um papel fundamental na segurança alimentar global.

Com base nos principais riscos, os seguintes impactos já estão sendo observados em toda a região.

Aumento de secas e desertificação: Secas prolongadas e desertificação reduzem a disponibilidade de água para irrigação e uso agrícola, levando a uma diminuição na produção de culturas e pastagens. A escassez de água também pode resultar em perda de rendimento e qualidade das culturas, além de aumentar os custos de produção devido à necessidade de medidas de mitigação, como sistemas avançados de irrigação. Além disso, a desertificação pode levar à degradação do solo, reduzindo sua capacidade de suportar a agricultura a longo prazo, impactando a renda do agricultor e tirando a principal fonte de renda de milhões de famílias.

Aumento de temperatura e ondas de calor: Temperaturas mais altas e ondas de calor podem afetar diretamente as plantações, reduzindo sua taxa de crescimento, diminuindo a produtividade e a produção de frutas, grãos e hortaliças, e afetando a qualidade dos produtos agrícolas. Além disso, as ondas de calor intensas podem levar a estresse térmico em trabalhadores agrícolas e gado, resultando em diminuição da produção de leite e carne, bem como aumento na incidência de doenças e mortalidade animal. Em geral, o aumento das temperaturas tem um impacto significativo na resiliência dos agricultores devido ao aumento de custos, perda de produtos e diminuição das condições de trabalho no campo.

Imprevisibilidade climática: A imprevisibilidade do clima é um desafio significativo para os agricultores, pois dificulta a antecipação e o planejamento adequado das atividades agrícolas. Mudanças repentinas nas condições climáticas, como chuvas intensas, secas prolongadas ou eventos climáticos extremos, podem impactar negativamente as culturas e a produtividade agrícola. Isso pode resultar em perdas financeiras, redução na qualidade dos produtos agrícolas e até mesmo escassez de alimentos. Além disso, a imprevisibilidade do clima dificulta a implementação de práticas agrícolas sustentáveis e a adoção de medidas de adaptação a longo prazo.

Aumento da incidência de pragas: As mudanças climáticas, causando alterações nos padrões de precipitação, aumentos de temperatura e do surgimento de pragas e doenças, representam ameaças significativas à agricultura. Chuvas irregulares ou extremas podem danificar o plantio, a germinação e o desenvolvimento das culturas, levando a colheitas fracas ou fracassadas. Temperaturas mais altas podem facilitar a propagação de pragas e doenças e exigem medidas de controle adicionais e aumentam os custos de produção, além de reduzir a renda dos agricultores. Além disso, a redução da produtividade agrícola pode levar à escassez de alimentos e aumento de preços, afetando a segurança alimentar das populações locais e globais.

Por que inovar é preciso

Em geral, esses impactos ressaltam a importância de adotar práticas agrícolas sustentáveis, investir em tecnologias de adaptação e mitigação e implementar políticas eficazes de gestão de recursos naturais para garantir a resiliência do setor agrícola diante dos desafios impostos pelas mudanças climáticas.

Em toda a América Latina, várias intervenções estão em andamento; no entanto, muitas são apenas acessíveis e já aplicadas por grandes empresas e produtores, mas não chegam aos pequenos e médios produtores ou mesmo aos fornecedores de grandes empresas devido aos altos custos e à dificuldade de acesso ou implementação.

Entre as principais intervenções estão:

Melhorias na gestão da água: Isso envolve o desenvolvimento e a implementação de práticas de conservação da água, como sistemas de irrigação mais eficientes, técnicas para reter água no solo e reciclagem de água.

Desenvolvimento de culturas resistentes: Pesquisas estão sendo realizadas para desenvolver variedades de culturas mais resistentes à seca, ao calor e a pragas específicas. Isso envolve técnicas de melhoramento genético e a seleção de plantas que possam prosperar em condições climáticas adversas, aumentando a resiliência da agricultura às mudanças climáticas.

Adoção de práticas agrícolas sustentáveis: Os agricultores estão sendo incentivados a adotar práticas agrícolas sustentáveis, como rotação de culturas, plantio direto, culturas de cobertura e agrofloresta. Essas práticas ajudam a melhorar a saúde do solo, aumentar a retenção de água e reduzir a erosão, contribuindo para a resiliência do sistema agrícola.

Uso de tecnologias de gestão e monitoramento: A implementação de sistemas de monitoramento climático e previsão do tempo ajuda os agricultores a se prepararem para eventos climáticos extremos, como secas e tempestades, permitindo o planejamento antecipado das atividades agrícolas e a adoção de medidas preventivas. Além disso, os sistemas de gestão auxiliam na aplicação de melhores práticas, como a agricultura de precisão.

Como mencionado anteriormente, o principal desafio encontrado em todas as intervenções reside na inclusão de pequenos e médios agricultores e na democratização da tecnologia, especialmente em mercados emergentes e sistemas agrícolas tropicais.

Reconhecemos que as três principais lacunas são baseadas em:

Acesso a recursos e tecnologias: Nem todos os agricultores têm acesso igual às tecnologias e recursos necessários para enfrentar os desafios das mudanças climáticas. Isso inclui acesso limitado a sementes resistentes, sistemas de irrigação modernos, ferramentas digitais de agricultura amigáveis ao clima, infraestrutura agrícola resiliente, insumos biológicos e informações climáticas precisas.

Treinamento técnico e educação: O treinamento técnico e a educação dos agricultores sobre práticas agrícolas sustentáveis e adaptação às mudanças climáticas ainda são limitados em muitas regiões. Muitos agricultores podem não estar cientes das melhores práticas disponíveis ou podem enfrentar barreiras para implementá-las devido à falta de conhecimento ou habilidades.

Financiamento e investimento: O financiamento e o investimento em medidas de adaptação e mitigação das mudanças climáticas no setor agrícola são muitas vezes insuficientes e pouco inclusivos, marginalizando os pequenos e médios produtores, o que dificulta a adoção de tecnologias no campo, insumos alternativos e melhores práticas.

Diante dos desafios iminentes relacionados aos impactos das mudanças climáticas no agronegócio da América Latina e das lacunas citadas, a SP Ventures lançou o AgVentures III, um fundo concebido com o objetivo de investir em tecnologias que abordem esses desafios de forma integrada, com foco e prioridade nos agricultores que fazem parte da base da pirâmide, além de abordar a insegurança alimentar.

Entre os temas estratégicos do fundo, destacamos a construção de uma nova indústria de serviços financeiros, mais inclusiva e resiliente às mudanças climáticas para os agricultores (Agri-fintechs), a aceleração da transição da agricultura baseada em química para um sistema baseado na natureza com insumos biológicos, a digitalização das cadeias de suprimentos em um sistema mais justo e adaptável a choques climáticos, e o empoderamento dos agricultores com soluções digitais de agricultura amigáveis ao clima e acesso ao conhecimento.

Agri-fintech: Agri-fintechs desempenham um papel crucial em habilitar e melhorar a resiliência climática e promover a adoção de práticas mais eficientes e sustentáveis. Produtores de pequeno e médio porte, particularmente vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas, têm sido privados de acesso a crédito e serviços e ferramentas de gerenciamento de risco. Eles se beneficiam enormemente do acesso ao crédito, permitindo-lhes adotar tecnologias que aumentam a produtividade, reduzem a dependência de produtos químicos e melhoram a resiliência diante de condições climáticas extremas. Os credores tradicionais começaram a falhar à medida que enfrentamos uma maior incerteza no risco climático, criando assim um gargalo significativo para a segurança alimentar. A agricultura é uma das atividades mais intensivas em capital de giro no mundo, com longos ciclos de produção e pagamento. Construir uma nova indústria de serviços financeiros inclusiva e impulsionada pela tecnologia para os agricultores é fundamental para a resiliência e adaptação climática.

Biológicos: Alternativas biológicas ao uso de produtos químicos e nitrogênio são ferramentas cruciais para melhorar a saúde do solo, reduzir a dependência de produtos químicos e aumentar a produtividade agrícola. Ao mesmo tempo, a indústria de biológicos tem investido em soluções voltadas para a agricultura regenerativa, impactando diretamente a melhoria da resiliência climática.

Sistemas de gestão: Ao empoderar os produtores para tomar decisões informadas, os sistemas de gestão desempenham um papel crucial no aumento da eficiência e produtividade, aumentando a resiliência climática. Além disso, armados com informações detalhadas sobre suas fazendas, os produtores podem monitorar de perto o impacto das mudanças climáticas em suas terras e adaptar suas práticas de maneira mais eficaz.

Marketplaces e Tecnologia da Cadeia de Suprimentos: Ineficências significativas na cadeia de suprimentos resultam de um excesso de intermediários, impactando os preços dos produtos, dificultando o fluxo de dados e levando ao aumento das emissões de gases de efeito estufa e a taxas mais altas de perdas de alimentos e produtos. Os marketplaces abordam essas ineficiências, desempenhando um papel crucial na criação de uma cadeia de suprimentos justa, reduzindo as taxas de perda de alimentos e criando uma cadeia de suprimentos mais sustentável, essencial para a segurança alimentar. Cadeias de suprimentos digitalizadas são mais responsivas e adaptáveis a eventos climáticos adversos.

Acreditamos que, por meio do empreendedorismo, da inovação e da tecnologia, podemos transformar significativamente o sistema alimentar para torná-lo mais acessível, inclusivo e sustentável, levando, em última instância, à desmarginalização da população rural com impactos sociais positivos significativos, como:

Criação de empregos: O agronegócio, ao investir em tecnologias e práticas mais eficientes, pode gerar mais empregos no campo, proporcionando emprego para a população rural e melhorando as condições de vida e a resiliência climática nessas comunidades.

Desenvolvimento de comunidades rurais: O agronegócio pode desempenhar um papel crucial no desenvolvimento das comunidades rurais ao fornecer infraestrutura e acesso a serviços básicos, contribuindo para a criação de ambientes mais sustentáveis, resilientes ao clima e inclusivos.

Transferência de conhecimento: O agronegócio moderno envolve práticas avançadas em gestão, tecnologia e sustentabilidade. A transferência de conhecimento e tecnologia do setor para a população rural pode capacitar as comunidades locais a melhorar suas práticas agrícolas e aumentar a produtividade e a adaptação às mudanças climáticas.

Acesso ao mercado: Integrar pequenos agricultores ao agronegócio pode proporcionar acesso a mercados mais amplos, aumentando a renda das comunidades rurais vulneráveis impactadas pelas mudanças climáticas. Isso pode ser alcançado por meio de parcerias, cooperativas ou programas de desenvolvimento agrícola.

Sustentabilidade ambiental: O agronegócio também pode desempenhar um papel importante na promoção da sustentabilidade ambiental. Práticas agrícolas sustentáveis ajudam a preservar os recursos naturais, garantir a produtividade a longo prazo e aumentar a resiliência climática, beneficiando tanto os agricultores quanto o meio ambiente.

Em conclusão, enfrentar os desafios multifacetados impostos pelas mudanças climáticas na agricultura da América Latina requer esforços colaborativos, soluções inovadoras e estratégias inclusivas. Priorizando as necessidades dos pequenos e médios agricultores, investindo em práticas sustentáveis e aproveitando os avanços tecnológicos, podemos construir um sistema alimentar mais resiliente e equitativo.

O fundo AgVentures III da SP Ventures representa um passo nessa direção, visando empoderar os agricultores, aumentar a resiliência climática e garantir a segurança alimentar para as gerações presentes e futuras. Juntos, continuamos a promover a inovação agrícola como um pilar para a resiliência climática e a segurança alimentar, fomentando a prosperidade de todas as partes interessadas no diversificado cenário agrícola da América Latina.

***

Juliana De Podestá é Head de ESG e Impacto na SP Ventures