Germoplasma

Genética made in Cerrado: Como a Caraíba quer chacoalhar o mercado de sementes

Depois de investir por mais de duas décadas no banco de germoplasma, Caraíba faz ofensiva para ganhar escala e chegar a R$ 1 bi em vendas

Há 26 anos, um pequeno empresário de Goiás decidiu se aventurar em um mercado dominado por grandes (e ricas) multinacionais. José Buffon, então dono de uma distribuidora de insumos agrícolas, queria ter o controle de qualidade das sementes que vendia.

Depois de fazer carreira em uma multinacional de químicos e de obter sucesso em seu próprio negócio de distribuição, Buffon começou a identificar demandas do agricultor que estruturas maiores e mais engessadas poderiam ter dificuldade em atender. “Bora montar um negócio de sementes”, conta o filho, Felipe Buffon, parafraseando o pai. Ali nascia a Caraíba Genética, um investimento de décadas em pesquisa e desenvolvimento.

As primeiras sementes com a genética Caraíba começaram a ser vendidas há pouco mais de cinco anos. Agora, a empresa está pronta para finalmente colher os frutos de seu longo investimento em P&D. A meta é ambiciosa: atingir uma receita de R$ 1 bilhão até 2027, o que significa um crescimento exponencial em relação aos R$ 100 milhões faturados no ano passado.

Semente de soja
Mercado brasileiro de sementes movimenta cerca de R$ 25 bilhões por ano e é liderado pela goiana Boa Safra | Crédito: Shutterstock

“Queremos uma nova Caraíba”, afirma Thomas Britze, vice-presidente da empresa, um executivo com 40 anos de bagagem no agro, a maior parte deles em multinacionais que sempre se destacaram nesse setor. Só na Bayer, Britze trabalhou durante 25 anos e foi presidente da CropScience no Brasil. Sua história com a Caraíba começou no conselho. “Mas a química foi tão boa que decidimos fazer mais”, conta o alemão.

Britze assumiu a vice-presidência em junho para ajudar os filhos do fundador — Felipe, atual CEO, e Mariana Buffon, diretora administrativa — a levar a Caraíba a outro patamar. Com um germoplasma próprio desenvolvido durante mais de 20 anos, a Caraíba está fortalecendo a área comercial para crescer além de Goiás e Mato Grosso, onde já trabalha com vendas diretas a produtores. A empresa está montando um time de vendas para atender a região de São Paulo e Minas Gerais, e o próximo objetivo é o norte e nordeste.

“Ainda estamos engatinhando no marketing comercial, é onde o Thomas (Britze) vai nos ajudar a escalar”, afirma Felipe Buffon — o pai está afastado do dia a dia da empresa. Em julho, a Caraíba iniciou um projeto desenvolvido pela consultoria Multcom para criação de uma nova identidade, fortalecer a marca e melhorar acesso a mercados.

Parcerias

A empresa, que nasceu como distribuidora de insumos em 1973, tem revendas em todas as regiões do país, mas está interessada em parcerias com os grandes nomes que estão liderando o processo de consolidação nesse setor (Lavoro e Agrogalaxy são as maiores) para ganhar escala.

“Somos uma empresa ainda desconhecida porque estamos em um setor dominado por gigantes agrícolas, mas entendemos que tem uma parcela do mercado procurando alternativas. Muitos clientes trabalham com um ou dois fornecedores só. Temos grandes chances de ser o terceiro fornecedor”, diz Buffon.

Quando se coloca em perspectiva o tamanho do mercado brasileiro de sementes, estimado em cerca de R$ 25 bilhões, a meta de faturamento da Caraíba torna-se mais realista. Se atingir seu objetivo, teria uma participação de mercado de aproximadamente 4%.

Ipê do Cerrado


“O grande diferencial da Caraíba é ser uma empresa nacional com produtos tropicalizados”, diz Britze. É a única que desenvolve as sementes em solo, clima e doenças típicas do Cerrado. Não à toa, o nome Caraíba remete ao “ipê do Cerrado”, o ipê amarelo típico da região.

Embora as empresas estrangeiras façam inúmeros testes de suas tecnologias no Brasil, os produtos são desenvolvidos em centros de pesquisa fora do país. Isso faz a diferença, segundo Buffon. “O resultado é uma produtividade superior em momentos de stress climático em comparação com produtos cuja origem de pesquisa não é brasileira”, diz o CEO. “E não ter frustrações exacerbadas ajuda na perenidade do negócio.”

Os produtores que testaram a tecnologia da Caraíba nesses primeiros anos de mercado — a maioria deles de médio porte — têm destacado a estabilidade produtiva e a precificação “mais justa”, diz o CEO. Além do germoplasma próprio, a Caraíba tem acesso a todas as biotecnologias por meio de parcerias com a Syngenta, Bayer e Corteva.

O licenciamento de seu germoplasma para sementeiras é outra frente de expansão. Hoje, apenas 10% do faturamento vem do licenciamento, negócio com maior potencial de ganhar participação na receita total, segundo Buffon. A venda de sementes de soja por meio de suas revendas e distribuidores parceiros representa 70% do total e o restante vem da comercialização de híbridos de milho — a empresa também atua na multiplicação de sementes desde o plantio até o beneficiamento com a Caraíba Sementes.

No licenciamento, a Caraíba vai precisar competir com gigantes como a argentina GDM (Grupo Dom Mario), dona da genética de um terço da soja mundial. “O germoplasma deles têm bom potencial, mas ainda não um nome forte. Vai precisar de muito trabalho no campo para crescer, e trabalho de campo é exatamente o que a GDM faz melhor”, diz uma fonte do mercado de sementes. Além dos argentinos da família Bartolomé, a brasileira TMG, a americana Stine e companhias como Syngenta e Bayer também atuam nessa área.  

Em multiplicação de sementes, que ainda é o mais negócio relevante para a Caraíba em termos de faturamento, a líder do mercado nacional é a goiana Boa Safra, que pertence à controlada pela família Colpo e fez IPO em 2021. Em Mato Gorsso, os principais players Atto Sementes (a antiga Sementes Adriana) e Petrovina. O Pátria também está entrando nesse mercado para consolidar, como The Agribiz antecipou.

Estratégia

Aquisições são uma possibilidade, mas não o foco para acelerar crescimento. “Estamos olhando possíveis aquisições há alguns anos, mas até o momento não encontramos nada que se encaixe muito bem em nosso negócio”, afirma Buffon.

Também não há planos de capitalização na mesa. “Temos uma condição financeira bastante tranquila. A gente se organizou para esse momento”, diz.

Segundo os executivos, a Caraíba investe R$ 35 milhões por ano em P&D. “Não conheço outra empresa que invista um percentual tão grande do faturamento em P&D”, pontua Britze. Além disso, está ampliando a capacidade de estocagem de milho está sendo ampliada de 250 mil para 1 milhão de sacos, o equivalente a sua capacidade de produção. Em sementes de soja, a Caraíba tem capacidade para produzir 500 mil sacas por ano.

“Estamos em um ano desafiador para a indústria de químicos. Houve uma fricção geral entre fornecedores e clientes. Ao mesmo tempo, notamos que somos muito bem vistos”, diz Buffon. “Tem muita gente buscando alternativas, e estamos nos propondo a ser uma parceria vencedora e duradoura”.