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Para lá de especial: como é produzido o café na maior fazenda da Orfeu

Na Orfeu, 65% do que é colhido vira café especial — os demais 35% são vendidos a preços mais baratos por não terem chegado ao padrão ideal

BOTELHOS (MG) — Para uma repórter acostumada ao concreto da Faria Lima, chegar à fazenda Sertãozinho em um dia ensolarado é um bálsamo aos olhos. As lavouras de café no meio do terreno montanhoso, acompanhadas por um gigante Jequitibá Rosa de mais de 500 anos, oferecem apenas uma pequena compreensão dos 2,4 mil hectares que o terreno possui.

É nessa paisagem bucólica que está situada a maior fazenda da Orfeu Cafés, que pertence ao empresário global Roberto Irineu Marinho e sua esposa, Karen. A empresa tem, ao todo, cinco fazendas próprias e outras duas arrendadas, totalizando 4 mil hectares. Do campo ao copo (ou melhor, à xícara) a jornada é longa e, pelo menos dentro da Orfeu, cada vez mais sustentável e focada em alta produtividade.

A Orfeu comercializa café arábica, incluindo a variedade bourbon amarelo, no mercado interno. Só na fazenda Sertãozinho foram produzidas 17 mil sacas de café no ano passado e, para este ano, estão previstas cerca de 27 mil.

“Depois, a nossa projeção é chegar a mais de 30 mil sacas. A média do Brasil é de 20 sacas por hectare, mas, com nosso nível tecnológico de irrigação, temos de chegar de 40 a 45 sacas por hectare”, diz Lucas Franco, gerente geral da fazenda, ao The AgriBiz

Cumprir esse objetivo depende de um cuidado extenso por todo o ciclo de produção do café. Para começar, trata-se de uma planta perene, com uma lavoura de, em média, 25 anos. Na fazenda da Orfeu, por configurações do terreno em que está situada — mais montanhoso — há partes da lavoura muito mais velhas do que isso, com cerca de 70 anos.

“O café não produz menos ao longo do tempo. Mas, nesse período, algumas plantas vão morrendo. Ou há casos em que é necessário fazer uma poda drástica e é melhor arrancar e plantar de novo. Em média, a cada oito, nove anos, a gente faz uma poda que rejuvenesce a planta, em que você tira todos os galhos e ela começa a colocar ramos novos”, explica Franco.

A poda é um fator essencial para o café, uma vez que o fruto só nasce em ramos novos. Por isso se fala, comumente, na bienalidade do café — ou, no jargão, “safra cem” e “safra zero”. Em média, 30% a 40% da lavoura da Orfeu é podada a cada ano, de olho em garantir o equilíbrio entre galhos novos e galhos carregados de café. 

A Orfeu também tem investido em iniciativas de aumento de produtividade, como a irrigação. Hoje, 60% da área da fazenda conta com esse recurso, o que, somado à altitude da região, traz uma configuração de terreno privilegiada — de acumular mais água e ser mais fresca — para a companhia. E que ajuda a fazenda a ter uma posição de destaque diante do cenário de mudanças climáticas.

Os últimos anos foram um exemplo disso: em 2021, a região passou por uma geada que interferiu na produção de 2022. No último ano, as temperaturas mais altas, especialmente no fim do ano, também derrubaram a produtividade média das fazendas, com os efeitos sendo (ao menos em parte) mitigados na fazenda Sertãozinho.

Prêmio de 50%

Na Orfeu, cerca de 65% do que é colhido vira café especial —os demais 35% são vendidos a preços mais baratos por não terem chegado ao padrão ideal. É um mercado em franco crescimento. Segundo levantamento da empresa Brainy Insights, o valor do setor global de cafés especiais deve chegar a US$ 152,6 bilhões até 2030, representando uma taxa de crescimento de 12% daqui até lá.

Os cafés especiais recebem, em média, um prêmio de 50% em relação ao convencional, com esse preço podendo ser catapultado em cafés de concurso. A Orfeu, inclusive, é dona do recorde de maior preço pago por um café brasileiro na competição Cup of Excellence (o “Oscar” do setor) no ano passado. Um café produzido na Fazenda Rainha, em São Sebastião da Grama, foi vendido por R$ 84,5 mil por saca de 60 quilos. 

O aperfeiçoamento de todo esse processo vem a partir da experiência de longa data da Orfeu no mercado de cafés especiais. A fazenda produz desde 2001, exportando para os Estados Unidos e Europa, países que passaram a cobrar cada vez mais rastreabilidade. 

“Hoje, um café de 90 pontos sem rastreabilidade é gourmet. Mas, no nosso caso, é possível saber, na caixa que vai para o supermercado, tudo que foi colocado naquele grão”, diz Franco.

Para conseguir isso, a fazenda conta com um rigoroso sistema de apontamentos por parte dos colaboradores, que faz com que seja possível voltar no tempo e puxar o dia da torrefação do café, quantos dias aquele lote ficou armazenado, qual é a variedade escolhida, entre outros tópicos.

Regenerativa de berço

A companhia conta com o selo Rainforest Alliance, um dos mais rigorosos no mundo, que atesta que o café foi produzido de forma sustentável, sem a aplicação de defensivos proibidos globalmente. 

“Em uma área desse tamanho, com muita colheita manual, a gente ainda não consegue usar somente bioinsumos. Usamos compostagem e esterco, por exemplo”, diz Franco. Em perspectiva, a Orfeu tem uma única área, de 42 hectares, em que o manejo é feito de forma totalmente orgânica, com o restante sendo feito com uma mistura entre químicos e biológicos. 

Tudo é feito dentro de casa, com uma ampla equipe de agrônomos e especialistas em sustentabilidade contratada pela própria Orfeu. O modelo é uma exceção em uma região dominada por pequenos produtores, que se apoiam em consultores independentes ou nas próprias revendas para conseguir viabilizar processos como esse. 

São muitos produtores com poucas áreas, o que faz com que os consultores de vendas (os profissionais das revendas) tenham uma carteira bem maior na região, podendo ser de três a quatro vezes maior do que a de um consultor no Centro-Oeste, aponta Rafael Santos, gerente de P&D da Agrogalaxy, revenda com forte presença na região. No Sudeste, a rede conta com cerca de 40 lojas.

De olho no futuro — e com uma equipe altamente qualificada — a fazenda também está aperfeiçoando seu programa de zero carbono. O primeiro passo foi dado em 2022, com um inventário, que teve como objetivo contabilizar todas as emissões. Agora, resta comprovar o famoso ‘net-zero’, mais do que focar em comercialização de créditos de carbono. Para chegar a esse ponto, a Orfeu faz um trabalho em parceria com a Agrogenius, startup da região.

“A gente já buscou certificação lá atrás por exigência de clientes, mas tem muita coisa cultural já há muito tempo. A gente já faz rastreamento de café, conservação do solo há muito tempo. É coisa dos avós e que agora está com nome famoso”, diz Franco.

De grão em grão

É de longa data também o cuidado na produção, que garante o título (e o prêmio) de café especial para a Orfeu.

Em uma explicação simples, o café tem três ciclos de maturação: verde, seco e maduro. Tanto o seco como o maduro podem produzir cafés especiais — um cenário oposto para o café verde. Não à toa, a produção na Orfeu busca ter o mínimo possível deste último grupo. 

Os três ‘estágios’, naturalmente, estão presentes em cada colheita. Separá-los depende de uma série de processos, feitos talhão a talhão, no caso da Orfeu. 

Primeiro, os cafés passam pelo lavador (que não lava o café, como o nome sugere, mas só tem como objetivo fazer com que os grãos secos boiem e os demais afundem). Depois, o café passa por uma mesa vibratória, com a finalidade de separar os grãos bons dos chochos ou ocos. Há ainda uma separação por foto eletrônica, para selecionar os melhores grãos de cada talhão. 

Feito esse processo, o café passa pelo despolpador — uma máquina na qual o café ‘maduro’ tem seu grão separado da casca do café. O café ‘despolpado’ é colocado para secar no terreiro.

Quando são colocados para secar, os grãos têm cerca de 60% de umidade. Depois de dois dias sob o sol, eles passam ainda por um secador, a fim que atinjam níveis de 11% a 11,5% de umidade, no fim desse processo. Por fim, os grãos ficam em descanso, com o objetivo de homogeneizar a umidade entre todos eles. 

A Orfeu ainda analisa amostras de todos os bags, depois de todo esse processo, e só então o café é despachado. “Se vier um café ruim da lavoura, você não consegue melhorá-lo. Mas pode vir um café excepcional da lavoura e você consegue estragá-lo no pós-colheita”, resume Franco. Todo o cuidado é pouco para produzir cada vez mais café especial.

*A jornalista viajou a convite da Agrogalaxy