Guerra comercial

O grande porrete de Trump pode se voltar contra os EUA — e beneficiar o Brasil

Os preços da carne bovina nos EUA já bateram recorde mesmo sem tarifa. Com a restrição ao Canadá, restará comprar mais do Brasil

Talvez Donald Trump ainda não saiba, mas as tarifas impostas contra seus principais fornecedores de produtos agrícolas, Canadá e México, podem resultar num aumento das importações do Brasil e encarecer os custos de agricultores americanos, reduzindo a competitividade das exportações dos Estados Unidos.

No ano passado, Canadá e México responderam por 42% das importações agrícolas dos Estados Unidos, que somaram US$ 195,6 bilhões até novembro, conforme dados do USDA.

Essa proporção se repete em mercados relevantes para o Brasil no comércio mundial. Na carne bovina, por exemplo, os dois vizinhos americanos forneceram 37% da carne importada pelos EUA — sozinho, o Canadá respondeu por 22%.

A tarifa de 25% que cairá sobre a carne canadense e mexicana certamente terá impactos inflacionários, já que a produção nos Estados Unidos deve continuar caindo com o rebanho de bovinos no menor nível desde 1951, como mostraram dados do USDA divulgados na semana passada.

Para abastecer o mercado interno, e evitar novas escaladas no já recorde preço da carne, os EUA precisarão continuar importando. Atualmente, as importações representam cerca de 15% do consumo de carne bovina nos EUA, o que pode aumentar diante da restrição do rebanho.

“O Brasil poderia reforçar as suas exportações como uma via de saída para essa pressão inflacionária nos EUA”, disse Lygia Pimentel, CEO da Agrifatto. A carne brasileira, é a mais barata entre os principais fornecedores mundiais, lembrou a colunista de The AgriBiz.

Antes mesmo do tarifaço, a competitividade brasileira e a escassez de oferta nos EUA já vinham puxando as vendas dos frigoríficos nacionais para o mercado americano. No ano passado, as exportações brasileiras de carne bovina para os EUA dispararam 65%, tornando o país o segundo principal importador, atrás apenas da China.

Manter as vendas para os EUA em alta seria um ótimo desdobramento do tarifaço para os frigoríficos brasileiros, que poderiam direcionar parte da carne consumida internamente para os norte-americanos — especialmente num contexto de alta inflação no Brasil, que pode começar a esfriar a demanda doméstica, segundo a CEO da Agrifatto.

Se ganhar mercado dos vizinhos americanos, os frigoríficos brasileiros criarão desafios para as indústrias da Canadá, incluindo players como Cargill e JBS, que também produzem carne bovina em território canadense.

Graças ao acordo de livre-comércio agora rompido pelas tarifas de Trump, o Canadá exportava quase 45% de sua produção de carne bovina, com quase 80% grosso vendido no mercado americano (cerca de US$ 3,5 bilhões)

Suíno e frango

O Brasil também pode encontrar algumas brechas no mercado de carne suína e de frango com a deterioração nas relações entre os países da América do Norte.

Atualmente, o México é o principal destino de carne suína e de frango dos Estados Unidos, respondendo por 33% e 26% do total exportado até novembro de 2024, respectivamente.

Embora a retaliação não tenha entrado em cena até o momento — com o México cedendo às pressões de Trump para obter um mês sem tarifas —, empresas norte-americanas vêm se preparando para um cenário de mais barreiras.

O CEO da Tyson Foods, Donnie King, disse nesta segunda-feira que a companhia tem um plano de contingência para as exportações de carne suína e de frango para o México, buscando alternativas rentáveis de mercado. “Vínhamos nos preparando para isso e, dependendo do que acontecer, vamos nos ajustar”, afirmou King em teleconferência com analistas.

Em tese, o Brasil, principal exportador de carne de frango e quarto maior fornecedor de suínos, pode se beneficiar como uma opção aos EUA.

Fertilizantes

O tarifaço de Trump também deve encarecer o potássio, fertilizante essencial para o  plantio de grãos e que é majoritariamente importado nos EUA. Cerca de 95% do volume demandado nos EUA é importado, com aproximadamente 90% sendo fornecido pelo Canadá, segundo dados do The Fertilizer Institute. O grupo, que representa a indústria de fertilizantes dos EUA, pediu a Trump a não aplicação das tarifas sobre o nutriente.

“Qualquer interrupção no comércio de fertilizantes entre os EUA e o Canadá terá efeitos significativos, não apenas para os agricultores, mas para toda a cadeia de fornecimento de alimentos e para os preços pagos pelos consumidores”, disse a associação em nota.

Nesta segunda, as ações da Mosaic caíram 2,99% na Bolsa de Nova York, enquanto a Nutrien recuou 1,3%. Para analistas, a tarifa de 25% sobre as importações de potássio pode reduzir a demanda dos agricultores americanos, mantendo o excesso de oferta no mercado mundial e pressão sobre os preços internacionais.