O roteiro é mais ou menos conhecido. Uma vez por mês, o detalhado relatório de inadimplência da Nagro roda a Faria Lima — mais especificamente, no círculo dos agrolimers. Os números costumam assustar.
Na semana passada, o ciclo se repetiu mais uma vez. O relatório do Nagro Ghia, o Fiagro FIDC que a fintech mineira mantém com a conterrânea Ghia, mostrou que a inadimplência global do fundo bateu impressionantes 37,1%.
A escalada é ininterrupta há 13 meses, quando a maior parte dos créditos concedidos pelo fundo começou a amadurecer, em meio ao cenário mais duro para a rentabilidade dos produtores.
No relatório, o cenário parece de terra arrasada. A cota subordinada acumula uma rentabilidade negativa de 34,5% neste ano, um reflexo do aperto de margens que atingiu os produtores rurais — não só de grãos, mas sobretudo de leite e gado.
Para os investidores institucionais que aplicaram nas cotas sêniores do Nagro Ghia, não houve problemas até aqui, apesar do tombo da subordinada.
“Acho que o fundo faliu”, ironizou um fundador que acompanha os relatórios do Nagro Ghia.
Será mesmo? Ao longo dos últimos 45 dias, a reportagem de The AgriBiz conversou com diversas fontes próximas à startup e aos investidores em um esforço para separar o que é apenas ruído.
Se é um fato que o Nagro Ghia enfrenta vários reveses, também é digno de nota que a companhia fundada por Gustavo Alves e Leonardo Rodovalho tenha conseguido atrair um investidor do porte da Kinea, a gestora ligada ao Itaú, mesmo enquanto sua inadimplência escalava.
“A Kinea entende muito de crédito. O que será que ela viu na Nagro?”, foi uma pergunta recorrente. Mesmo colocados os desafios do mercado de crédito no venture capital, para uma fonte, a presença da Kinea no captable e da Itaú Asset como cotista dos fundos da startup deveria ensejar um debate mais construtivo. Afinal, é possível que os investidores saibam muito bem o que estão fazendo.
O sweet spot da Nagro
Antes de qualquer consideração sobre o desempenho negativo do Nagro Ghia, é preciso diferenciar o modelo de atuação da startup em relação às fintechs mais conhecidas do agro, como TerraMagna e Agrolend.
Enquanto as concorrentes atuam como parcerias das revendas agrícolas na concessão de funding para a compra de insumos agrícolas — em operações que em geral contam com aval das revendas —, a Nagro vem testando a capacidade de conceder crédito pessoal ao pequeno agricultor, um crédito de mais risco (e, esperava-se, retorno).
A linha de crédito pessoal da Nagro, que pode ser tomada diretamente no aplicativo da startup, funciona como uma alternativa mais barata aos empréstimos convencionais dos bancos. “Essa é a tese. Encontrar o sweet spot”, disse um investidor entusiasta do modelo da Nagro.
Nessa busca, a startup tropeçou na modelagem do risco. Agora, está em uma curva de aprendizagem natural, reconheceu uma fonte próxima à companhia. Para outro investidor, esse não é necessariamente um problema, tendo em vista que a Nagro está testando um modelo que pode ainda trazer muitos retornos no longo prazo.
Quando desenhou o modelo de crédito pessoal, a Nagro esperava ter uma inadimplência de 7,5% a 10%, mas o mundo real pulverizou os cálculos. Os atrasos efetivos nesse tipo de crédito ficaram mais próximos de 15%, disse outra fonte.
Parte disso se deve à compressão de margens dos produtores rurais em várias culturas, mas não só. Em um empréstimo high yield como é a linha de crédito pessoal que domina o Nagro Ghia, as taxas de juros deveriam ser mais altas para comportar uma inadimplência maior.
No jargão do mercado, o excess spread deveria ser maior para fazer sentido. Inicialmente, as operações de crédito pessoal iniciais do Nagro Ghia saíram com uma taxa entre 2,5% e 3,5% ao mês. Agora, a Nagro está calibrando esses juros. O intervalo agora ficou mais alto: 3,2% a 3,8%.
Se encontrar a taxa certa, vai decolar, aposta outro investidor. “Se você entrar num banco e tentar puxar um empréstimo pessoal, vai ver que as taxas são de 4% a 6% ao mês. Então, ainda é uma taxa competitiva”, comenta outro investidor.
A inadimplência
Enquanto calibra os juros, a Nagro manteve o apoio de investidores como a Itaú Asset, que comprou cotas seniores do FIDC inclusive para seu Fiagro (RURA11), e vem se estruturando para voltar a aumentar o Nagro Ghia, fundo que encolheu bastante ao longo dos últimos meses.
“A Itaú Asset vem ajudando bastante e é cotista dos dois fundos da Nagro”, disse uma pessoa próxima à startup, lembrando que os gestores da companhia vêm acompanhando de perto o desenvolvimento da tese de investimentos.
A ideia da Nagro é voltar a fazer captações no Ghia, trazendo o fundo para um tamanho mais saudável. Em maio do ano passado, o fundo chegou a ter um patrimônio líquido de R$ 121 milhões, mas essa cifra veio diminuindo rapidamente desde então, por causa das amortizações ordinárias e extraordinárias. Em 31 de maio, o PL estava em apenas R$ 45,7 milhões.
A redução do patrimônio do fundo, aliás, ajuda a explicar porque o relatório gerencial aponta uma inadimplência tão gigante. Com o fundo menor, a proporção do que estava atrasado (que já era alta e beirou os 15% no crédito pessoal) explodiu, se aproximando dos 40%.
Pode isso, Arnaldo?
O regulamento do Nagro Ghia também ajudou a desequilibrar o balanço do fundo. A velocidade de devolução do capital dos cotistas da mezanino estava mais acelerada do que o ideal, o que desenquadrou a razão de subordinação do fundo várias vezes.
Além disso, o desempenho negativo das subordinadas também intensificou as amortizações do fundo. Com a cota subordinada valendo menos, a participação mínima necessária em relação às demais cotas não foi cumprida, o que provocava devoluções extraordinárias aos cotistas.
Com o fundo desenquadrado, o Nagro Ghia ficou impedido de gerar novos créditos por vários momentos ao longo deste ano. Agora, uma negociação com os investidores parece ter encontrado um caminho.
“De olho em não deixar o fundo sem matéria-prima para trabalhar, veio a proposta de postergar as amortizações programadas”, diz um interlocutor. No mês passado, os cotistas concordaram com uma extensão de prazo de amortização de suas cotas, como mostram documentos arquivados na CVM.
Junto com a proposta de alongar o passivo, a Nagro subscreveu R$ 10 milhões em novas cotas mezanino. Como essas cotas teriam um vencimento curto — o que poderia minar a ideia de uma injeção de confiança no fundo — a carta consulta também aprovou a conversão dessa classe de cotas em cotas júnior, com um prazo de amortização mais longo.
O fundo conseguiu ainda um compromisso de investimento de R$ 1 milhão por parte da Nagro. No frigir dos ovos, caso o fundo volte a ficar desenquadrado, esse dinheiro estará disponível para ser aportado no veículo uma nova chamada de capital.
Novamente enquadrado, o fundo agora esperar começar a trazer os resultados da nova precificação do risco.
A Nagro não é só Ghia
Embora seja uma das alavancas para criar valor, a tese high yield do Nagro Ghia não é a única estratégia e tampouco o único produto.
O software de análise de risco da companhia (AgRisk), que atende revendas e outros fabricantes de insumos, vem crescendo e foi um dos principais motivos pelo qual a Kinea investiu na startup.
Recentemente, a startup obteve a autorização do Banco Central para se tornar uma SCD (Sociedade de Crédito Direto), que vai permitir a construção de outros serviços, como cartão de crédito voltado ao produtor rural.
No crédito, o Nagro também atua em operações parecidas com capital de giro para o produtor — baseada em CPRs ou em notas promissórias —, uma linha mais parecida com as concorrentes TerraMagna e Agrolend.
Em parcerias com revendas ou fabricantes de insumos, a Nagro concede o crédito de custeio ao produtor e ao mesmo tempo detém uma coobrigação das revendas, que se responsabilizam por pagar em caso de atrasos.
Nessa linha, a inadimplência é mais baixa do que o crédito pessoal. “Ali a taxa é bem fica no range de 1,5%, 1,4% ao mês, até no máximo 2%, que é o que o mercado normalmente trabalha ali nessas taxas de CPR”.
Essas operações estão concentradas principalmente no fundo Oikos, estruturado em parceria com a gestora paulistana de mesmo nome e que também é acionista da companhia. Atualmente, o Nagro Oikos conta com um patrimônio líquido de R$ 103 milhões, tendo o Fiagro cetipado da XP (XPAG11) como um dos cotistas — o fundo representa 0,7% do PL.
Analisando o volume originado e a carteira, é possível ver que cerca de 30% dos créditos já venceram desde o início do fundo. A inadimplência média oscila perto de um dígito baixo e 4% — e a rentabilidade da subordinada segue positiva. Um alento.