Cinco meses depois de tomar uma decisão histórica para o mercado de crédito privado, restringindo o lastro de emissões de títulos isentos, como CRAs e LCAs, o Conselho Monetário Nacional (CMN) apertou o cerco mais uma vez. Nesta quinta-feira, o órgão incluiu, nas mesmas regras, as emissões de Certificados de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCAs).
A decisão ocorre na esteira de emissões históricas do título incentivado, como a captação de R$ 8,5 bilhões realizada pelo BTG Pactual (usando a Engelhart, trading que está sob o guarda-chuva do banco). Dias depois, foi a vez da Vamos, locadora de caminhões e máquinas agrícolas, preparar uma emissão de CDCAs.
“A medida visa a aumentar a eficiência da política pública no suporte ao agronegócio, assegurando que esses títulos sejam lastreados em operações compatíveis com as finalidades que justificaram a sua criação. Dessa forma, o CMN reafirma a possibilidade de empresas típicas do agronegócio financiarem suas atividades por meio da emissão de CDCAs”, afirmou, em comunicado, o Ministério da Fazenda.
Na prática, o CMN está limitando a possibilidade de emissão de CDCAs a empresas que tenham mais de dois terços de sua receita consolidada proveniente do agronegócio, assim como fez com os CRAs. A medida não incidirá sobre os CDCAs já distribuídos ou cujos pedidos de distribuição pública já tenham sido protocolados na CVM (Comissão de Valores Mobiliários).
No mercado, o sentimento é de que o CMN foi rápido ao fechar a porta encontrada pelo setor para continuar se beneficiando dos incentivos tributários na emissão de dívidas. A percepção é de que o órgão, presidido pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, também pode ter exagerado na dose ao replicar integralmente a regra dos CRAs para os CDCAs.
“Numa próxima etapa, o mercado deveria fazer um exercício se de fato essa equalização (entre os CRAs e os CDCAs) deve ser pura e simples ou se o CMN poderia diferenciar situações que não deveriam estar nessa vedação, mostrando a necessidade de ajuste da resolução”, Thiago Giantomassi, sócio do Demarest Advogados, disse ao The AgriBiz.
Num aspecto mais amplo, a medida atende à necessidade de arrecadação do governo federal. Na tarde desta quinta-feira, o ministro Fernando Haddad sinalizou a jornalistas que o governo deve enviar nos próximos dias ao Congresso um Projeto de Lei com ajustes em pontos como a Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) e Juros Sobre Capital Próprio (JCP).
Apertando o cerco
A primeira restrição aos títulos incentivados, em fevereiro, foi uma reação do governo a um mercado que explodiu ao longo dos últimos anos. A captação de LCIs, LCAs, CRIs e CRAs, somadas, havia chegado a um estoque de R$ 1 trilhão.
Só foi possível chegar a tamanha cifra por causa de uma decisão da CVM, de 2022, que autorizava os emissores a terem “lastro por destinação”. Ou seja, uma empresa não precisaria pertencer ao agronegócio para se beneficiar dos instrumentos — mas podia fazer captações com esses títulos usando recebíveis do setor, por exemplo.
A situação é diferente no caso dos CDCAs. O estoque desses títulos é muito menor: perto de R$ 31 bilhões, apesar de terem um escopo amplo para emissões —podem emitir CDCAs cooperativas e pessoas jurídicas que exerçam a atividade de comercialização, beneficiamento ou industrialização de produtos e insumos agropecuários ou de máquinas e implementos utilizados na produção. Nesse sentido, aplicar o mesmo cerco a uma classe de títulos que tinha se desenvolvido relativamente pouco até aqui será um ponto acompanhado de perto.
No caso dos isentos restringidos em fevereiro, o efeito do remédio do CMN ficou claro. Dados da B3 apontam que o estoque de LCAs ficou estável em R$ 478 bilhões desde então, enquanto o de LCIs caiu ligeiramente, para R$ 362 bilhões. Em compensação, o estoque de CDBs cresceu 9,5%, fechando julho em R$ 2,3 trilhões.