Quando a Agrogalaxy pediu recuperação judicial e revelou o calhamaço de credores, muita gente se assustou com a exposição de R$ 62 milhões da Agrolend à rede de revendas, o que poderia significar até 20% da carteira da financeira. Mas nem sempre o que parece é.
Exatamente um mês depois, a companhia não só convenceu os investidores sobre a segurança de suas operações de crédito a agricultores, como assinou a maior rodada de investimentos de uma startup ligada ao mundo agro.
A Agrolend acaba de levantar a série C, numa rodada de R$ 300 milhões — o equivalente a US$ 52 milhões — que avaliou o banco digital em mais pouco de US$ 170 milhões (post money), apurou The AgriBiz.
Fundada por um quinteto liderado pelos irmãos André e Alan Glezer e Valéria Bonadio, a Agrolend atraiu investidores de peso. A rodada foi liderada pela Creation Investments, uma firma de private equity de Chicago, e pela Syngenta — maior fabricante de defensivos agrícolas do mundo.
A rodada também atraiu a B3, por meio L4 Venture Builder — uma espécie de corporate venture capital da bolsa brasileira. A Vivo Ventures, veículo de investimentos da Vivo, também estreou no cap table, o que vai proporcionar uma proximidade da Agrolend para financiar projetos de conectividade no campo.
A lista de investidores novos inclui ainda o Nochu Bank, um banco cooperativo japonês especializado no agro e de porte gigantesco, algo como um Sicredi do Japão só que com US$ 1 trilhão em ativos — um montante superior ao do Itaú.
Além dos novos sócios, os investidores que já estavam com a Agrolend desde as rodadas anteriores acompanharam, o que inclui nomes como Lightrock, Yara, Continental Grain, Valor Capital, Provence Capital, Barn e SP Ventures.
Os planos da Agrolend
Em entrevista ao The AgriBiz, os fundadores da Agrolend não quiseram comentar os números de valuation. “Só podemos dizer que os múltiplos foram similares às rodadas anteriores e que é um número materialmente para cima da rodada anterior”, disse André Glezer, cofundador e CEO.
Para ele, muito mais relevante que o valuation é o plano para empregar o capital levantado, que de imediato trará o patrimônio líquido da Agrolend para R$ 500 milhões.
Considerando os níveis de alavancagem permitidos pelo Banco Central, a companhia poderia chegar a uma carteira de até R$ 5 bilhões, mas o estilo conservador da companhia provavelmente só vai levar isso até R$ 2,5 bilhões, e de forma bastante gradual.
“Nosso objetivo é ser um banco conservador e nos vangloriamos disso. A prioridade é não fazer besteira. Se tem uma coisa comum no crédito, é que quem cresce rápido faz besteira. Nós vamos crescer quando tivermos conforto, com bons clientes”, disse André.
Com os recursos da rodada, a Agrolend vai deixar de ser apenas um banco digital que financia o produtor rural. Agora, a companhia vai entrar no atacado, financiando agroindústrias e tradings de médio porte. “Brincamos que seremos o primeiro banco digital de atacarejo”, emendou Alan Glezer, CFO da Agrolend.
No radar da Agrolend, estão companhias de até R$ 5 bilhões de faturamento, uma faixa que enquadraria desde frigoríficos como o Frigol até tradings de médio porte e laticínios como a Alvoar. Com a indústria de Fiagro com dificuldades para captar, a Agrolend pode aproveitar o espaço.
A ideia é financiar capital de giro e necessidades gerais dos clientes corporativos, mas o crédito para investimentos também está nos planos. Se tudo der certo, a Agrolend vai se tornar a primeira financeira a conseguir o aval do BNDES para repassar linhas de investimentos.
O ritmo de concessão de crédito a companhias também vai se dar de maneira gradual. No longo prazo, Alan Glezer acredita que o atacado poderá representar 30% da carteira da crédito da Agrolend, com os produtores ficando com o restante. A depender do momento, no entanto, a carteira corporativa pode chegar a 50%.
A crise das revendas
A chegada da Agrolend ao atacado ocorre também num momento em que a margem das distribuidoras de insumos estão extremamente achatadas, assim como de parte dos produtores de grãos, o público prioritário da companhia desde sua fundação, em 2021.
Usualmente, as revendas parceiras costumam dar aval ao crédito concedido diretamente pela Agrolend para o agricultor comprar insumos agrícolas. Foi isso, aliás, que acabou levando o nome da companhia para a recuperação judicial da Agrogalaxy.
Tecnicamente, no entanto, a rede de revendas não deve para a Agrolend. O cliente que comprou insumos na revenda é quem tomou crédito, dando um CPR financeira em garantia.
Nas operações da Agrolend, não há cessão de recebíveis, mas um crédito direto, explicou Valéria Bonadio, cofundadora e responsável pela gestão de risco da companhia. Além disso, a Agrolend pode contar com o aval das indústrias de insumos de grande porte.
A forma como construiu a estrutura dos empréstimos vem protegendo a Agrolend da exposição direta às revendas, mas isso não evita que a inadimplência tenha crescido um pouco, um movimento que atingiu todo o mercado de grãos.
Atualmente, os atrasos acima de 90 dias estão na casa de 4%, mas já iniciaram uma trajetória de queda. “Estamos muito seguros. A safra de soja foi difícil, mas o milho está indo muito bem, com o recebimento de 95% do histórico”, acrescentou Alan Glezer.
A expectativa da Agrolend é fechar o ano com uma carteira da ordem de R$ 500 milhões, um crescimento em relação aos níveis do meio do ano. Há poucos meses, a carteira estava em R$ 240 milhões.
Além do capital próprio, a emissão de LCAs – títulos isentos de imposto de renda para o investidor – é a principal fonte de funding para a Agrolend. No agronegócio, a companhia é a única fintech autorizada a emitir LCAs.