Tenho trabalhado com precificação e regularização de imóveis rurais há quase uma década e já devo ter lido centenas de laudos de avaliação de terras.
Comecei essa atividade na Jive Investments, onde o grau de dificuldade era ainda maior. Afinal, na maioria dos casos, o imóvel a ser avaliado pertencia a um devedor inadimplente não muito disposto a cooperar e não se podia acessar o imóvel. A avaliação era feita de forma remota e, na melhor das hipóteses, com observações feitas do lado de fora da cerca da fazenda.
Nos últimos anos, a evolução tecnológica tem ajudado demais. Os drones estão cada vez mais fáceis de operar e programar. Além disso, as imagens de satélite mais nítidas (com pixels menores e softwares mais inteligentes). Mas nada substitui uma boa visita in loco! Especialmente quando é possível conversar com pessoal que trabalha na fazenda.
Apesar de tanta evolução tecnológica, noto que muitos laudos de avaliação ainda não contêm algumas informações básicas sobre o ativo.
Muitos laudos atuais têm mais de 100 páginas e chegam até a contar a história da colonização da região ou da cidade mais próxima, mas não informam o roteiro de acesso da cidade até a porteira da fazenda.
O que mais me chama atenção, no entanto, é a quantidade de laudos em que não é informada ocupação da fazenda. Quantos hectares de roça? Quantos hectares de pasto? Não tem no laudo.
Em muitos laudos, aprende-se apenas qual é o total de áreas abertas ou com potencial produtivo versus áreas de interesse ambiental (APPs e Reserva Legal).
Além disso, encontra-se uma tabela que descreve as classes de solos encontrados no imóvel. Cada classe indica uma vocação daquela área e, portanto, seu potencial valor econômico.
Mas quem opera fazenda sabe que há uma distância abismal entre vocação e efetiva ocupação da área com a atividade. Transformar potencial agronômico em produção demanda conhecimento, investimento, aprovações ambientais e muito trabalho!
Outro ponto que chama atenção é quando o laudo informa que a fazenda tem sistema de irrigação, mas não informa se o sistema está operacional. Aliás, em diversos problemas de crédito que temos visto com produtores rurais, parte relevante da alavancagem foi justamente para implantação de irrigação.
Temos sistema de irrigação — pequenos, na verdade — nas fazendas da minha família e posso assegurar que, entre a construção do sistema até seu bom funcionamento, vai bastante tempo, gastos adicionais etc. Então, o laudo necessariamente deve informar se a irrigação funciona.
Por último, vale prestar muita atenção na composição das amostras de preços utilizadas para atribuir o valor das terras. Não é incomum ver avaliações de fazendas grandes cujas amostras de preços são derivadas de negócios envolvendo imóveis pequenos ou com perfis muito diferentes.
Para não alongar mais este artigo, arrisco-me a elencar abaixo algumas informações fundamentais que deveriam sempre constar dos laudos e muitas vezes não são incluídas no material:
- A documentação está em ordem? Consta georreferenciamento na matrícula?
- Consta roteiro de acesso para se chegar à fazenda? O laudo mostra quando há mais de uma entrada na fazenda?
- O laudo informa claramente a ocupação atual da fazenda?
- Se tiver sistema de irrigação no imóvel, o laudo informa se está funcional e qual área irrigada e estimativa de vazão do sistema?
- Há comentários fundamentados sobre o grau de liquidez da área, incluindo expectativa do tempo de venda?
Se você não encontrar essas informações no laudo, caro investidor, é importante questionar.
Como se sabe, ninguém deve dar crédito olhando apenas a garantia, ainda mais num país em que o Judiciário tem tornado quase tudo cada vez mais incerto
Mesmo assim, se há garantia, é fundamental ter uma boa noção do quanto vale.
***
Ruy Toledo Piza é head do jurídico e sócio da gestora Augme Capital. Advogado especialista em produtos estruturados e agronegócio, é formado em direito pela Universidade de São Paulo e administração pública pela EAESP FGV, com pós graduação LLM pela University of London.