ANÁLISE

Brasília-Faria Lima: A cilada da renegociação das dívidas rurais

Com Fiagros negociando abaixo do valor patrimonial, ritmo de captações pode cair

Derrocada dos preços agrícolas, disparada nos pedidos de recuperação de judicial de produtor rural e pedidos de renegociação das dívidas rurais. Para quem acompanha as manchetes e investe em Fiagros, é difícil não se assustar.

No Congresso Nacional, expoentes da bancada ruralista – representada pela Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) — exortam o Ministério da Agricultura a articular uma linha de crédito para a renegociação.

Antonio Galvan, o estridente presidente da Aprosoja Brasil, chegou a dizer que os agricultores estavam na UTI, em uma recente entrevista ao Agfeed. Até o ministro da Agricultura, Carlos Favaro, tratou da situação como uma crise.

Se o quadro desenhado pelas lideranças é esse, os investidores de varejo só tem elementos para fugir dos ativos, o que ajuda a explicar a deterioração das cotas dos Fiagros listados em bolsa nos últimos meses.

Diante de pedidos de renegociação de dívidas rurais, ministro Carlos Fávaro falou em crise

No mercado, alguns casos de inadimplência terminaram por contaminar o ambiente, com pedidos de recuperação judicial ou reestruturação das dívidas de devedores que compõem o portfólio de Fiagros de casas como Galapagos, Vectis e SFI.

Diante da aversão ao risco, parte relevante dos Fiagros está negociando abaixo do valor patrimonial.

Tiro no pé?

Nesse cenário, qualquer follow-on para ampliar o tamanho dos fundos (e, portanto, do dinheiro do mercado de capitais que financia o agronegócio) se torna improvável, na melhor das hipóteses.

Para Octaciano Neto, diretor de agronegócios da Suno e ex-secretário de Agricultura do Espírito Santo, a narrativa de crise criada nos últimos meses pode ser um tiro no pé, atrasando a injeção de recursos do mercado capitais no agronegócio.

Em uma publicação em sua página no LinkedIn, Neto fez uma provocação, num texto que só poderia ter vindo de alguém que circula com desenvoltura tanto pelo ambiente político de Brasília quanto pelo círculo financeiro da Faria Lima:

“Antigamente, quando um deputado ou ministro falava em crise no agro, o objetivo era um só: brigar por recursos da união para renegociar dívida. Isso dá votos. Então, o barulho sempre era maior do que a realidade.

Agora, quando alguém exagera na análise da crise, e muitas vezes nem crise é, balança o mercado, tira o investidor do financiamento do setor. 2/3 do financiamento do agro é privado.

Nossas lideranças políticas precisam ter cada vez mais cuidado com a mudança que tivemos. Não há mais distância entre o que se propaga em Brasília e cada investidor que financia o agronegócio, via CRAs, LCAs, Fiagros, etc.

Defender publicamente a renegociação de dívidas do produtor está virando um tiro no pé. O alvo é o orçamento da união, que só financia 1/3 do agro. Mas acertam o mercado privado, que financia 2/3 do setor”.

Com R$ 364,2 bilhões, o Plano Safra representa cerca de um terço das necessidades anuais do financiamento da agropecuária.

O restante das operações vem de financiamento comerciais, nas quais o barter é a maior estrela, e do mercado de capitais, via emissões de CRAs e, mais recentemente, Fiagros.

A primeira quebra de safra

De certa forma, o bate-cabeça em torno da renegociação das dívidas rurais não era de todo improvável. Afinal, esta é a primeira quebra de safra da era dos Fiagros.

Certamente, a crise deixará muito aprendizado para investidores e gestores de primeira viagem no campo e, quem sabe, também para parlamentares e autoridades do judiciário, como alertou recentemente Carlos Fonseca, o fundador da Galapagos Capital. Entre investidores, só mesmo o tempo para curar as feridas de quem vendeu as cotas de fundos com prejuízo.