Opinião

Como o marco legal das garantias afeta o financiamento agrícola

Possibilidade de um mesmo imóvel ser dado em garantia em mais de um contrato de crédito deve beneficiar o agro.

Com a possibilidade de um mesmo imóvel ser dado em garantia em mais de um contrato de crédito, o marco legal das garantias, que foi sancionado no fim de outubro, muda normas para desburocratizar e reduzir os custos de financiamentos, viabilizar aos devedores maior possibilidade de exploração de suas garantias, além de facilitar a retomada do crédito pelo credor em caso de inadimplência.

Essa mudança deve beneficiar em especial o agronegócio, que é o segmento que mais cresce na economia brasileira e que precisa de mais recursos para manter essa expansão.

Um dos principais impactos da nova lei refere-se à garantia de alienação fiduciária de bens imóveis. Pela regra anterior, o devedor poderia dar seu imóvel como garantia de um empréstimo somente uma vez. A garantia só era liberada após a quitação integral do débito.

Agora, o mesmo imóvel pode ser alienado fiduciariamente mais de uma vez, seja para credores distintos ou para o mesmo credor. Por exemplo, se o valor garantido pelo imóvel no primeiro empréstimo for de R$150 mil, e a dívida original for de R$50 mil, o devedor poderá tomar novo empréstimo até o valor de R$100 mil.

Uma outra novidade importante é que, ao amortizar o primeiro empréstimo, o devedor libera créditos para tomar uma nova dívida com o mesmo credor. Assim, voltando ao exemplo anterior, se o tomador já restituiu R$ 30 mil dos R$ 50 mil do primeiro empréstimo, ele pode buscar um financiamento com o mesmo credor no valor do que foi amortizado.

As duas únicas limitações desse novo empréstimo com o mesmo credor são: 1) deve ter o mesmo prazo do primeiro financiamento e 2) o valor da nova linha de crédito não pode superar o da primeira. E vejam: aqueles outros R$ 100 mil podem servir de garantia em outra operação com o mesmo credor ou um outro distinto.

Desse modo, a lei resgata o chamado ‘capital morto’. Isto é, o valor superveniente dos imóveis dados em garantias passa a ter a possibilidade de garantir novos créditos, ainda que a primeira dívida ainda não esteja liquidada.

Facilidade para executar garantias

O marco também facilita a tomada dos bens utilizados como garantia em casos de inadimplência. Uma das mudanças foi a criação do agente de garantias. Trata-se de um terceiro designado pelas partes para realizar toda a gestão da garantia, desde sua constituição até uma possível execução.

Marco legal das garantias pode ajudar o agro

No âmbito da execução, a lei inovou ao trazer maiores possibilidades de negociação entre as partes de forma extrajudicial, com o objetivo de diminuir a judicialização dos processos de execução e, consequentemente, a diminuição dos processos frustrados, por dificuldade de localizar e executar os bens do devedor. Por exemplo, a lei trouxe a possibilidade de execução de forma extrajudicial das garantias hipotecárias e também a negociação entre as partes, regida pelos cartórios de protesto.

Importante ressaltar que, apesar de a possibilidade de alienação fiduciária da garantia superveniente ter sido criada, ao primeiro credor fica assegurada a preferência, tendo o efeito para o segundo credor somente após o cancelamento da primeira garantia, e assim sucessivamente, garantindo, desse modo, a segurança jurídica aos partícipes.

Impacto no agro

Especificamente no mercado agro, o marco legal das garantias pode trazer benefícios tanto para o produtor quanto para o credor. O produtor rural terá uma maior possibilidade de exploração de seus imóveis e não precisará se comprometer com apenas um credor.

A realidade é que, muitas vezes, o valor da dívida é menor que o valor de avaliação do imóvel, porém, antes da lei, o imóvel ficava impassível de novas operações até a liquidação total da dívida. Agora, o produtor tem a possibilidade de expandir seus créditos e negócios, utilizando-se do mesmo bem imóvel.

Um outro ponto importante é que ao liberar o chamado ‘capital morto’, o produtor pode utilizar a mesma garantia para acessar diferentes linhas de crédito em diversas fases da produção. Assim, se ele precisar de mais recursos durante a compra de insumos e na colheita, pode tomar empréstimos com a mesma garantia para essas duas fases. Ou escalonar empréstimos ao longo de todo o período de produção, do planejamento ao beneficiamento. Isso é uma mudança brutal no planejamento do produtor.

Para os credores, as novas possibilidades de execução extrajudicial podem ter um grande potencial de diminuição de inadimplências, tendo em vista que os processos visam ser mais céleres. E isso também é benéfico para o produtor, porque o menor risco de perda de crédito tende a diminuir as taxas de juros e ainda aumentar os financiadores. Gestoras de recursos, por exemplo, poderiam securitizar essas dívidas, que têm uma melhor qualidade de crédito, criando fundos de investimentos. 

Ao flexibilizar e simplificar as operações com garantias reais, o marco legal favorece o crescimento desta modalidade de crédito com melhores preços e prazos para os produtores rurais, entre outros beneficiados. Agora, precisamos nos debruçar e detalhar todas as nuances que a regulamentação implica, para otimizar as oportunidades e os benefícios pretendidos.

Mariana Bonora é CEO da Bart Digital, startup com soluções voltadas para a formalização de títulos e garantias agrícolas, dentre elas, a plataforma Ativus, que agiliza as etapas envolvidas no financiamento agrícola em até 85%