Com o objetivo de democratizar o financiamento atrelado a métricas de sustentabilidade, uma tríade de empresas formada pela fintech Traive, a securitizadora Opea e a Sustainable Investment Management (SIM) almeja captar US$ 150 milhões para a safra de soja 2025/26. O dinheiro vai financiar a compra de insumos de produtores brasileiros por meio de um título listado no exterior, o CRA RFC Cerrado.
O veículo de investimento foi criado em 2022, a partir da necessidade de supermercados ingleses, consumidores indiretos de soja brasileira, de financiarem uma produção mais sustentável da commodity, baseados na premissa de que não é necessário abrir novas áreas para acomodar o aumento de demanda.
A partir desse objetivo, a SIM, uma assessoria de finanças ambientais, idealizou a estrutura e o CRA nasceu com um montante inicial de US$ 11 milhões, aportado pelas redes Tesco, Sainsbury’s e Waitrose.
Em 2023, esse montante cresceu a partir de aportes do Rabobank, do fundo Agri3 e do Santander — que demandaram a listagem do veículo em Viena e em São Paulo, respectivamente. Com isso, o montante subiu para US$ 47 milhões. Na bolsa de Viena, o veículo foi listado em três séries e, na B3, apenas a série do Santander.
Agora, a meta é triplicar o total da última safra. “Não podemos falar muito dessas conversas, mas, em linhas gerais, os supermercados continuam conosco e o BID também entrou para trazer novos aportes para a próxima safra”, afirma Maurício Moura Costa, COO da SIM, ao The AgriBiz.
O cronograma é apertado. Para a safra 2025/26, a janela para aprovar pedidos de crédito vai até o fim do primeiro trimestre. No segundo trimestre, a fase será de captação e desembolsos, já que no terceiro trimestre começa a safra. A conclusão das operações deve ser em maio de 2026.
Quem pode acessar
Para que os produtores tenham acesso aos recursos, uma análise ambiental é conduzida pela companhia, a partir de uma variedade de dados que inclui o Cadastro Ambiental Rural (CAR).
O critério base é que as áreas não tenham sido desmatadas depois de janeiro de 2020 (mesmo que seja legalizado). Além disso, têm de ter 5% de excedente de vegetação, além do que as normas obrigatórias e o Código Florestal demandam. Só são atendidos pelo programa produtores de soja no Cerrado e em zonas adjacentes (como o Mato Grosso do Sul, por exemplo).
Para garantir que os critérios estão sendo atendidos, a SIM conta com uma equipe multidisciplinar, que vai desde analistas de dados até advogados e especialistas em terras. Todo o trabalho é acompanhado por um comitê consultivo composto por, entre outros membros, o UNEP (United Nations Environment Programme).
Depois dessa extensa análise, o veículo de investimento emite, de forma gratuita e em benefício dos produtores financiados, uma declaração de produção sem desmatamento. O foco é financiar esses produtores sem exigir deles uma gama complexa de investimentos ou de informações a serem prestadas em certificações convencionais.
Análise de crédito
A Traive é a responsável pela análise de crédito dos produtores. Aqui, um detalhe importante: os agricultores não chegam de forma direta para solicitar os empréstimos, mas são indicados por agentes da cadeia produtiva para estarem aptos a receber o financiamento.
“Tem uma questão importante de mitigação de risco. A cadeia de distribuição conhece bem o produtor, são elas que acessam majoritariamente esse canal. A parceria se dá a quatro mãos mesmo. A gente fornece liquidez para o distribuidor e ele nos indica os produtores”, explica Fabrício Pezente, CEO da Traive.
A partir desse portfólio de produtores rurais, os selecionados pela análise de crédito da Traive emitem uma CPR financeira em dólar para a Opea, que vai dar o lastro do CRA. Os desembolsos variam de US$ 100 mil a US$ 1,5 milhão por produtor, atendendo, no limite mínimo, produtores com área total acima de 500 hectares.
“No primeiro ano em que esse framework começou a rodar, em 2022, fomos o segundo CRA em dólar emitido no mercado brasileiro e a segunda operação a usar CPR em dólar a permitir esse tipo de lastro”, diz Antonio Filho, credit risk manager na Traive.
Os produtores garantem que vão produzir nas condições de não desmatamento durante a vigência da CPR (frequentemente prazo-safra), além da cessão do contrato de venda com alguma trading já pré-aprovado.
O empréstimo visa ser uma alternativa ao capital de giro do produtor, com uma taxa média anual de 8% a 11% em dólar ano a ano. Como o produtor faz a cessão de contratos de compra e venda também feitos em dólar, a volatilidade do câmbio acaba sendo compensada nas duas pontas.
Por se tratar de um CRA — e não de um fundo, que poderia ser indeterminado — o veículo tem vencimento em 2026, com a revolvência acontecendo ano a ano de acordo com as operações contratadas.
“A dinâmica é igual a de um FIDC. A grande beleza é conseguir listar esse veículo na bolsa lá fora e conseguir aportes de investidores de lá, sem precisar ter um investimento tão grande quanto o de um green bond, mas acessando dinheiro estrangeiro com uma pegada ambiental”, ressalta Renato Frascino, head de Agronegócio da Opea.
A ideia é expandir para cada vez mais culturas e regiões a prática do veículo, aponta Moura Costa, da SIM. Por enquanto, são análises que ainda seguem em estudos, mas alguns dos temas mapeados envolvem conversão de pastagem, outras culturas e agricultura regenerativa.
“Há uma série de oportunidades de a gente atuar. São áreas em que existe uma carência de operações estruturadas e o apetite do time é levar mecanismos para o mercado assim que tiver condições de estruturar essas operações”, diz Costa.