“Viu só? Mais um Fiagro com problema. Esse negócio de investir em produtor de grãos é uma loucura”. Só que não.
Contrariando o senso comum de quem argumenta que é só ficar longe do produtor de grãos, os apuros financeiros que vêm pipocando em diversos players do agronegócio mostra como o setor é complexo e não pode ser encarado como um monólito. Há problemas (e oportunidades) em diversas cadeias.
Uma das crises mais recentes aconteceu na inusitada indústria de ração, derrubando a mineira Patense, uma companhia que se tornou conhecida no mercado financeiro nos últimos anos.
Com uma proposta de valor que parecia difícil de ser replicada, a empresa liderada por Clênio Gonçalves atraiu investidores da Faria Lima, mas usou grande parte dos recursos emprestados para financiar aquisições, trazendo o endividamento para níveis que se mostram insustentáveis.
Na semana passada, a Patense pediu proteção à Justiça para tentar renegociar com os credores, mostrou uma reportagem do Pipeline. Só em CRAs, o grupo levantou quase R$ 700 milhões. Um dos cotistas é o Fiagro da Capitânia.
A medida não chegou a ser um choque para quem acompanhava a crise da companhia de perto, mas mostrou que vai ser difícil reanimar os investidores de Fiagro enquanto problemas como este continuarem aparecendo.
Vícios e virtudes da Patense
Sediada em Patos de Minas, a Patense atraiu o mercado de capitais com uma proposta que parecia atrativa, resolvendo um problema dos pequenos e médios frigoríficos do País.
Enquanto gigantes como a JBS possuem as próprias áreas para processar os subprodutos do abate, os pequenos e médios tinham mais dificuldade para dar destinação a esses produtos.
A Patense dá a destinação a esses produtos, fabricando farinha de carne e ossos e óleos que são comercializados com clientes como Colgate, Petrobras e Química Amparo (dona da Ypê). Para o mercado pet, produz snacks e rações úmidas por meio da Pets Mellon, que pertence ao grupo.
Foi essa proposta de valor que fez com que gestores olhassem o negócio mais de perto há cerca de um ano e meio, dispostos a — eventualmente — conceder crédito à companhia.
Entre os nomes que embarcaram no negócio, destaca-se a atuação da WHG, gestora que ajudou a companhia a estruturar duas emissões de CRAs de 2022 para cá —os títulos foram distribuídos pela Guide e pela XP. Hoje, a WHG tem R$ 5 milhões em títulos da Patense, o equivalente a 2% da última emissão feita pela companhia.
Para uma fonte que conhece de perto a operação, o interesse da WHG na companhia veio a partir de um potencial vislumbrado para tornar seus executivos clientes da firma de wealth management.
“Dava para sonhar com IPO. A empresa é redondinha”, argumentou um interlocutor. O curioso é que, apesar dos planos, nenhum cliente da gestora possui títulos da Patense.
A maior parte dos credores dos CRAs é formada por pessoas físicas, o que só contamina o ambiente para a indústria de investimentos em agro. Entre os investidores institucionais, está o CPTR11, Fiagro da Capitânia, cujos títulos somam cerca de 4% do patrimônio líquido do fundo, comprados a partir da captação mais recente feita pela empresa, de R$ 40 milhões.
Conforme The AgriBiz apurou, os investidores e gestores acreditavam que a Patense era um negócio de grande porte, que rodava com uma margem razoável. “A foto de 18 meses atrás era bem razoável”, diz um interlocutor, que reconhece que a governança não era a ideal. A divulgação do balanço, por exemplo, só ocorria somente em bases anuais — e não semestrais ou trimestrais.
As ressalvas afastaram a companhia de outras casas na Faria Lima. Para um gestor carioca que olhou a empresa de perto, apesar de a companhia ter acumulado lucro e ter oferecido boas garantias nos títulos, a alavancagem e a proposta de crescimento agressivo via aquisições acenderam a luz amarela, e fizeram a casa ficar de fora da emissão.
O calvário da Rações Patense
Nas petições enviadas à Justiça, a Patense cita as oscilações nos preços do óleo de soja (que têm correlação com os óleos comercializados pela companhia) e a disparada da Selic como problemas. Mas reconhece que a agenda de crescimento inorgânico colocou a companhia em uma situação delicada.
Dede 2021, a Patense fez dez aquisições. Mais do que comprar muito, os M&As também tiveram problemas. Nos documentos anexados ao processo, a companhia sustenta que precisou lidar com investimentos além do esperado, que se traduziram em um desempenho mais fraco das empresas adquiridas do que o inicialmente projetado.
Além disso, uma fonte que conhece a companhia de perto afirmou que grande parte das aquisições não contou com nenhum tipo de assessoramento, o que pode ter prejudicado a Patense na hora de precificar os M&As.
Com tantas novas empresas debaixo do guarda-chuva, a companhia não conseguiu os benefícios do ganho de escala. A receita até dobrou entre 2020 e 2023, fechando o ano passado em R$ 1,3 bilhão, mas a margem Ebitda da companhia caiu rapidamente, de 30% para 20% no mesmo intervalo.
A contabilidade da Patense também agora enfrenta questionamentos. O Ebitda do ano passado totalizou R$ 281,5 milhões, mas veio com uma contribuição da linha de “outras receitas”, que soma R$ 145 milhões nos doze meses encerrados em dezembro. Nas notas explicativas, poucos esclarecimentos. Cerca de R$ 70 milhões vêm de créditos de PIS/Cofins, mas outros R$ 60 milhões continuam sem explicação.
Como financiou o crescimento com CRAs, a Patense também viu a despesa financeira crescer em um compasso acelerado. Em 2023, o resultado financeiro foi negativo em R$ 257 milhões, ante R$ 141 milhões no ano anterior. Com isso, a última linha do balanço veio para o vermelho, somando um prejuízo de R$ 49 milhões.
A duração do vencimento das dívidas também parece um problema. O total de empréstimos e financiamentos registrados no balanço de 2023 é de R$ 806 milhões, com R$ 654 milhões vencendo no curto prazo. A maior parte da dívida total está relacionada aos CRAs, somando R$ 296 milhões em encargos que variam de CDI+2,7% a CDI+4,5%.
No ano, a alavancagem (medida pela relação entre dívida líquida e Ebitda) ficou em 2,5 vezes, abaixo dos covenants de 3,5 vezes estabelecidos pelos CRAs, mas até esse número é questionado por alguns gestores. “Já em 2021, se a gente ajustasse o Ebitda por ganhos não recorrentes, a alavancagem seria de 5,6 vezes”, disse outra gestora que avaliou a companhia.
O processo
Em meio às dificuldades, a Patense já vinha deixando de honrar alguns pagamentos relacionados às aquisições. Isso fez os vendedores acionarem garantias, tentando executar a companhia. A petição destaca dois casos: uma transação com a Gomes da Costa e outra com a Gama Investimentos.
No caso da Gomes da Costa, trata-se de um acordo firmado em 2022 para comprar a BFP Bioprodutos de Pescado por US$ 15,6 milhões (ou R$ 81 milhões) em 60 parcelas mensais, tendo três membros da família como coobrigados solidários. Com a empresa está deixando de pagar parcelas, a Gomes da Costa foi à Justiça para cobrar cerca de R$ 64 milhões, à vista. O pedido foi indeferido.
Além desse caso, a petição destaca uma execução pela Gama Investimentos, com quem a companhia fechou um contrato em 2021. Faltou pagar a última parcela do contrato, de R$ 23 milhões.
A Patense chegou a oferecer um imóvel para quitar o contrato, mas, no fim, a gestora executou as garantias: uma carta-fiança do Banco Safra e um seguro garantia do BTG Pactual. Ambos os bancos fizeram pagamentos à credora e, agora, estão cobrando o pagamento da Patense.
Venda para a Bunge?
Esses não são os únicos credores ressabiados com a Patense. Para uma fonte que conhece a empresa de perto, o pedido de tutela antecipada — incluindo os sócios da empresa — mostrou que a governança da Patense estava fragilizada.
“O Clênio Gonçalves disse que estava com uma transação com a Bunge para vender 30% da companhia e pagar as dívidas, quando, na verdade, estava se preparando para ir à Justiça”, criticou um credor.
A reportagem confirmou a informação de que houve tratativas com a Bunge em um determinado período, mas que, de fato, não avançaram.
Se o negócio não estivesse quebrado e parado na Justiça, a Patense poderia resolver a crise com uma venda. Um comprador possível seria a americana Darling Ingredients, gigante avaliada em mais de US$ 6 bilhões na bolsa de Nova York.
Nos últimos anos, a Darling mostrou grande apetite por aquisições no Brasil, o que incluiu a compra do Grupo FASA, que reaproveita subprodutos animais na produção de alimentos e rações, por R$ 2,8 bilhões. A companhia também levou a Gelnex, de colágeno, por mais de R$ 6 bilhões.
“Se a Patense tivesse um patamar de dívida saudável, seria um alvo de aquisições”, lamentou um credor. Agora, a Patense terá 120 dias para tentar negociar com os credores, mas o caso pode mesmo acabar em uma recuperação judicial caso as negociações fracassem, um cenário que parece provável.
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A Patense é assessorada pelo TWK Advogados, um dos escritórios mais renomados em recuperação judicial no país.