Quando a CVM liberou o registro de Fiagro, a Galapagos Capital saiu na frente e levantou o primeiro fundo do gênero. Quase dois anos depois, os pioneiros agora vão colocar à prova a solidez da tese de investimentos do fundo.
Nos últimos meses, três ativos do portfólio do Fiagro da Galapagos — um veículo com R$ 171 milhões em patrimônio e 6,4 mil cotistas — sofreram com atrasos nos pagamentos de juros ou amortizações.
Os problemas ocorreram nos CRAs da Agrícola Formosa, produtora de soja que pertence à família Castilhos e possui fazendas na região de Luís Eduardo Magalhães (BA); da Três Irmãos, grupo liderado por Valter Bergamasco que cultiva grãos em Mato Grosso; e Atlas, empresa de Canarana (MT) que cultiva e faz trading de gergelim.
Juntos, os três grupos agrícolas representavam 26% do patrimônio líquido do GCRA11, o Fiagro da Galápagos. Fundos de casas como JGP, SFI e NCH Capital também investiram em alguns desses títulos.
A situação não é isolada de um fundo e tampouco restrita à indústria de Fiagro. Revendas e fintechs de crédito agrícola também sentem o produtor mais arredio — pedindo mais prazo para pagar —, um reflexo da virada dos preços na agricultura.
Cadê o boom de commodities?
Depois dos bons anos de boom de commodities, as cotações dos grãos desabaram nos últimos meses, o que mudou o humor dos produtores. As vendas antecipadas de soja já estavam bem atrasadas para a média histórica e muitos agricultores continuam segurando as vendas à espera de melhores preços. Enquanto isso, tentam adiar o pagamento de dívidas.
“Além da perda de margem com o preço menor, tem a cabeça do produtor. Ele acredita que o preço da commodity vai voltar. Então, o que ele consegue postergar de venda, ele faz. Não são problemas de solvência, mas de liquidez”, disse Felipe Solzki, sócio e gestor de fundos da Galapagos Capital, em entrevista ao The Agribiz.
Apesar da situação desconfortável, o quadro ainda é contornável, sem impactos para remuneração cotistas do Fiagro da Galapagos. Costumeiramente, o fundo já era conservador na distribuição de dividendos, o que o deixava com gordura acumulada. “O fundo não distribuía 100% do resultado”, ponderou o gestor.
Crédito mais restritivo
De qualquer maneira, a piora das condições de mercado levou a uma revisão para o cenário de crédito. Se antes as premissas conservadoras da Galapagos trabalhavam com a soja num piso de R$ 120 por saca, o mínimo agora é R$ 100. Em Rondonópolis, o indicador do Imea para o grão está em R$ 118,90 por saca.
“Menos produtores têm condição de passar hoje no comitê de crédito”, afirmou o gestor. Com as margens da produção de soja mais apertadas, a estratégia da Galapagos de conceder crédito para os fazendeiros que possuem área própria — e não arrendadas — ganha ainda mais importância.
Segundo Solzki, a estrutura de garantias também fortalece a posição da Galapagos na negociação. Nos CRAs que investiu, os produtores deram fazendas em garantia. “Quando você tem a terra em garantia, fica numa posição privilegiada. A terra é o principal bem do produtor e ele não quer abrir mão”. Com a garantia, mesmo no pior dos cenários — o produtor simplesmente não pagar a dívida —, o Fiagro teria lastro suficientes para cobrir os pagamentos.
Pagamentos atrasados
Um exemplo é a Três irmãos, que atrasou o pagamento das parcelas de juros e amortização que venciam em abril e maio. “O CRA tem um R$ 35 milhões de saldo devedor e a terra tem avaliação de R$ 60 milhões”, contou o gestor, citando a fazenda do grupo na mato-grossense Tapurah.
Diante desse quadro, os gestores da Galapagos mantêm um diálogo semanal com os produtores que atrasaram pagamentos. “Recentemente, fomos visitar Três Irmãos. Eles estavam com vendas de soja programada, mas por iniciativa própria decidiram segurar o estoque”.
Depois do atraso, a Três Irmãos quitou a parcela de abril (R$ 360 mil de juros e R$ 2,6 milhões em amortização). A parcela de maio ainda não foi paga integralmente, segundo Solzki. Até segunda-feira, o grupo de Mato Grosso pagou apenas os juros (R$ 354 mil) e o equivalente a 50% do que teria para amortizar no mês, mas prometia quitar o restante nesta semana.
Na Formosa, a família Castilhos tinha uma parcela de R$ 7 milhões para pagar em maio aos detentores dos CRAs, mas quitou apenas R$ 4,5 milhões. “Eles já apresentam uma proposta de condições de pagamento, inclusive apresentando mais garantias”, disse Solzki. O caso será definido em assembleia.
Vencimento antecipado
Como o risco para o produtor é ter o vencimento antecipado da dívida declarado, há boas chances de que as negociações tenham um final feliz para os credores. A dívida da Formosa é o ativo mais representativo do Fiagro da Galapagos, perfazendo R$ 20,4 milhões ou 11,9% do PL do Fiagro.
Por fim, a Galapagos também teve de lidar com o atraso no pagamento dos juros pela Atlas. Neste caso, optou-se pelo vencimento antecipado da dívida, o que resolveu o problema. “O GCRA11 recebeu o saldo integral dos recursos alocados acrescidos dos juros e encargos moratórios devidos. Portanto, o fundo não possui mais exposição ao ativo”, mostrou o último relatório mensal do fundo.
A expectativa do gestor é que os atrasos nos pagamentos serão resolvidos e encarados no futuro como episódios pontuais, o que vai demonstrar o acerto da estratégia de garantias. “Continuamos com nossa tese intacta”, assegura Solzki. O retorno anualizado do fundo está em 16,8%.
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Numa gestora inspirada em Charles Darwin, espera-se que o momento mais desafiador para dar crédito na agricultura ajude na evolução do fundo. O nome Galapagos é uma homenagem à ilha onde o cientista fez observações fundamentais para escrever “A Origem das Espécies” e a mascote da firma de investimentos é a iguana marinha, típica da ilha.