Opinião

Fiagro: A vantagem da nova regulamentação da CVM

Em audiência pública, a proposta da CVM vai permitir a organização de tipos de Fiagro com objetivos diferentes

O contexto internacional de inflação e volatilidade em meio a conflitos armados, aliado ao cenário brasileiro de redefinição da ancoragem fiscal e de restrição do mercado de crédito, restringiram o investimento e reduziram as captações locais de recursos no mercado de capitais em 2023. Ao mesmo tempo, foi o ano para se estabelecerem bases para uma indústria relevante: os fundos de investimento.

De um lado, houve uma revolução na regulação de fundos, a partir da edição, pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários), da Resolução CVM 175. E foram muitas inovações.

A maior delas foi consolidar, em um só documento, diversas normas de fundos esparsas, que continham disciplinas diferentes para produtos semelhantes, o que gerava contradições, avanços não-lineares e escolha por estruturas com descontos regulatórios. Com a nova estrutura, o lado positivo de cada regulação foi, em geral, estendido às demais.

A segunda delas foi criar um sistema mais flexível para organização de interesses distintos, com destaque tanto para a segregação patrimonial, em um só fundo, de diferentes ativos e investidores (por meio das classes e subclasses), e quanto para a emissão de cotas com diferentes direitos políticos e econômicos. 

Já a terceira foi aumentar o nível de transparência na remuneração de prestadores de serviços de fundos, com uma disciplina mais restritiva do denominado “rebate”, que a indústria utiliza principalmente na remuneração de gestores de fundos e distribuidores de suas cotas.

A norma para o Fiagro

O maior destaque virá com a edição da norma para o Fiagro. Já há muitos anos o agronegócio tem sido o motor da economia brasileira, e é nítida sua aproximação com o mercado de capitais a partir de meados dos anos 2010, com o CRA (Certificados de Recebíveis do Agronegócio).

Segundo dados da CVM, a indústria de Fiagro cresceu 78% desde dezembro de 2022, com o patrimônio líquido alcançando R$ 18,71 bilhões em setembro de 2023, e projeções de aumento nesse ritmo nos próximos anos.

Aquela visão focada na produção evoluiu para um sistema mais amplo que envolve também logística, comercialização, armazenagem e financiamento de insumos, produtos, subprodutos, máquinas, implementos e serviços.

A vocação do Fiagro é a de ser o veículo principal de investimento do agronegócio em crédito, empresas e propriedades imobiliárias. Só que, neste momento, a regulação enxerga esse fundo de forma estanque, permitindo-se, em geral, a criação de estrutura para cada uma das três modalidades de ativos, acima mencionadas.

Vantagens

A proposta da CVM, em audiência pública, é passar a permitir que cada Fiagro possa investir nas três modalidades de ativos, em duas ou em uma só, nessa perspectiva mais sistemática do setor, composto por “antes”, “depois” e “após” a chamada “porteira”.

A vantagem dessa perspectiva é a de permitir a organização de fundos com objetivos diferentes. De um lado, um viés mais patrimonial, com a consolidação dos investimentos de uma família ou grupo empresarial nas mais diferentes estratégias. De outro, exclusivamente de investimento, em que haverá investidores de mercado com empresários do setor, em conjunto ou de forma segregada.

Analisando-se de forma combinada a Resolução CVM 175 com a nova regra do Fiagro, será possível, por exemplo, um só veículo investir em propriedades agrícolas e CPRs (Cédulas de Produto Rural), com recursos advindos dos investidores de mercado, remunerados a taxas pré-definidas, e do empresário do agronegócio, que busca maior rentabilização do capital investido por conhecer do risco e se dedicar à atividade agroindustrial, organizados sob uma estrutura em que o poder de controle do fundo é atribuído ao empresário.

Venda de ativos

Outra estrutura viável consiste, com o objetivo de desalavancagem, uma empresa do agronegócio vender uma propriedade rural (inclusive um armazém) ao Fiagro, para que este, simultaneamente, alugue o imóvel à empresa, por longo prazo, utilizando-se de recursos próprios e/ou de securitização de recebíveis da locação.

Mesmo o come-cotas para certos fundos fechados, instituído pelo Projeto de Lei nº 4.173, de 2023, enviado para sanção presidencial, não alcança o Fiagro, que continua sujeito à tributação própria, semelhante à do FII (Fundo de Investimento Imobiliário).

As únicas modificações que o afetam são: o número de cotistas para que pessoas físicas façam jus ao benefício da isenção nos rendimentos foi ampliado de 50 para 100 e o percentual máximo que um cotista poderia deter de cotas do Fiagro ou de direitos ao recebimento de rendimentos do Fiagro para fazer jus ao benefício, que atualmente é de 10%, foi aumentado para 30%.

Como se vê, o cenário dos fundos para 2024 é bastante positivo, em especial o Fiagro que, amparado por uma nova regulação e impulsionado pelo agronegócio, que cada vez mais se desenvolve, sofistica e realiza investimentos.